No último 11 de janeiro, Aaron Swartz, jovem hacker e ativista, enforcou-se em seu apartamento em Nova York. Ainda não se sabe ao certo os motivos, mas ele estava sendo acusado pela procuradora dos EUA Carmen Ortiz, entre outras coisas, de fraude e roubo de informação. O jovem de 26 anos copiou 4,8 milhões de artigos científicos do MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, mas foi preso antes mesmo de poder compartilhar o conteúdo. Imbuído pela ética hacker de deixar disponível dados de interesse público, Swartz sempre lutou pela transparência de informações, como esses artigos científicos que poderiam ajudar outros estudos e que, em grande parte, tinham sido financiados com dinheiro público. O próprio MIT concordou em não dar queixa, mas a procuradora insistiu na acusação que poderia levar Swartz à prisão por mais de 30 anos.
Ciberativista ferrenho, ele foi uma das principais vozes a lutar contra o Sopa e Pipa, projetos de lei estadunidenses que pretendiam controlar a internet. Após a vitória no congresso, Aaron, em discurso, explicou os desafios vigentes à liberdade na rede e ironicamente disse que “para conseguir aprovar algo importante em Washington é preciso achar um monte de grandes companhias que concordem com você”.
No Brasil, houve grande indignação contra o Sopa e Pipa, mas duas grandes batalhas nacionais para a livre informação parecem não ter atenção suficiente da sociedade civil. Por meio de consulta pública, criaram-se dois novos projetos de lei: um que regulamentaria a questão de direitos autorais, especificamente, inclusive com atenção às novas tecnologias; e outro que legislaria sobre a internet, chamado de Marco Civil.
A comunicação digital depende de redes
A situação em Brasília não é muito diferente da de Washington. Bruno Magrani, professor e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, aproxima de Swartz ao comentar sobre o andamento do Marco Civil no Congresso: “Depois que aconteceu todo o processo de consulta pública e do projeto ter sido gestado dentro do Ministério da Justiça, acho que a sociedade civil subestimou o poder do lobby da indústria de Telecom.”
Magrani explica que “o Marco Civil passou por um processo amplo de consulta pública, teve grande participação da sociedade, teve relativo consenso em torno das propostas incluídas, mas, ao que tudo indica, na reta final, quando estava tudo encaminhado para o projeto ser aprovado, as empresas de telefonia descobriram o Marco Civil. Aí, fora do processo público de consulta, ou seja, nos corredores escuros do Congresso Nacional, eles começaram a trabalhar acionando sua bancada de deputados pra parar o Marco Civil”. Desde então a votação do projeto já foi adiada por seis vezes e ainda não existe previsão para que ele seja aprovado.
Sérgio Amadeu, doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, professor adjunto da Universidade Federal do ABC (UFABC) e militante do software livre, é ainda mais enfático ao avaliar o poder das empresas de Telecom: “Nunca um setor da economia dominou de maneira tão absurda a comunicação. Não que não continuem existindo várias formas de se comunicar, mas a forma que nós mais utilizaremos – e que tende a tragar, a convergir as outras – é a comunicação digital, e ela depende de redes”, referindo-se à tecnologia de cabos e fibras óticas de propriedade das grandes empresas de telecom.
Neutralidade
A pressão das Telecoms para que não se aprove o Marco Civil da Internet é evidente, inclusive com lobby para a mudança do texto amplamente criticada por Marcelo Branco, apoiador do texto inicial, mas que, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos, diz que se o congresso ceder aos interesses das grandes empresas de telefonia, o Marco Civil pode virar um novo Sopa e Pipa.
Existem dois pontos essenciais que travam o avanço do Marco Civil por incomodar o setor privado: a questão da neutralidade e a parte do texto que proíbe as empresas de telefonia de armazenar dados dos usuários. E é desses que a sociedade civil não pode abrir mão.
A neutralidade é a questão técnica que explica a relação das empresas de telecomunicação com o conteúdo que trafega em seus cabos. Não se pode fazer distinção por conteúdo, logo, tanto empresas, como usuários, pagam por velocidade de conexão e não por pacote de tipo ou quantidade de conteúdo. Amadeu, entretanto, afirma que “ela é técnica, mas não é somente técnica, ela é principalmente política e econômica. Imagine se uma operadora resolve, por motivos de suas convicções culturais ou políticas, começar a filtrar determinado tipo de tráfego, de informação. Ou imagine, que é o maior interesse deles na quebra da neutralidade, eles poderem fazer uma precificação, ou fixarem preços diferenciados pra quem usa vídeo, pra quem usa e-mail, ou pra quem só usa web. O sonho desses controladores dos cabos é transformar a internet numa grande rede de TV a cabo, com vários pacotes”, explica.
Com a quebra da neutralidade, “eles poderiam tentar forçar a barra e cobrar um adicional de empresas como Google e Netflix que usam muita banda” diz Bruno Magrani. Sérgio Amadeu acredita que os valores adicionais podem atingir também o usuário convencional. Magrani completa frisando que “o problema não é pra essas grandes empresas, mas sim para as pequenas. Se a gente no Brasil quer fomentar o desenvolvimento de start ups nacionais, empresas de tecnologia nacionais, essa característica da internet de baixas barreiras de acesso ao mercado é fundamental para que uma pessoa em uma garagem possa criar um site que vai ser o novo boom”, explica.
Para se ter ideia, com cobranças diferenciadas por tipo de conteúdo a velocidade de navegação pode ser afetada, assim, o conteúdo de um blog independente pode ficar muito mais difícil de ser acessado do que o de um grande portal. Afinal, um blogueiro não terá o mesmo aporte financeiro para manter um provedor de agilidade. “A neutralidade na rede é o princípio de funcionamento da internet que garante em parte essa diversidade, inventividade e liberdade que existe” diz Amadeu.
Invasão de privacidade
O segundo ponto que seria o armazenamento de dados dos usuários como a navegação, os hábitos dessa pessoa na rede, tem se mostrado enorme fonte de lucro não só para as grandes Telecoms, mas também para empresas online como Google e Facebook. Recentemente a rede social sofreu processo por guardar dados de seus usuários. A diferença, entretanto, é que no caso das empresas de telecom a coisa é mais grave:se uma pessoa quiser, ela pode usar outro buscador, mudar seu provedor de e-mail e sair do Facebook; mas a partir do momento em que o usuário entra na rede, não é possível evitar o tráfego por cabos de alguma empresa de Telecom – ou seja, mesmo contra a vontade a pessoa tem seus dados armazenados.
“Tanto a Telefonica, quanto a Oi, já fizeram um acordo com uma empresa estrangeira chamada Phorm, cujo modelo de negócio é o seguinte: a Phorm oferece uma opção pro usuário, se ele quer participar do sistema deles de conteúdos recomendados. Eles monitoram tudo o que os usuários de internet de um dado provedor acessam e com base nessas informações oferecem ao usuário propagandas e outros conteúdos que supostamente seriam do interesse dele. Isso é extremamente invasivo à privacidade do usuário. Você imagina, no Brasil que grande parte dos acessos ainda é feito em lan-houses, que um indivíduo usou o computador antes de você, concordou em participar do programa da Phorm, aí quando você vai usar o computador, todos os dados que estão trafegando por ali estão sendo monitorados, não porque você deu autorização, mas porque o sujeito antes de você deu. Esse é o modelo que a Phorm trabalha e o modelo que duas das maiores operadoras de telefonia do Brasil já embarcaram”, pontua Bruno.
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[Alexandre Bazzan, da Caros Amigos]