A minha experiência profissional como jornalista e professor universitário levou, obrigatoriamente, a me tornar um especialista em crise do ensino superior. Seja por acompanhar o noticiário sobre educação, ler e estudar projetos e propostas de governos e entidades de classe, seja por vivenciar situações de crise em algumas instituições, o fato é que não conheço, em meus 34 anos como jornalista e 24 anos como professor, nenhum momento que não tenha sido de crise – isoladamente ou no sistema como um todo.
A primeira e maior crise que temos no Brasil, desde os anos 1950, é que o número de vagas disponíveis nas universidades públicas é sempre menor do que o de candidatos a um curso de nível de superior. O Brasil não conseguiu, em mais de 40 anos, oferecer ensino público e gratuito para todos os que querem estudar. O último censo do MEC, de 2004, estima uma média de 10 candidatos por vaga nos vestibulares, anualmente. O investimento em educação ainda gira em torno de 4% a 4,5% do PIB, o que é visivelmente baixo para um país que precisa democratizar o ensino superior. Nenhum governo federal, até o presente momento, enfrentou para valer o problema da falta de vagas na universidade pública.
A segunda grande crise está na monstruosa expansão do ensino privado de baixa qualidade, em escolas mais preocupadas com a ostentação de seus prédios do que com o conteúdo da formação; mais preocupadas com os rituais de formalidade do que com o estímulo ao saber, ao conhecimento científico e à pesquisa. O crescimento da escola privada atendeu ao interesse da ditadura militar (1964-1985) e aos interesses do neoliberalismo (1990-2006), especialmente para sangrar as populações de menor renda e supostamente fornecer mão de obra para os mercados.
Atrasos e demissões
As grandes redes de escolas privadas se transformaram em redes de caça-níqueis e de supermercados do ensino, com filiais espalhadas pelo Brasil, com turmas lotadas, com ensino tecnocrático e com controle ideológico e cultural dos professores e dos estudantes. No último vestibular, as redes privadas conquistaram 73% de todas as matrículas no ensino superior.
Algumas dessas escolas-arapuca têm hoje mais de 100 mil alunos, massificam os diplomas, não têm compromisso com os jovens estudantes e nem com um projeto nacional de desenvolvimento. Apenas reproduzem o que há de mais elementar e mais adequado à sociedade de consumo. Agora, inclusive, algumas dessas escolas de estelionato estão se associando com o capital estrangeiro e entregando a tarefa de educar brasileiros a empresas norte-americanas. Com a conivência do governo Lula-PT.
A terceira grande crise da educação está nas escolas confessionais e comunitárias, sem fins lucrativos, que procuram sobreviver entre o atrativo da escola pública e gratuita e a concorrência predatória da escola privada com fins lucrativos; que tenta ser comunitária, com mais participação da sociedade e com mais democracia interna, mas sofre as dificuldades gerenciais de uma sociedade dominada pelas práticas mercantis; que não conta com a ajuda do Estado e nem de setores sociais que poderiam lhes dar sustentação. É nesta crise que se encontra a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que vai completar 60 anos de existência e ganha espaço na mídia por atrasar salários e demitir funcionários e professores.
Ação transformador
A crise da PUC-SP tem fatores externos, como a concorrência de outras escolas com mensalidades 50% mais baixas e a falta de apoio governamental, além de viver há mais de 15 anos sob a extorsão dos bancos, que cobram juros altíssimos; e tem fatores internos, como a falta de austeridade nos momentos de melhor desempenho econômico; os planos de carreiras usados para autobenefício de uma casta acadêmica; a má gestão dos próprios professores e a falta de enfrentamento direto dos problemas nos momentos certos.
A crise financeira da PUC-SP só pode ser resolvida com o estabelecimento do equilíbrio orçamentário, o pagamento da dívida, seja com recursos próprios ou com alguma ajuda externa. O mais provável e realista é que seja pelos próprios recursos, com o sacrifício dos seus trabalhadores.
O que diferencia a PUC-SP das demais universidades brasileiras, além de uma saudável composição de alunos, professores e funcionários, e de um acúmulo de conhecimento de bom nível, são os valores aplicados no cotidiano da vida acadêmica e universitária, como a liberdade total de expressão e de cátedra (coisa rara na maioria das instituições privadas de ensino superior), a participação dos segmentos na gestão universitária, a eleição democrática de todos os cargos deliberativos e executivos, administrativos e acadêmicos. Além disso, a universidade tem um histórico inquestionável de engajamento nas lutas mais justas da sociedade e de envolvimento direto com os movimentos sociais.
Não há ação transformadora no país que não tenha a participação de alguém da PUC-SP. O modelo PUC-SP é único no Brasil, por isso mesmo precioso demais para ser derrubado com uma crise financeira. O fator interno é possível de ser resolvido, mas o externo depende de um novo modelo – público, gratuito e democrático – para a universidade brasileira.
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Jornalista e professor do Curso de Jornalismo da PUC-SP