Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Cobiça e preguiça vendem jornal

Na Inglaterra é assim: o DVD do filme cult Donnie Darko pode ser comprado por meia libra (R$ 1,85) na internet. Mas no próximo fim de semana entre 200 mil e 300 mil pessoas terão pago por ele 1,80 libra – ou melhor, pelo jornalão de domingo que o oferecerá a título de brinde ‘grátis’.

O que será que explica essa ‘perversão da economia de mercado’, como escreveu o colunista Mark Lawson no Guardian de sexta-feira (17/2)?

Para a mídia, a barganha tem sentido. Jornais como o próprio Guardian, o Independent, o Times e o Sun (estes últimos do império Murdoch) deram nos últimos tempos uns 20 DVDs do gênero.

Fazem isso só uma vez por semana. O ganho brutal de circulação nesse dia eleva a média mensal, que serve de base para estabelecer a posição de cada jornal no ranking de vendagem – ‘o equivalente’, escreve Lawson, ‘à pressão arterial como indicador de saúde’.

Mas para o homo economicus supostamente racional deveria ser absurdo pagar nas bancas por um DVD mais que o triplo do que pode pagar nas lojas online.

Só que esse tal do homo economicus é uma invenção dos pensadores liberais, que não levavam em conta motivações como cobiça e preguiça. Cobiça: é grátis! Preguiça: da banca da esquina eu já saio com o DVD na mão, num saquinho de celofane grampeado ao jornal.

Curso semanal

A maioria desses ‘leitores’, pesquisas informam, desgrampeia o saquinho e joga fora o jornal, o que parece ser duplamente insano.

E tem mais: também segundo pesquisas, muitos ‘leitores’ nem vêem o filme que levaram para casa. O negócio desses consumidores infantilizados pela publicidade é só ganhar um ‘presente’.

Um tradicional efeito indireto do jornalismo impresso, escreve Lawson, era aumentar o nível de alfabetização do público. Agora, ironiza, é como se o objetivo fosse formar uma legião de cinéfilos, oferecendo a milhões de pessoas um curso semanal de sétima arte – supondo que elas estivessem interessadas nisso.

A imprensa britânica e os seus leitores já conheceram dias melhores.