Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reforma da desilusão

É arriscado assumir uma posição frente à reforma universitária prometida pelo governo do PT porque ninguém sabe exatamente no que constitui tal reforma. Desejada por todos, a reforma da universidade não apareceu no Plano de Governo nem no Plano Plurianual. Parecia não ter a menor relevância. O ex-ministro Cristovam Buarque procurou trazer a reforma para a agenda política. Foram realizados inúmeros seminários e reuniões, ouvidas centenas de especialistas. Produziu-se um grande volume de material, mas nenhum deles, ao que parece, resume as intenções da reforma da universidade. Há um grupo executivo junto ao MEC, mas sem representantes da sociedade civil nem da comunidade universitária, e até agora não disse a que veio. Nas últimas semanas o ministro Tarso Genro tem feito algumas declarações evasivas, passando a impressão de que não é da área. Algumas de suas declarações públicas contradizem o que está sendo encaminhado internamente.

Durante os dois períodos Fernando Henrique Cardoso o governo desenvolveu uma estratégia capitaneada pelo ex-ministro Paulo Renato cuidadosamente direcionada para sucatear as universidades públicas e encher a bola das particulares. O número de escolas e de vagas nas particulares triplicou, e o ensino universitário passou a ser um negócio rentável, mas de qualidade discutível. As universidades federais, que apesar de tudo continuam sendo as melhores do país sob todos os critérios, foram sistematicamente esvaziadas. Esta atitude revelou uma lamentável estratégia de fortalecimento do ensino privado em detrimento das universidades públicas, que sofrem sistemático desgaste na mídia, alimentado por interesses privados.

Atitude mercantilista

Pressionadas, as universidades federais trataram de mostrar serviço: criaram cursos noturnos, aumentaram significativamente o número de vagas (sem contratar novos professores) e estão instalando o regime de cotas, como é desejo do presidente Lula. Durante este processo, os órgãos colegiados foram esvaziados, perderam seu poder de decisão. Em contrapartida, cresceram em importância e poder as agências capitalizadoras de recursos externos. Na Universidade de Brasília, por exemplo, os órgãos politicamente importantes hoje são as agências prestadoras de serviços (Cespe, Fubra, Finatec etc.): elas oferecem cursos de pós-graduação, financiam eventos, patrocinam viagens dos docentes, pagam a edição de livros. Mas os critérios são delas, não dos órgãos colegiados que deveriam dar a palavra final.

O governo do PT não demonstra nenhuma intenção de alterar essa direção. A lacônica e infeliz frase do ministro José Dirceu afirmando que ‘o pau vai comer’ sobre a reforma universitária provocou um grande mal-estar no corpo docente. Deixou a impressão de que as federais são improdutivas e que sua intenção era ‘arrebentar’ ainda mais. Juntando os fragmentos de informação que vazam daqui e dali, a conclusão é que a reforma universitária pretendida pelo PT terá como ponto de partida a mesma orientação da era FHC: rígida contenção de despesas (como se educação fosse gasto, não investimento) e adaptação das universidades para a captação de recursos externos.

Todos queremos mudar a universidade. Mas, se for para isso, não é preciso fazer nenhuma reforma: quem conhece hoje o ambiente universitário sabe que todas as faculdades se estruturaram para captar recursos externos. Essa mentalidade já está implantada e o discutível processo de parceria, em pleno andamento. As universidades públicas se transformaram em meras prestadoras de serviço. Impossibilitadas de contratar novos docentes, com os salários aviltados, o financiamento da pesquisa dependente de agencias insensíveis, o ambiente das universidades federais hoje é de ‘salve-se quem puder’. Infelizmente, parece que a reforma que o PT quer consolida e instiga ainda mais essa atitude mercantilista: o ensino e a pesquisa não geram recursos imediatos.

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Jornalista e professor da Universidade de Brasília