Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A irresponsabilidade de todos

O jornalista Cláudio Abramo costumava dizer que a ignorância é o bem mais distribuído do mundo. Sem dúvida. Mas há outra peculiaridade que, nestes tempos de explosão dos meios de comunicação eletrônicos, rivaliza com a ignorância em termos de disseminação, a um tempo alimentando-se dela e combinando-se com ela nas conseqüências – a irresponsabilidade.

A multiplicação dos blogs tem dado origem a toda uma discussão a respeito da possibilidade de esses – não sei a palavra… veículos? instrumentos? meios? – virem a substituir a imprensa organizada. Entre os muitos milhões de blogs existentes na internet, uma pequena parcela tem intenções informativas ou de disseminação de opinião. Estes são mantidos por uma grande variedade de pessoas e instituições, e são movidos por interesses os mais diversos.

Diferentemente do que sustenta uma parcela dos observadores da imprensa, acredito haver na identificação desses interesses um critério objetivo de classificação que permite com boa dose de precisão – não absoluta, decerto, mas ainda assim razoável – separar quem é quem. Não é todo mundo igual. A informação/opinião veiculada por esses blogs não é indiscernível. A própria informação, a seleção dos temas, o grau de isenção e precisão com é prestada, a responsabilidade com que a tarefa é conduzida carregam em si a identificação do que representam. Isso pode não ser visível à maior parte dos visitantes desses blogs, mas para quem se ocupa de analisar a ‘mídia’, como se diz, é obrigação.

Respeito à lógica

Não é admissível que alguém que se dedique a analisar os meios de comunicação declare impotência quanto à discriminação tipológica dos blogs e afirme incapacidade de emitir apreciações quanto à informação que eles veiculam e os interesses a que servem.

É possível, sim, afirmar-se que os blogs de Alon Feurwerker, Josias de Souza, Jorge Moreno, Juca Kfouri, Ricardo Noblat, Fernando Rodrigues, por exemplo (sem nenhuma intenção de discriminar ninguém, esses me vêm à mente neste instante, ficando aqui desculpas por omissões que formam legião), é possível afirmar-se que sejam nitidamente jornalísticos. Seus responsáveis apuram notícias. Se uns fazem isso melhor do que outros, é outra questão que não vem ao caso no presente escopo. O que fica é que se apresentam ao público como praticantes de uma atividade que ao menos se pretende regrada pelos princípios elementares de objetividade.

Há outro tipo de blog que se dedica a causas específicas, sem pretensão jornalística nem obrigação de seguir os ditames do ofício (‘ouvir o outro lado’, ‘acompanhar uma pauta’ etc.). É o caso, por exemplo, do blogue mantido por este que escreve (dedicado ao combate à corrupção), ou do blog mantido pelo Banco Mundial (feito para promover a privatização de serviços públicos no Terceiro Mundo). O fato de esses blogs não serem jornalísticos não exime seus mantenedores da responsabilidade de manter isenção, de não publicar informação deliberadamente falsa, de argumentar com um minimo de respeito à lógica e aos fatos conhecidos etc. etc.

Regras formais

Há, porém, uma quantidade grande de blogs feitos para ser parciais. São tipicamente os mantidos por partidos e seus simpatizantes e por lobbies, usualmente disfarçados. A informação veiculada por esses não pode, sensatamente, ser classificada na mesma categoria dos blogs jornalísticos ou de opinião. Da mesma forma que não passaria pela cabeça de ninguém considerar que o boletim Em Questão (distribuído pela Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral da Presidência da República) ou o jornalzinho da Esso sejam órgãos informativos, não deve ser difícil concluir que os sítios de internet e os blogs desses mesmíssimos entes não são órgãos informativos e em relação aos quais se deve alimentar desconfiança.

Alguns desses blogs mantêm-se para aquém da linha divisória da irresponsabilidade mais lascada, não publicando informação deliberadamente falsa. Não é o caso de todos, porém, que se movem em território situado muito além dessa linha.

Por que esses blogs irresponsáveis conseguem sobreviver? Aqui entra em cena outra irresponsabilidade, a das pessoas e entes que são vítimas de calúnias. Por que elas não tomam medidas em sua própria defesa? Tais medidas começariam pela providência de enviar pedidos de retificação, arrazoados, artigos, reclamações aos responsáveis pela informação considerada falsa ou caluniosa. No limite mais extremo, defender-se implicaria entrar na Justiça.

Como nem as defesas elementares nem as mais agudas acontecem, isso estimula uma escalada de irresponsabilidade.

O mesmo vale para os comentários que são apostos às notas publicadas nos blogs. Apesar de as regras formais seja dos provedores que mantêm esses blogs, seja dos responsáveis diretos, proibirem uma série de tipos de manifestações, isso aparentemente não é aplicado. Entre-se na área de comentários dos blogs mais visitados (uma lista está acima) e veja-se a quantidade de barbaridades que sai publicada ali, sem que haja reação, seja dos responsáveis, seja das pessoas xingadas, vilipendiadas e agredidas da maneira mais boçal.

A irresponsabilidade é, portanto, coletiva.

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Jornalista, diretor-executivo da Transparência Brasil e responsável pelo blog A coisa aqui tá preta