Em recente reunião para apresentar aos clubes as questões estruturais do Campeonato Brasileiro da Série B, o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, informava com satisfação o aumento em 70% do valor pago aos clubes pela Rede Globo de Televisão referente à cessão dos direitos de transmissão do torneio. Muito? Quando se passa aos números, percebe-se que não é tanto assim, especialmente se forem realizadas comparações.
Em 2012, a maioria dos clubes recebeu para disputar a Série B R$ 1,8 milhão e, de acordo com o informado na reunião – que teve a presença do diretor da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto – o valor a ser pago pelos oito meses do campeonato de 2013 será de R$ 2,7 milhões. O Palmeiras, rebaixado ano passado, receberá 25 vezes mais.
Nos contratos agora em vigor há a definição de que caso um dos 17 clubes com contratos mais duradouros com a Globo caíssem para a Série B receberiam, em seu primeiro ano, o mesmo que ganhariam na Série A, caindo este valor para 75% no segundo ano nesta divisão. Ainda que considerando que a diretoria anterior do clube paulista antecipou uma quantidade razoável das receitas que seriam recebidas em 2013, percebe-se aqui uma diferença brutal – ainda que possa ser justificada pelo potencial de atração de público do quarto clube com a maior quantidade de torcedores no país.
Última faixa
Esta discussão sobre abismos criados a partir da cota recebida da TV começou a aparecer mais a partir de 2011, quando a Rede Globo fechou contratos com os principais clubes do país por fora do Clube dos 13, associação que representava 20 times, criando novos grupos de cotas e gastando bem mais por conta das negociações individuais.
Um tema importante sobre o assunto era a possível “espanholização” do futebol brasileiro, em que Flamengo e Corinthians passariam a receber bem mais que os demais clubes em cada renovação de contrato, em moldes semelhantes com o que ocorre em La Liga, na qual Real Madrid e Barcelona negociam em separado seus direitos de transmissão e ganham 40% dos valores pagos para todos os confrontos, enquanto os demais 18 clubes negociam em conjunto e sofrem para se manter financeiramente e gerar uma disputa real com os dois grandes e ricos clubes do país.
Se para a Série A o fosso vai se abrindo, especialmente com os clubes que não participavam do Clube dos 13 tendo que negociar por temporada – como ocorreu com Atlético-GO, Figueirense, Náutico, Portuguesa e Ponte Preta, que receberam, no mínimo R$ 10 milhões a menos que a última faixa de clubes que negociaram por mais edições –, o abismo da Série B é ainda maior.
Recurso insuficiente
Ainda durante a Série A do ano passado, o presidente do Atlético-GO, Adson Batista, que já havia reclamado dessa distorção gerada pela detentora dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, que estaria sufocando os times e gerando um desnivelamento do campeonato. Dos quatro rebaixados em 2012, os dois últimos, Atlético-GO e Figueirense, estavam no grupo que recebia por temporada.
No caso da Série B, a diferença foi ainda maior, já que o campeão Goiás, mais Vitória e Atlético-PR subiram para a Série A, mantendo as assinaturas por mais temporadas, recebendo mais na Série B que os cinco acima citados ainda que na Série A. Quando comparado aos seus concorrentes de divisão, a diferença era superior a 15 vezes o valor recebido. Adson voltou a demonstrar revolta na reunião deste ano ao afirmar em entrevista ao site da ESPN que seria melhor falar que o Palmeiras já teria uma das vagas e que os demais clubes brigariam pelas que sobrassem.
Além do Palmeiras, o Sport é outro clube que caiu para a Série B apesar dos contratos mais longos, renovados com um acréscimo de valor em 2012 – cujo final seria em 2015, mas que teria sido prorrogado para 2018, com pagamento de luvas pelo novo contrato já no ano passado. O América-MG foi o único clube a não assinar o contrato de cessão de seus direitos de imagem. Segundo o diretor-executivo do time mineiro, Alexandre Faria, a quantia não pagaria sequer “o início da conta”, sendo mais viável, por causa dos deslocamentos e do tempo curto do torneio, disputar o Campeonato Mineiro que a Série B.
A desestruturação na Série B
A Série B tem uma maior representatividade em termos de quantidade de Estados (10) e regiões: Pará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Pernambuco, Ceará, Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná. Já a Série A, com 9 Estados representados, tem uma participação mais restrita, com localidades mais próximas entre si, e que representam grandes centros econômicos do país: Pernambuco, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
A centralização da negociação dos direitos de transmissão é considerada como o melhor modelo para garantir a concorrência entre os clubes e entre as empresas de comunicação, e, consequentemente, manter a atração dos torcedores. O que poderia ser visto como formação de cartel de acordo com a legislação antitruste, é aqui apresentada como uma exceção por se tratar de um produto que exige a participação de, ao menos, dois clubes, para a sua finalização e, mais que isso, uma partida representa apenas uma pequena parte do produto total, o campeonato por inteiro.
Se a dissolução do Clube dos 13 foi acompanhada e divulgada com afinco após a assinatura do Termo de Cessação de Conduta com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no final de 2010, o processo de desestruturação na Série B foi anterior a isso. A Futebol Brasil Associados (FBA) representava os interesses dos clubes da segunda divisão nacional há quatro anos, com pretensão de organizar o processo de reestruturação da Série C, quando em 2009 a CBF, com participação de Marcelo Campos Pinto (Globo Esportes), resolveu assumir totalmente a administração daquela divisão. Isso ocorreu ainda que a FBA tivesse contrato em vigor que durava até 2011.
Período prejudicial
Após passagens de Botafogo, Palmeiras, Grêmio, Atlético-MG e Corinthians pela Série B, 2009 teria outro clube grande do país na disputa: o Vasco da Gama. Sinal da manutenção da atratividade do torneio em âmbito nacional.
A cota paga pela FBA em 2008 aos clubes foi de R$ 600 mil, porém a associação imaginaria poder pagar em 2009 o valor de R$ 1,5 milhão, bem próximo ao que a Rede Globo depositou na conta dos clubes em 2012, tendo em vista, dentre outras coisas, a venda de painéis publicitários.
Ainda que o futebol tenha o seu caráter de imprevisibilidade, como comprova o rebaixamento do campeão da Copa do Brasil no Campeonato Brasileiro do mesmo ano, a quantidade de recursos recebidos para a manutenção da estrutura dos clubes, com a aquisição de melhores profissionais, acaba por gerar uma diferença entre os concorrentes dos torneios.
Este período para prejudicar a associação de clubes, que tem reflexos no dinheiro recebido por eles e, consequentemente, à concorrência entre estes, pode ser prejudicial também ao futebol praticado no país, criando diferenças maiores que a imprevisibilidade deste esporte pode gerar dentro de campo.
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[Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos]