O Vaticano quer se renovar e fazer sua mensagem chegar ao mundo. Mas poucas vezes o embate entre o mundo moderno e a tradição de séculos foi tão clara como nesta semana.
O papa Bento XVI anunciou sua renúncia em uma língua morta, o latim. Apenas uma jornalista presente havia estudado o idioma e entendeu na hora a mensagem. Mas, ao traduzi-la, mergulhou de volta no mundo moderno: enviou uma notícia urgente que, em minutos, estava em sites de todo o mundo, enquanto alguns dos cardeais mais modernos a receberam em seus smartphones. Em poucas horas, a Praça São Pedro havia se transformado no maior set de tevê do mundo, com o desembarque de centenas de jornalistas.
“No momento em que entendi o que o papa dizia, pensei logo sobre o tamanho da notícia”, contou ao Estado Giovanna Chirri, da agência italiana Ansa, a primeira a dar a notícia. “Era uma reunião ordinária e só quatro jornalistas apareceram para cobrir. Assim que entendi o que ocorria, corri. Fiquei tensa.”
Depois de escrever, Giovanna não conteve as lágrimas. “Fiquei triste pelo papa”, conta. Levaria mais três dias para Bento XVI aparecer em público e explicar ao mundo, em seis línguas, sua decisão de renunciar.
Vaticano fatura
Apesar de ser a multinacional mais antiga do mundo, com sucursais em todos os países e envolver 1,2 bilhão de pessoas, as coletivas de imprensa mais parecem as de um grupo provinciano. O porta-voz tem problemas para entender e falar inglês e, no ritmo da Igreja, uma pergunta feita precisa aguardar até o dia seguinte para ter uma resposta.
O Vaticano bem que tentou entrar para o mundo da mídia social. O papa abriu uma conta no Twitter, que hoje conta com 1,5 milhão de seguidores (a versão em inglês). Mas revelou que escreve suas frases num pedaço de papel que, depois, é digitada por algum ajudante. Até hoje, apenas tuitou 34 vezes.
Dos 117 cardeais, apenas 9 estão nas redes sociais. Um deles é o cardeal de São Paulo, d. Odilo Scherer, com 17 mil seguidores.
Fora da apertada sala de imprensa, a Praça de São Pedro é disputada pelas televisões de todo o mundo, que deixam seus caminhões em locais nobres durante a noite para garantir o melhor ângulo. De dia, são as antenas parabólicas de transmissão que concorrem com as imagens de santos nos edifícios.
Os apartamentos nos edifícios mais altos são disputados pelas redes, que desejam transmitir a fumaça branca que indicará a eleição do novo papa de uma vista privilegiada. “Vou morar com meus pais em março e já aluguei apartamento por 8 mil euros”, comemorava a engenheira Cristina Rossi. “São três meses de salário.”
Não é só a imagem do Vaticano que ganha com o noticiário. Cada jornalista é obrigado a dar uma “contribuição” de 5 euros para ter sua credencial, algo impensável em qualquer governo. Se o Conclave deste ano repetir as cifras de 2005, o Vaticano faturará 30 mil euros.
Na Itália, quem não está gostando da atenção dada ao Vaticano é Silvio Berlusconi, candidato nas eleições italianas que ocorrem em duas semanas. Dono do maior império de mídia do país, vinha ganhando terreno graças à sua exposição. Berlusconi chegou a pedir a mudança do horário do Festival da Canção de Sanremo. Mas não há como exigir uma mudança de calendário do Vaticano.
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[Jamil Chade, do Estado de S.Paulo]