O Financial Times comemorou, na quarta-feira (13/2), 125 anos de existência. Nascido da necessidade de se criar um “amigo do financista honesto e do corretor respeitável” – seu lema em 1888 –, em um tempo em que os mercados cresciam e se globalizavam rapidamente, o jornal teve sua sede, em Londres, iluminada de cor de rosa esta semana – em uma homenagem ao tradicional rosa salmão de suas páginas.
Em geral, aniversários são datas complicadas para os jornais, principalmente na última década, com o constante declínio de público e anunciantes e a perda de espaço para a mídia digital. Mas a história recente do FT é, de certa forma, melhor do que a de outras publicações com muitos anos nas costas. O jornal financeiro descobriu como lucrar com as novas plataformas sem desviar de sua missão original.
Transição digital
O FT foi um dos primeiros jornais a cobrar dos leitores pelo acesso à internet, em 2002. Cinco anos depois, reformulou seu modelo digital, oferecendo aos internautas acesso gratuito a um determinado número de artigos antes da cobrança pelo conteúdo. Desde então, a audiência digital paga triplicou, e este mesmo modelo passou a ser adotado por outros jornais, entre eles o New York Times.
A circulação impressa do FT, como ocorre no resto da indústria, está em queda – apenas no ano passado, despencou 15%. Diante desse cenário, o jornal vem acelerando sua transição do papel para as telas do computador, dos tablets e dos smartphones. Em janeiro, o editor-chefe Lionel Barber enviou mensagem para a redação detalhando um plano para garantir prioridade nas operações digitais.
No ano passado, o número de assinantes digitais – hoje mais de 300 mil – ultrapassou o da circulação impressa. Espera-se que, em 2013, as assinaturas impressa e digital e as vendas combinadas ultrapassem a receita publicitária. Os aparelhos móveis representam, hoje, 15% das novas assinaturas e são responsáveis por um quarto do tráfego digital do FT.
Mudanças à frente
Sob a nova estratégia de Barber, as operações impressas serão modernizadas e a hierarquia editorial será simplificada, eliminando o formato em que os repórteres respondem a diversos editores. Os deadlines serão mais rígidos, e dezenas de cargos serão cortados – dez postos, no entanto, serão criados para alimentar as operações digitais.
As edições regionais – para o Reino Unido, Europa Continental, EUA, Ásia, Índia e Oriente Médio – serão mantidas. E novos produtos continuam a ser desenvolvidos, como um aplicativo móvel para acompanhar a edição impressa de fim de semana. No ano passado, o FT começou a publicar e-books sobre temas específicos, compilando artigos do jornal e recheando-os com material dos blocos de anotações dos jornalistas – o primeiro analisava a possibilidade da saída da Grécia da zona do euro. O jornal também tem investido nos clientes corporativos. Do seu total de assinantes – cerca de 600 mil, juntando impresso e digital –, mais de 163 mil são usuários em 2.700 empresas que compram licenças para o conteúdo digital.
Para os analistas, o forte crescimento nas assinaturas digitais ofusca o fato de que a publicidade online não deu tão certo, e isso explica por que o FT, apesar da circulação em queda, não eliminou de vez suas edições impressas. A edição de fim de semana, principalmente, é bastante procurada por anunciantes de produtos de luxo.
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O mundo em foco em páginas cor de rosa
Para celebrar o aniversário, Lionel Barber escreveu o artigo “FT aos 125: o mundo em foco”, publicado na edição de quarta-feira (13). Nele, o editor-chefe fala sobre a trajetória do jornal, seus desafios e conquistas. A seguir, trechos do artigo:
O nascimento do Financial Times
“Perto do fim do século 19, a cidade de Londres estava próxima ao auge de seu poder. Era, como um comentarista observou, a melhor loja, o mercado mais livre de mercadorias, ouro e ações, o maior distribuidor de capital e crédito.
“Ainda assim, faltava algo. Com toda sua estrutura imperial, faltavam à cidade fontes de informação confiáveis. Este era o contexto para o lançamento, em 1884, do Financial News e, quatro anos depois, do Financial Times, os dois jornais que posteriormente se fundiriam para formar o coração e a alma do FT moderno.”
A atuação internacional
“Se não um tesouro nacional, o FT se tornou um sucesso de exportação. Executivos editoriais e comerciais do alto escalão compreenderam, antes do que muitos rivais britânicos, que nosso negócio tinha que ser ampliado para além de seu mercado doméstico para sobreviver e prosperar.
“A decisão de lançar uma edição impressa em Frankfurt em 1979 foi visionária – mas foi guiada principalmente pela necessidade de fugir dos sindicatos que tomavam a Rua Fleet. Do começo modesto na margem do rio Meno seguiram duas dúzias de gráficas internacionais. A circulação internacional rapidamente ultrapassou a da edição britânica. Nossos horizontes se expandiram, reforçando nossos melhores instintos e seguindo o legado do mais distinto editor do FT, sir Gordon Newton (1949-73). Newton definiu a missão do FT: atingir aqueles que fazem ou procuram influenciar decisões nos negócios, finanças ou questões governamentais em todo o mundo.
“Foi Newton, junto com um brilhante jovem editor internacional, J.D.F. Jones, que construiu a rede de correspondentes estrangeiros que hoje é o principal bem do FT. Foi ele que pavimentou o caminho para uma organização com uma perspectiva internacional única e capaz de atrair talentos de todo o mundo.”
Conquistando a internet
“[Peter] Martin, que atuou como subeditor no FT.com, entendeu melhor do que qualquer outro o poder dos mecanismos de busca e como eles poderiam transformar a experiência online dos leitores. Em um artigo de dezembro de 2000, republicado após sua morte dois anos depois, vítima de um câncer aos 54 anos, Martin refletia sobre as lições da bolha da internet e a indústria da notícia.
“Os negócios de internet eram ou tecnicamente falhos ou estavam financeiramente condenados. Suas conclusões foram previdentes – e são relevantes até hoje: ‘Uma tecnologia estável, modelos de negócios mais maduros, interpenetração dos mundos ‘real’ e virtual, a chegada de conexões de banda larga, e a criação dos aparelhos portáteis permanentemente conectados significam que há tanta inovação interessante à frente quanto havia no passado. Apenas não haverá um furor do mercado de capitais para acelerar o processo’.
“Tanto Martin quanto sir Richard [Lambert, editor de 1991 a 2001] concordavam que o FT.com tinha que compartilhar dos mesmos valores editoriais e discernimentos do jornal impresso. Os especialistas em internet que se mudaram para a sede do FT por vezes discordaram. Sir Richard se lembrava de falar com um novo funcionário que opinou que se o FT deixasse de ser tão chato todos poderiam faturar.
“Com a bolha da internet inflada a ponto de estourar, foi decidido em 1999-2000 integrar as operações editoriais impressa e online. Esperava-se que os repórteres trabalhassem para ambas as mídias – um passo controverso que hoje é uma prática amplamente aceita em redações de todo o mundo.
“A decisão mais importante, no entanto, foi cobrar por conteúdo. Olivier Fleurot, um executivo francês contratado para dirigir o setor comercial, construiu as bases para o modelo de assinaturas que existe hoje. Mas o grande salto veio em 2006-7, quando a atual administração liderada por John Ridding introduziu o modelo de medição de cobrança com aplicativos para a web e aparelhos móveis.
“Os usuários recebiam um número limitado de matérias gratuitas, e então era solicitado que registrassem seus dados e, mais tarde, fizessem uma assinatura. Em 2012, o número de assinantes digitais (316 mil) ultrapassou a circulação do jornal (300 mil) pela primeira vez. O número total de usuários registrados chegou a cinco milhões.”
De 1888 a 2013
“Hoje o FT celebra seu 125º aniversário. Ele continua a ser publicado em sua marca registrada cor de rosa (um plano de marketing bolado em 1893), mas suas notícias e pontos de vista são hoje distribuídos para um público global em tempo real e múltiplas plataformas: o smartphone, o tablet e o computador. A revolução digital fundamentalmente mudou a distribuição e organização de conteúdo, mas os valores editoriais do FT – sua perspectiva liberal internacional, a ausência de filiação a partidos e o forte compromisso com informações e opiniões de qualidade – continuam os mesmos. De fato, na era da internet, onde a informação é abundante, o estilo jornalístico conciso do FT, sua autoridade e sua independência editorial são bens inestimáveis.”
Cronologia do FT
1884 Harry Marks funda o Financial News
1888 O Financial Times é lançado com o lema “o amigo do financista honesto e do corretor respeitável”
1928 Brendan Bracken torna-se presidente do Financial News
1935 O FT introduz o índice FT30, com o preço das ações das 30 principais empresas do Reino Unido
1945 Brendan Bracken compra o FT e o funde com o Financial News, mas mantém a página cor de rosa e o nome Financial Times. Hargreaves Parkinson se torna o primeiro editor-chefe após a fusão. Tem início a coluna Lex.
1949 Gordon Newton se torna editor-chefe
1953 O jornal expande seu escopo para cobrir indústria, comércio e governo
1957 A Pearson compra o FT
1958 Sheila Black se torna a primeira jornalista mulher do FT
1959 O FT se muda para o prédio conhecido como Bracken House
1967 Sheila Black introduz a primeira versão da página “How to Spend It” (Como Gastar), que futuramente se tornaria uma revista
1972 Gordon Newton se aposenta, e é substituído por Fredy Fisher
1979 A edição europeia começa a ser impressa em Frankfurt
1980 Geoffrey Owen se torna editor-chefe
1985 É lançado o Weekend FT, edição de fim de semana do jornal
1986 A circulação ultrapassa a marca dos 250 mil exemplares, com a campanha “No FT, No Comment” (Sem FT, sem comentários).
1989 A sede do FT se muda para Southwark Bridge Número 1
1991 Richard Lambert se torna editor-chefe
1994 É publicada a primeira edição da revista How To Spend It
1995 É lançado o site FT.com
1997 Lançada a edição americana
1998 A circulação internacional ultrapassa as vendas no Reino Unido
2001 O FT chega a 500 mil exemplares diários; Andrew Gowers se torna editor-chefe
2002 O FT.com introduz seu sistema de assinatura online
2003 Lançamento da edição asiática
2005 Lionel Barber é nomeado editor-chefe
2006 John Ridding é nomeado executivo-chefe
2007 Lançamento do modelo de pagamento com base em número de artigos
2011 O FT é o primeiro veículo de notícias a lançar um aplicativo em HTML5 para iPad e iPhone
2012 As assinaturas do FT.com ultrapassam o número de assinantes do jornal impresso