Não foi um lançamento comum. Em geral, as empresas de tecnologia põem seu presidente no palco e ele sai descrevendo as qualidades do produto. Mas Kim Dotcom não é assim. É um tipo estranho. Dois metros de altura, 130 kg, louco por atenção. O lançamento do Mega, seu novo site de armazenamento, começou com helicópteros sobrevoando sua mansão na Nova Zelândia. Deles desceram atores fingindo ser agentes do FBI. Kim estava no alto de um palco; abaixo, moças bonitas com saias curtas, pernas à mostra.
Há um ano, a polícia da Nova Zelândia invadiu sua mansão a pedido do FBI, confiscou 18 carros de luxo, TVs gigantes, computadores, um total de US$ 17 milhões. A Justiça ainda bloqueou em suas contas bancárias, algo próximo de US$ 200 milhões. Tiraram seu site, o Megaupload, do ar. Era, segundo o governo americano, um dos principais centros de pirataria da internet. (Chegou a ser responsável por até 4% do tráfego em toda a rede.)
Dotcom nega as acusações de pirataria. Diz que Megaupload era um site usado para armazenamento de dados como tantos outros, incluindo serviços populares como DropBox ou Google Drive. Só que era diferente. Num site de armazenamento, botamos documentos que serão baixados por três ou quatro colaboradores. O Megaupload incentivava seus usuários a distribuírem arquivos internet afora. Tinha muito filme e música pirata ali.
Casa de US$ 30 milhões
A carreira de flerte com as prisões de Kim Dotcom é longa. Nascido na Alemanha Ocidental em 1974, o talento para computadores surgiu cedo. A queda pela farsa, idem. Ainda nos anos 1990, dava entrevistas fazendo o papel de hacker e dizendo-se responsável por façanhas improváveis como a invasão dos computadores da Nasa e do Pentágono. Foi preso adolescente por distribuir cartões telefônicos fraudados. Em 2001, comprou ações de uma empresa pontocom falimentar e anunciou à imprensa que pretendia investir pesadamente nela. Outros compraram as ações enquanto ele vendia as suas. Fugiu para a Tailândia, foi extraditado. Enfrentou cinco meses nas cadeias alemãs por crime contra o sistema financeiro.
O repórter Sean Gallagher, que mergulhou em sua história para contá-la na revista Wired, não conseguiu descobrir exatamente em que momento Kim começou a fazer dinheiro. Em 2005, mudou-se para Hong Kong e foi de lá que começou a estruturar o gigantesco Megaupload. De batismo, seu nome é Kim Schmitz. Mudou para Dotcom, pontocom em inglês, em homenagem à internet. Enquanto fazia fortuna, dedicava-se também a jogar videogames. Chegou a ser o número um no mundo em “Modern Warfare 3”, um jogo com 15 milhões de participantes. Pagou do próprio bolso um documentário que o acompanha pelas férias em Mônaco, entre iates e carros esporte, circulando com uma modelo da Playboy alemã que foi paga para fazer figuração. O príncipe Rainier chegou a participar de uma de suas festas.
Mudou-se para a Nova Zelândia em 2010 e ganhou o direito a residência permanente por ter se comprometido a investir pelo menos US$ 10 milhões no país. Em Auckland, alugou uma casa de US$ 30 milhões, a mais cara do país. É onde vive com a mulher e cinco filhos.
“Aparece aí”
Foi preso há um ano, mas logo solto. A prisão fora feita com um mandado ilegal, e o governo reconheceu ter aprovado que sua vida fosse espionada driblando exigências da lei. O primeiro-ministro se viu obrigado a pedir desculpas publicamente.
Mega, seu novo site, diz ser seguro. Se alguém levá-lo abaixo novamente, será impossível descobrir o que cada usuário armazenou. O slogan é “The Privacy Company”, a empresa da privacidade, que muitos logo perceberam ser uma brincadeira com sons. “The Piracy Company”, a empresa da pirataria.
Kim Dotcom é um dos tipos mais estranhos da internet. Neste ano, tuitou uma foto com amigos vivendo a boa vida na mansão. Um anônimo fez uma piada, dizendo que queria uma vida assim. “Aparece aí”, disse Kim. O rapaz passou o dia em sua casa.
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[Pedro Doria é jornalista]