Na semana em que as mulheres – pouco ou nada vestidas – serão notícia na mídia porque madrinhas, destaques ou passistas de escola de samba, uma discreta nota política: a possível candidatura de duas mulheres a deputada federal. Mas, a julgar pelas fotos escolhidas – roupas decotadas e poses sensuais –, elas bem que poderiam fazer parte do noticiário da folia:
‘Pelo menos duas coisas elas têm em comum. Ganharam fama instantânea nos últimos tempos e, agora, pretendem estrear nas urnas trocando a celebridade por votos. As maiores chances de eleição estão com a ex-secretária Fernanda Karina, principal testemunha da CPI dos Correios. Candidata a deputada federal pelo PMDB de São Paulo, ela se apóia em pesquisas do partido que lhe conferem 300 mil votos. A estudante de direito Diana Buani, cuja beleza a tornou alvo dos fotógrafos que acompanham o escândalo do mensalão, está decidida a concorrer ao cargo de deputada distrital pelo PTdoB. Ela é mulher do empresário Sebastião Buani, o homem que explorava o restaurante da Câmara dos Deputados, denunciou o deputado Severino Cavalcanti por extorsão e provocou a derrubada dele da presidência da Casa. ‘O eleitor terá de distinguir entre quem tem plataforma de verdade e quem é apenas perfumaria’, diz o cientista político Gaudêncio Torquato. ‘Não será um exercício fácil’.’ [IstoÉ, 19/2/2006]
Não se pode acusar a revista IstoÉ pelo tratamento dado às futuras candidatas. Elas não têm plataforma, jamais tiveram militância política e, se defendem idéias, conseguem esconder isso muito bem. O tratamento – fotos sensuais e destaque para a beleza de Diana Buani – é apenas justo. O que a revista e a mídia em geral podem fazer é ir mais fundo no assunto, mostrando que se as moças estão se aproveitando da fama súbita para garantir o futuro, existem, dando suporte às suas pretensões, partidos políticos que falham com seus eleitores.
Em vez de escolher candidatos porque se identificam com sua ideologia e têm um currículo que garante um bom trabalho no Congresso, os partidos usam essas duas mulheres para suprir seus quadros com representantes do sexo feminino (a lei eleitoral garante vaga para 30% de mulheres entre os candidatos aos cargos eletivos) e ainda ganham espaço na mídia por meio de candidatas com exposição garantida.
Momento de fama
Só para lembrar, dizia a voz em off num filme do Tribunal Superior Eleitoral, veiculado antes das eleições de 2002:
‘A mulher brasileira representa beleza, calor, encanto e luta. Agora chegou a hora de representar o Brasil. Nestas eleições, os partidos e coligações devem reservar um mínino de 30% para candidaturas de mulher aos cargos de deputado estadual, deputado federal e senador. Um direito garantido por Lei para quem tanto representa este país’.
Mas será que Fernanda Karina e Diana Buani podem ser acusadas de ‘representar este país’? Karina chegou à CPI – e à mídia – como a jovem tímida e séria que queria ajudar a moralidade pública, denunciando o chefe. Virou vítima, quando se soube que estava sendo processada por ele – acusada de extorsão– e acabou saindo heroína. O processo contra ela foi suspenso e era candidata a center folder da Playboy. Declarou-se petista, sem dinheiro para pagar o advogado e acabou virando candidata à deputada, tendo o ex-advogado (cujos honorários ela não sabia como pagar) como seu agente. Disse ter sido sondada pelo PSDB, embora nunca tenha sido tucana, mas vai tentar carreira no PMDB – que, a julgar por declarações anteriores da ex-secretária, se encaixa no partido com que sonha: ‘Tem que ser um partido que tenha visibilidade política, não quero ficar lá [no Congresso] com um monte de gente que está lá e não serve pra nada’.
Mais modesta, Diana Buani jamais cogitou aparecer nua em revista, tem em sua biografia o fato de ter abandonado empregos por assédio sexual do chefe e ganhou fama por ser bonita e discreta. Ficou ao lado do marido na entrevista coletiva, encantando a mídia com seu silêncio e beleza. Agora, que aparece como futura candidata, mantém a coerência ao dizer que vai fazer dobradinha com o marido, este sim candidato declarado ao Congresso e feliz com o fato de poder ‘voltar por cima’ para a Câmara, onde teve seu restaurante fechado.
Que essas pessoas tenham pretensões a um bom salário até é justo. Injusto é que nós, eleitores, tenhamos que pagar a conta. E mais injusto ainda com as mulheres, que acabam vendo se destacar, como suas representantes, pessoas que vão ocupar cargos com base apenas num momento de fama. Enquanto viram musas disso e daquilo, ocupam o espaço que, de direito, deveria ser das deputadas e senadoras que fizeram a política a sua opção de vida porque tiveram militância, acreditam numa ideologia e querem fazer um bom trabalho.
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Jornalista