A batalha legal do britânico Sunday Times com o ciclista Lance Armstrong, que custou quase £1 milhão (cerca de R$ 3,2 milhões) ao jornal mostra como é difícil levar adiante investigações sob as leis britânicas de calúnia e difamação.O Sunday Times publicou, em 2004, uma matéria que sugeria que Armstrong tomava substâncias proibidas e, no Reino Unido, o ônus das provas é dos jornais.
Por isso, desde que Armstrong perdeu, por doping, seus sete títulos do Tour de France e foi banido do esporte pelo resto da vida, o Sunday Times tem estado em contato com seus advogados tentando recuperar a contribuição de £300 mil (R$ 920 mil) que pagou pelos custos judiciais e sua própria conta judicial de £600 mil (R$ 1,92 milhão). Também acrescentou £100 mil (R$ 320 mil) de juros.
Advogados e jornalistas que trabalharam na série de matérias que acabou levando o jornal à justiça, em 2004, relembram como o artigo publicado foi enfraquecido pelo medo da lei de calúnia – e acabou motivando a rápida renúncia ao cargo do repórter especial David Walsh, um jornalista que posteriormente surgiria como um herói do escândalo Armstrong. O Sunday Times, da News International, também descartou, seguindo orientação de seus advogados, um trecho de quatro páginas do livro sobre Armstrong, L.A. Confidentiel, escrito por Walsh e o jornalista esportivo francês Pierre Ballester, que deveria ser publicado na França, onde as leis de calúnia e difamação são menos rigorosas.
Trecho não publicado
“Walsh ficou muito excitado com a série de matérias. A maioria de seus contatos era em territórios de língua inglesa, o Reino Unido e os EUA, e para ele isso era importante, uma vez que nenhuma editora britânica aceitara o livro. Ele já produzira 11 mil palavras (para o texto recusado pelo Sunday Times), que pensava representarem o que o livro tem de melhor”, disse Alan English, subeditor de esportes na época e que também foi citado no processo de 2004 de Armstrong. English lembrou a fúria de Walsh quando o advogado Alastair Brett, da News International, se pronunciou contra a publicação a menos que o texto tivesse uma declaração juramentada como confirmação de suas fontes.
“David ficou furioso. Uma daquelas mulheres [uma fonte] estava ao telefone, em lágrimas”, disse ele. “Foi muito tenso. Ele reconhece que estava muito próximo da matéria. Não estava resignado, reconhecendo que as leis de calúnia eram proibitivas. Lembro-me de acompanhá-lo até o seu carro. Não dissemos uma palavra. Entramos no carro e ele disse que ia renunciar.”
O trecho do livro não foi publicado, mas English passou o sábado com o advogado do jornal escrevendo uma matéria baseada no livro e questionando as aparentemente super-humanas capacidades de Armstrong. Isso foi o suficiente para convencer Walsh a mudar de ideia e voltar atrás sobre a renúncia.
Confissão e desculpas
O ciclista chegou a chamar Walsh na época de pior jornalista que conheceu. Em entrevista à Oprah, na semana passada, Armstrong admitiu ter usado drogas para vencer quatro títulos e, quando perguntado se devia desculpas ao repórter, disse, após ter hesitado, que pediria desculpas a ele. Walsh, por sua vez, disse não esperar ou querer desculpas. “Quero um terceiro encontro, porque tenho muitas questões”, escreveu ao Sunday Times.
Em 2004, advogados envolvidos no caso afirmaram que o Sunday Times não tinha chances na justiça, uma vez que as cortes haviam decidido que o jornal tinha que produzir evidências de que o ciclista não tinha se dopado. “O modo como as leis de calúnia britânicas são, o ônus da prova ficam com o jornal”, disse Gill Phillips, um dos advogados do jornal e agora diretor de serviços legais editoriais da Guardian News & Media. “Não tínhamos evidências suficientes para mostrar que Armstrong era culpado. Isso é muito difícil para o jornalismo investigativo”.
O caso de Armstong nunca chegou a um júri, mas houve enormes gastos legais devido a audiências pré-julgamento para estabelecer o que exatamente um júri poderia ser solicitado a sentenciar. Sob a lei de calúnia, uma direta acusação de que o ciclista teria usado drogas seria considerado o pior tipo de calúnia se o jornal não fosse capaz de provar que era verdade.
A equipe de defesa do jornal argumentou que no caso em questão seria necessária um tipo mais leve, pois o artigo tinha sugerido “a existência de fundamentos razoáveis para considerar que ele era culpado”. Depois de duas determinações da alta corte e uma determinação da corte de apelações, concluiu-se que leitores poderiam entender que o artigo, com sua manchete, foto e declarações, acusava Armstrong de ser um mentiroso e de ter trapaceado e o caso teria que ir ao julgamento nessa base. O Sunday Times decidiu então não se arriscar a ir a um julgamento no júri – por acreditar não ter evidências fortes. O advogado Phillps e o então chefe de redação Richard Caseby foram para Austin, no Texas, para tentar fazer um acordo fora da corte.
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