Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Batalhas cibernéticas

A história do ataque de hackers ao New York Times parece filme de ficção científica, mas lembrou o presidente dos Estados Unidos de apressar um decreto que lhe dará poderes especiais e secretos para enfrentar a guerra no mundo digital. A grande potência, desta vez, chega atrasada, pois tudo indica que foi a China quem atacou os computadores do mais importante jornal americano em represália à publicação de reportagens sobre o enriquecimento dos parentes do primeiro-ministro Wen Jiabao. A acusação é, claro, negada pelos chineses. “Estávamos de olhos abertos, sabíamos que íamos pagar um preço”, comentou, sem alterar a voz, Jill Abramson, editora-chefe do New York Times, num debate em Nova York, na sede da revista New Republic, semana passada.

O preço foi alto. No dia das eleições americanas, um momento importantíssimo para a mídia do mundo inteiro, a redação temia não conseguir botar o jornal na rua ou manter no ar a edição eletrônica. Não era paranoia: o aviso de perigo partiu de Michael Higgins, chefe da Segurança do Times, e, segundo ele, o sistema só não foi derrubado porque o alvo principal dos hackers era outro. Na realidade eles queriam descobrir a fonte de informações de David Barboza, o autor da reportagem sobre os negócios bilionários da família do primeiro-ministro Wen Jiabao, que repercutiu mundialmente.

A visão policialesca do mundo não permitiu aos chineses acreditar que o repórter (também chefe da sucursal do Times em Xangai) baseou-se em milhares de documentos de empresas, disponíveis no Ministério de Indústria e Comércio, para rastrear os bilhões angariados nas sombras do Estado pela família do primeiro-ministro.

Luta mais complexa

Ele revelou que a mãe de Wen, uma ex-professora, é dona hoje de uma seguradora de US$ 120 milhões, a filha e o cunhado são acionistas de uma empresa chinesa de diamantes, mercado em que a mulher do premier é uma trader forte. “É este o nosso caminho: grandes reportagens investigativas, descobrir a história por trás da notícia, chegar ao sujeito oculto do fato jornalístico ou à origem do dinheiro que move os personagens de um caso”, disse Jill Abramson a primeira mulher a dirigir o Times, na mesma entrevista, sem demonstrar um pingo de arrependimento.

A independência foi fustigada por quatro meses de ciberataques, desvendados numa detalhada reportagem do Herald Tribune, a edição internacional do Times. Segundo Jill, as autoridades chinesas pediram que a reportagem não fosse publicada – “não achavam apropriado” – mas não fizeram ameaças. Por via das dúvidas, o Times contratou empresa especializada em segurança, que reconheceu nos métodos usados pelos hackers os mesmos hábitos dos militares chineses no passado – para ocultar a identidade digital, infiltraram-se primeiro em computadores de universidades americanas. Os espiões começaram a agir na época em que a reportagem sobre a China estava sendo finalizada: conseguiram instalar softwares piratas que lhes davam acesso a qualquer computador da rede do Times. Roubaram a senha dos jornalistas, navegaram à vontade pelos computadores, mas não chegaram a ter informações sensíveis dos repórteres, até porque só estavam interessados no “caso Wen”. Tinham uma rotina de trabalho como de qualquer burocrata: começavam às 8h da manhã – hora de Pequim – e encerravam o expediente no fim do dia, embora às vezes fizessem horas extras.

Há uns dois anos, a China vem hackeando computadores de agências governamentais, universidades e militantes de direitos humanos nos Estados Unidos, aparentemente com o objetivo de controlar a informação sobre o país no exterior – operação destinada ao fracasso no nosso mundo de fronteiras digitais abertas. No fim de semana passado, explodiram denúncias de ataques de chineses em outros dois jornais – o Washington Post e o Wall Street Journal – levando o governo a se movimentar para fechar a primeira regulamentação sobre a guerra digital. Parece que o difícil é acertar a dose nas retaliações: especialistas dizem que há métodos muito mais agressivos do que os usados até agora. Sabe-se que Obama só autorizou uma vez esse tipo de operações, levada à prática pela Agência Nacional de Segurança contra a usina de enriquecimento de urânio no Irã. Para desespero de pacifistas e militantes de direitos humanos, na nova regulamentação Obama terá poderes para lançar ciberataques em países estrangeiros sem nenhuma supervisão da Justiça ou do Congresso, exatamente como autoriza operações dos drones – os aviões não tripulados – para matar supostos terroristas. A luta pela paz está cada vez mais complexa.

Enquanto isso na Alemanha…

O Brasil foi o primeiro país latino-americano a participar da Conferência de Segurança de Munique, realizada fim de semana passado. Anualmente, os países da Otan se reúnem na cidade para discutir a guerra e paz no mundo, num clube fechado, ainda no estilo da Guerra Fria. O convite para o ministro Patriota falar na conferência foi visto pelo Itamaraty como simbólico, um pouco como o momento em que o G-8 – onde os ricos falavam entre eles de economia – virou G-20, incorporando emergentes.

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[Helena Celestino, de O Globo]