Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De carona na polêmica

Em meio ao furor dos mulçumanos em relação à parte ocidental do mundo, pela
generalização dos fatos e a insistência da mídia em equivaler, nas entrelinhas,
o islamismo ao terror, a imprensa crítica se atém na análise das charges que
ofendem o profeta Maomé.


Como jornalista recém-graduado sei bem o caminho que tenho que percorrer até
comentar e emitir juízos de valor. Mas acompanho esse debate entre Ocidente e
Oriente há alguns anos, debate que se intensificou na faculdade e que deixou de
ser tão obscuro após uma conversa com uma jornalista palestina, que reside e
trabalha aqui, no Brasil. Ela era criança quando veio para cá. Mas na lembrança
carrega uma verdade que a mídia não mostra. A verdade de quem viveu na região
onde resiste um dos mais duradouros conflitos político-religiosos do mundo.


Pude pelo menos descobrir algo que na verdade é óbvio: nem todo mulçumano é
radical. Mesmo existindo os que servem como base para a generalização apressada.
O acontecimento traz a tona os assuntos-clichê na análise do jornalismo. Clichê
pela constância, embora necessários. Trata-se de ética, liberdade de expressão,
os limites a que um veículo noticioso pode chegar. Ao mesmo tempo em que se
aceita a defesa da liberdade de expressão pela imprensa, pode-se pensar que,
queiramos ou não, em nossa civilização existe lugar para tudo, inclusive o
sagrado. E, como sabemos, com o sagrado não se brinca.


A charge sempre me encantou. Um jeito engraçado de falar algo sério. Uma
crítica que nos faz rir. Organizei um ciclo de palestras sobre ‘Jornalismo com
humor’ na graduação. Entre os palestrantes estava Ique, que em sua palestra e
oficina ensinou muito aos participantes sobre essa área. Nessa mesma época me
atrevi a analisar as charges do Jornal Nacional, para uma atividade de
comunicação comparada.


Interpretações diferentes


Se a charge é uma expressão artística deve então ser tratada como tal. Não há
censura à arte. Mas essa arte não é vista por intelectuais entre as paredes de
galerias e museus. É vista pela população em geral. Retrata as situações atuais
do mundo. Sem a charge o jornal ficaria chato. Sem liberdade os chargistas não
fariam seu trabalho direito. Não haveria inspiração. Se Maomé foi ilustrado com
uma bomba no turbante é porque alguns de seus seguidores contribuíram para que
essa imagem fosse criada. Por outro lado, quais são as razões que levam à ação
extrema de se negar ao Ocidente direito às expressão e declarar terror aos
países europeus e, sobretudo, aos Estados Unidos?


Lendo o jornal de circulação regional de meu estado (Mato Grosso do Sul),
deparo-me com uma charge do presidente Lula com a língua de fora, como uma
criança que acena provocativamente a outra, no caso, o prefeito de São Paulo,
José Serra. Abaixo do desenho uma matéria: ‘Lula abre 10 pontos sobre José
Serra’.






Perfeita interpretação. Também não há críticas quanto ao profissionalismo do
chargista em questão. Mas aí está mais um desenho que, por interpretações
diferentes, poderia causar problemas ao profissional. Uma imagem para muito
obscena aparece no conjunto charge. Seria apenas o símbolo da porcentagem?

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Jornalista