São documentos históricos no sentido rigoroso da expressão. Registros de um tempo recente, em que políticos, intelectuais, artistas foram ao Roda Viva dar seu testemunho. Estes depoimentos, reunidos por Paulo Markun em três volumes, confirmam o verso do poeta Carlos Nejar: ‘viver é depor’.
Ótima idéia selecionar, transcrever, editar e publicar algumas das melhores entrevistas deste programa da TV Cultura, vinte anos depois de sua criação. São entrevistas antológicas. Fazem a roda do tempo girar para trás. Podemos estabelecer comparações entre o dito e o acontecido, entre o que se afirmou e o que a realidade nos impôs.
Voltamos a 1989, e lemos (quase ouvimos) Aloizio Mercadante, com 35 anos de idade, com boa bagagem acadêmica, estreante na política: ‘Se vier investimento estrangeiro, ótimo. Nós vamos fazer tudo para que venha. Não temos nenhum preconceito ideológico contra investimento estrangeiro. Quanto mais, melhor.’
Na mesma altura, Leonel Brizola, ainda em pleno vigor, referia-se ao PT em termos proféticos, assustadores: ‘Eles são preconceituosos, agressivos, raivosos, amargos, surgiram nessas eleições arrogantes.’
Outra cena: João Pedro Stédile literalmente cercado por jornalistas — Fernando Mitre, Paulo Henrique Amorim, Josias de Souza, o próprio Paulo Markun — explicando o que é o MST, de onde vêm os recursos do movimento, e defendendo, naquele ano de 1997, ‘uma reforma agrária que estimule o mercado interno, que resolva os problemas da alimentação’, e não uma solução antifeudal, na linha da tradição comunista.
Liberdade para opinar
As respostas são apenas um lado da questão. Interessante observar e analisar o tipo de perguntas, o tom das perguntas. Muitas delas são rápidas, com a intenção de dar espaço para o entrevistado falar. Clóvis Rossi pergunta a Roberto Freire: ‘O marxismo está morto ou não?’ Essa entrevista se realizou em setembro de 1989. O Muro cairia dois meses depois.
Perguntas provocativas, como a de Humberto Werneck a Gilberto Gil, em 99 – ‘Você se sentiria bem no governo do Fernando Henrique Collor?’ –, cutucam o entrevistado e o obrigam a exclamar. E por vezes nem são perguntas propriamente, são afirmações, insinuações, comentários, permitindo ao convidado exercer ao máximo sua liberdade de opinião.
Pois liberdade para opinar existe nesta roda, que não chega a ser de amigos, nem mesmo de admiradores; por vezes, parece que botaram a pessoa na roda: um Paulo Maluf, uma Zélia Cardoso de Mello, um Paulo Francis, um Fidel Castro.
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Doutor em Educação pela USP e escritor (www.perisse.com.br)