Não matem Hermes, o mensageiro dos deuses, quando ele for portador de notícias que não agradem! É melhor sabê-las do que ignorá-las e o mensageiro – não esqueçamos – é nada menos do que portador das mensagens dos deuses.
Guardadas as devidas proporções, esta foi a tentativa ocorrida na terça-feira (14/2), quando se divulgou o resultado da pesquisa da CNT/Sensus sobre o quadro da corrida pré-eleitoral à sucessão presidencial, em que Lula aparecia recuperando o terreno perdido e ‘ganhando’ o segundo turno com todos os possíveis adversários elencados, inclusive com 10 pontos de vantagem com relação a Serra (PSDB). [Veja o post ‘Virar a pesquisa pelo avesso‘, no blog Em Cima da Mídia, deste Observatório]
A imprensa estampou os comentários do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), e o prefeito do Rio, César Maia (PFL), acusando o instituto de manipulação dos dados.
‘Ao saber do resultado da pesquisa, Arthur Virgílio disse: ‘Está na hora de dar um basta na manipulação de pesquisas eleitorais. As distorções nessa pesquisa CNT/Sensus são terríveis, eu não acredito nela’.
Cesar Maia também colocou em dúvida os resultados da pesquisa. Afirmou que o levantamento ‘é completamente inconsistente’. Sugeriu uma auditoria técnica no instituto. ‘Há cheiro de pesquisa forjada. Afinal, quem contrata é suspeito e é ou era sócio do Marcos Valério’, disse Maia, numa referência ao presidente da CNT (Confederação Nacional dos Transportes), Clésio Andrade, que é vice-governador de Aécio Neves (PSDB) e filiado ao PL. A CNT é patrocinadora da pesquisa Sensus.’
A escolha do destaque
Diante dos comentários, o instituto declarou sua disposição de processar os que o acusam de fraude. Mas a guerra dos números não parou. A solução do jornal DCI foi outra: contrapôs, em sua manchete, o resultado da pesquisa Sensus ao resultado da Toledo e Associados, em que os candidatos tucanos apareciam com mais favorecimento:
‘Resultado contrário à pesquisa CNT/Sensus foi indicado por pesquisa da Toledo e Associados, na qual os dois pré-candidatos tucanos à Presidência da República aparecem na frente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na corrida da sucessão presidencial, no primeiro e segundo turnos.’
Entretanto, não há como se comparar o resultado de uma pesquisa feita em São Paulo com outra de abrangência nacional. Simplesmente favorece a confusão na interpretação – cada (e)leitor fica com o resultado que mais lhe agrada e desacredita de seu oposto. Isto, quando não desacredita da pesquisa como um todo.
Outro fato que percorreu diversas listas na internet refere-se a outra face do problema – o maior ou menor destaque dado a um ou a outro resultado de pesquisa:
‘O Jornal Nacional sumiu com a pesquisa CNT/Sensus, nenhuma palavra, não existiu. Tem um monte de gente entrando no site da Globo e questionando. Alguns tiveram resposta de que a Globo não divulga dados da CNT/Sensus, só de DataFolha, Ibope e mais uma, mas o Jornal das 10 da Globo News deu, o que parece uma contradição.’
Institutos ‘de ocasião’
Estamos só no começo da corrida eleitoral. Num determinado ponto desta corrida, a pesquisa termina freqüentemente sendo brandida como arma pelos diversos adversários, em vez de repensar a estratégia diante do quadro do momento, que assim lhes é fornecido. É o que começamos a ver. Mas o que há por trás é o espaço livre para projeção dos motivos da dança dos números, aberto a todo tipo de especulação.
Infelizmente para os cidadãos, este espaço de especulação serve apenas para o jogo de cena dos adversários frente aos (e)leitores. Já os partidos e os candidatos têm acesso à análise dos motivos dessas mudanças, do ponto de vista dos próprios eleitores, e que lhes são fornecidos, junto com muitas e ricas informações, a partir das pesquisas qualitativas que encomendam e que, por motivos misteriosos, preferem não divulgar, deixando aberto o espaço para a especulação.
É só o começo. A isso deverá se somar, mais adiante, a utilização não-criteriosa de trechos de resultados de pesquisa como peça de propaganda, enfatizando artificialmente a subida ou a descida de tal ou qual candidato, omitindo dados técnicos relevantes para a efetiva compreensão da atualidade e abrangência da pesquisa utilizada, bem como a fonte dos dados, recorrendo-se muitas vezes a institutos ‘de ocasião’ que se multiplicam em ano eleitoral, sem terem a competência para tanto (a profissão ainda não é regulamentada e é, portanto, aberta à atuação de qualquer aventureiro), e sem que haja um órgão com poderes legais (o conselho de pesquisadores) para fiscalizá-los.
Que Hermes nos traga boas notícias, e que os deuses nos acudam!
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Psicóloga, pesquisadora do Instituto Opinião e presidente do conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Mercado