Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A regra do jogo

O final de Lado a Lado, dentro de duas semanas, é um bom pretexto para lembrar os critérios que orientam -e limitam- a avaliação da qualidade da ficção exibida na TV. Novela boa é novela que conquista o público -eis o axioma inquestionável que faz o mundo da televisão girar.

A trama das 18h está chegando ao fim sem conseguir alcançar a meta de audiência estabelecida pela Globo. Com média em torno de 18 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande SP), o seu resultado é muito inferior ao das últimas sete produções do horário, que tiveram médias entre 21 e 25 pontos.

“Fracasso” inquestionável por esse ponto de vista, Lado a Lado foi, na minha opinião, uma das melhores produções de época exibidas pela Globo em muito tempo. A trama, de autoria de Claudia Lage e João Ximenes Braga, teve como cenário a capital da República, o Rio, entre 1904 e 1910.

Diversos episódios históricos marcantes foram recriados, a começar pela famosa reforma urbana, o bota-abaixo, que deu nova aparência ao centro da cidade e teve como consequência a expulsão dos moradores de cortiços para incipientes favelas.

Filho de escravos e capoeirista, o personagem Zé Maria (Lázaro Ramos) foi uma espécie de Zelig de Lado a Lado. Participou do esforço de esclarecimento junto aos protagonistas da Revolta da Vacina (1904), lutou ao lado do marinheiro João Cândido na Revolta da Chibata (1910) e ajudou a descriminalizar a capoeira.

Zé Maria também foi testemunha do episódio em que um negro, seu amigo, aceitou passar pó-de-arroz para jogar futebol num clube da elite carioca. Ajudou a livrar da cadeia uma mulher, negra, presa por praticar o candomblé. E viu de perto a luta de outra mulher negra, Isabel (Camila Pitanga), para ser aceita como artista e mãe solteira.

Acima da média

Em nome do melodrama, Lado a Lado explorou, não sem se repetir, o tema dos limites impostos às mulheres no início do século 20. Laura (Marjorie Estiano) enfrentou o tabu do divórcio e a má fama de morar fora de casa e trabalhar. Além de Isabel, outras três (!) personagens tiveram filhos fora do casamento.

Em diferentes momentos, os autores comprometeram o ritmo da ação para explicar o pano de fundo histórico. Houve excesso de didatismo e exagero na “pregação” libertária dos personagens. Muita gente reclamou da suavidade da novela, da sua ação às vezes a conta-gotas, sem a velocidade que se espera de uma trama hoje.

Na visão de um dos autores, a novela sofreu por conta de “inimigos externos”. Mudanças de horário por causa da propaganda eleitoral e, depois, do horário de verão, podem ter afastado o público.

A onda de violência em São Paulo no final do ano elevou a audiência de programas policiais exibidos no mesmo horário. “Já vi até gente dizendo que o problema é que a novela é boa demais”, disse João Ximenes Braga.

Lado a Lado foi um “fracasso”? Talvez. Mas acho preocupante que se atribua o mau resultado às qualidades da novela. O ibope frustrante de um produto com qualidade acima da média, infelizmente, sempre reforça a posição daqueles que defendem o nivelamento por baixo.

***

[Mauricio Stycer é colunista da Folha de S.Paulo]