Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Ler, gostar, pagar

A Abraji, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, está promovendo um interessantíssimo debate via internet: a correção ética dos prêmios de jornalismo. É claro que não se põe em dúvida, por exemplo, o Prêmio Esso; este não vincula as reportagens a qualquer tema específico. Mas é extremamente necessário discutir estas centenas de prêmios cujo tema é de interesse do patrocinador – e, portanto, já se sabe que só pode ganhar quem falar aquilo que se queira ouvir.


Há, por exemplo, um prêmio para reportagens sobre cachaça. Ninguém imagine que uma reportagem sobre os males do alcoolismo tenha qualquer possibilidade. Há outro, no Rio Grande do Sul, chamado ‘Prêmio de Jornalismo Liquida 10 Anos’, que é muito claro em seu regulamento: ‘Serão aceitas apenas matérias que abordem o consumidor e sua relação com o evento ou a criatividade e seus reflexos nas vendas ou serviços de quem adere à promoção’. Claro: por que alguém daria um prêmio a quem falasse mal de seu produto?


É por isso que o debate da Abraji merece ser acompanhado de perto. Prêmio de jornalismo não pode ser sinônimo de jabá; não pode ser (ou não deveria ser) vinculado a um determinado tema. A vinculação o transforma em pura e simples compra de reportagens. E tudo quase de graça, baratinho, muito mais barato do que um anúncio comum, com a vantagem de que as matérias elogiosas saem em vários lugares e só é preciso pagar em um deles.


A propósito, quando começa o debate sobre as matérias a respeito de novos remédios?



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Leia também uma seleção do que o OI publicou sobre o assunto:


Terceiro Setor tropeça nos vícios dos demais – Alberto Dines [13/2/2002]


‘Uma estratégia catalisadora de mudanças’ – Viviane Senna [20/2/2002]


Prêmios não garantem excelência em jornalismo – A.D. [20/2/2002]


O que se esconde atrás dos prêmios de jornalismo – A.D. (rolar a página) [8/1/2001]




Coisa feia!


Este colunista, certamente por falha no acompanhamento das revistas e colunas especializadas, não viu nenhuma reportagem sobre a vergonhosa iniciativa do Carrefour, que nos países muçulmanos espalhou cartazes informando que não vende mercadorias dinamarquesas. Briga política é uma coisa; comércio é outra. Se os muçulmanos estão indignados com um jornal dinamarquês, que é que a Dinamarca inteira, um país simpático, democrático, que produz excelentes queijos e um magnífico presunto, dono de um dos melhores desenhos industriais do mundo, tem a ver com isso? Que o Carrefour deixe de vender o jornal citado – o que não fará a menor diferença, porque pouquíssima gente lê dinamarquês.




Não é bem assim


Parece que toda a imprensa noticiou a mesma coisa: que o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, votou a favor do nepotismo – o feio hábito de nomear parentes sem concurso para cargos bem remunerados. No caso, o que estava sendo julgado era o nepotismo do Judiciário. E ficou parecendo que o ministro Marco Aurélio era favorável a que juízes nomeassem parentes.


Não era nada disso: o ministro, entre outras coisas, já votou contra o nepotismo. Ele condenou, como inconstitucional, o poder do Conselho Nacional de Justiça de editar normas. E acabou passando à opinião pública como vilão da história. O caso está muito bem contado numa reportagem de Rodrigo Haidar para o Consultor Jurídico, que publicamos abaixo desta coluna.


Publicamos também um artigo do especialista Alexandru Solomon sobre os lucros dos bancos. Solomon sustenta que os lucros, na verdade, não são tão grandes como parecem, graças a alguns dispositivos legais. Não tema: o assunto é de Economia mas está bem escrito e até este colunista, que pouco sabe do tema além das quatro operações, conseguiu entendê-lo.




Coisa linda! – 1


Há coisas em jornais que nem merecem ser chamadas de erro: foi o caso, há uns 40 anos (e num país muito mais puritano), em que um anúncio de Colhões de Mola obrigou a empresa a recolher toda a edição. Houve problema semelhante num título imenso sobre o Marechal da Vitória, Paulo Machado de Carvalho. Um dos primeiros trabalhos deste colunista numa redação foi receber senhoras indignadas com a publicação, sem o ‘é’, do filme Um Raio em Céu Sereno‘ – exatamente num dos principais cinemas da cidade, o Marrocos. Como convencê-las de que não se tratava de uma iniciativa comuno-subversiva de solapar os valores morais da sociedade para facilitar a tomada do poder pelos sindicalistas? Este colunista achou a saída: depois de muita discussão, passou a dizer às senhoras indignadas que o responsável pelo erro tinha sido demitido. Sossegaram.




Coisa linda! – 2


De vez em quando acontecem essas coisas. Um repórter que, cobrindo uma conferência econômica sem entender do assunto, explicou que a delegação brasileira havia exposto teses sobre a indexation (e, entre parênteses, que naturalmente foram publicados, a frase ‘não sei do que se trata e não consigo traduzir’). Esta de agora, de um jornal pequeno, é primorosa: uma mensagem, acompanhada de foto da homenageada, terminava com a seguinte observação, entre parênteses: ‘colocar só a véia’. Até que a véia apareceu bem na foto.




Hábito e necessidade


Uma fiel e arguta leitora desta coluna, comentando a queda do número de leitores de jornais, diz que o mais grave é que gente jovem não lê jornal (‘não me refiro a adolescentes’, diz, ‘incluo a turma na faixa dos 30, diplomados em curso superiores, classe média alta’). Na época da ditadura, criou-se o Mobral para alfabetizar adultos. E verificou-se que muita gente, já alfabetizada, esquecia tudo em poucos meses. A conclusão foi dura: se a pessoa viveu até a idade adulta sem saber ler nem escrever, é porque criou um esquema de vida em que ler e escrever não era necessário. Entrava no Mobral, aprendia e, por falta de exercício, o aprendizado se esvaía.


Este colunista teme que esteja acontecendo algo semelhante na imprensa: estes jovens adultos diplomados em cursos superiores, de classe média alta, não lêem tanto jornal porque não sentem necessidade disso. Consideram-se informados pela TV, pela internet, pelos relatórios da empresa (e, às vezes, pelo clipping que lhes é fornecido). Em outras palavras, os jornais estariam se distanciando dos leitores, que em troca se distanciariam dos jornais.


A opinião do colunista é apenas uma opinião, sem base em estudos ou pesquisas. Mas o tema vale ou não vale um bom debate?




Pedras preciosas


1) Num jornal de TV: o ministro dos Esportes, Agnelo Queiroz, virou Ângelo Queiroz. Não tem erro: usaram o corretor de ortografia sem checar os nomes.


2) De um portal grande da internet: ‘Cleo Pires briga com suposto namorado e vai parar na delegacia’. É verdade que a atriz foi parar na delegacia. Mas o namorado não era suposto: era real. Eles não brigaram entre si: o namorado entrou numa briga e foi levado à delegacia, e Cleo o acompanhou. Como não diria aquele anúncio clássico da W/Brasil, duas mentiras formaram uma verdade.


3) Esta é de um grande jornal. Vale a pena tentar decifrá-la: ‘Brancos refrescantes não precisam ser previsíveis’.


Tentou? Não conseguiu? A matéria versava sobre vinhos brancos.


E, a seguir, os textos citados na nota Não é bem assim.




Poder de desinformar


Ministro Marco Aurélio não votou a favor do nepotismo


Rodrigo Haidar


O Supremo Tribunal Federal decidiu nesta quinta-feira (16/2) que o Conselho Nacional de Justiça tem poder normativo. A decisão, liminar, foi tomada no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade ajuizada em favor da Resolução 7 do Conselho, que regulamenta a proibição do nepotismo no Poder Judiciário.


Nove dos dez ministros presentes à sessão votaram pela constitucionalidade da resolução. Ou seja, a favor do poder de o CNJ regulamentar a questão. Ponto. O foco realmente importante da decisão é a afirmação do poder regulamentar do CNJ sobre os tribunais estaduais.


Parte da imprensa, contudo, vinha acompanhando o assunto como se estivesse sendo travada uma batalha entre mocinhos e bandidos — anti-nepotistas e nepotistas. Em conseqüência, parte do noticiário, ao tratar do voto dissidente do ministro Marco Aurélio no julgamento, abordou o assunto como se o que estivesse em discussão não fosse um princípio (poder normativo do CNJ), e sim uma posição moral (a favor ou contra o nepotismo).


Mais do que empobrecer a discussão, tal tratamento desinforma e causa injustiças. O que estava em discussão não era o nepotismo, mas sim os limites das atribuições do CNJ. Por entender que o CNJ não tem poder normativo, o ministro Marco Aurélio acabou apontado como ‘defensor do nepotismo’.


Para o ministro, ao regulamentar a questão, o Conselho estaria invadindo a esfera do Congresso Nacional e tratando de assuntos que fogem à sua competência. ‘O CNJ, ao editar a Resolução, o fez totalmente à margem das atribuições previstas na Constituição Federal, e não vejo possibilidade de se deferir uma liminar que acaba potencializando a Resolução do próprio Conselho’, sustentou.


Os nove outros ministros discordaram desse entendimento. Por isso, os tribunais terão de seguir normas baixadas pelo CNJ — tanto a que diz respeito à contratação sem concurso de parentes de juizes, quanto as que estabelecem regras para a promoção e concurso de juízes, e a que proíbe férias coletivas no Judiciário. A questão em pauta, portanto, não era nepotismo sim ou não.


Antes do CNJ


Já em 1997, Marco Aurélio se manifestou sobre a questão do nepotismo e defendeu o combate a tal prática. Ao julgar uma ação (ADI 1.521) contra Emenda à Constituição do Rio Grande do Sul que proibiu a contratação de parentes, o ministro negou liminar para suspender a norma.




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O outro lado dos lucros


Alexandru Solomon


O desempenho dos bancos, de maneira geral, mereceu manchetes à medida que os relatórios anuais relativos a 2005 foram publicados. É importante, no entanto, antes de proclamarmo-nos campeões mundais em retorno sobre o patrimônio líquido – como alguns jornais já fizeram, comparando-os com o Citibank- notar que desde a implantação do Plano Real desapareceu a correção monetária. Se o efeito inflacionário pode ser desconsiderado, para um período de um ano, sem graves distorções, ao considerarmos os onze anos durante os quais não houve mais correção dos balanços, mesmo sem sermos rigorosos, é possível afirmar não haver um erro monstruoso se afirmarmos que os patrimônios líquidos deveriam valer o dobro, ou seja, as remunerações reluzentes cairiam à metade. Nada desprezíveis, ainda resplandecentes, mas longe do que se alardeia.


Por outro lado, nas empresas capitalizadas, como é o caso dos bancos, o antigo processo contábil que levava em consideração a existência de capital de giro positivo – abolido dentro da filosofia do Plano Real – permitiria evitar uma outra distorção que superavalia o lucro, acarretando tributação indevida.


Se, por um lado, os críticos dos lucros deveriam vituperar de forma menos afoita, não resta dúvida de que, para usar uma expressão na moda, as instituições financeiras colhem o que plantaram de forma eficiente.


Eleitoralmente, o lucro, qualquer que seja sua origem – e aqui a referência é feita ao lucro obtido de forma legal e ética – sempre foi explorado como manifestação do capitalismo selvagem. O lucro das instituições financeiras tende a ser anatematizado, por ser resultado da atividade mercantil que envolve a mercadoria dinheiro. Então, se os resultados das companhias abertas suscitam murmúrios de protesto, mesmo se superiores aos dos bancos, o murmúrio transforma-se em clamor, quando se trata de bancos – os ‘predadores’, na jocosa definição do brilhante colunista Mauro Chaves. Os juros – preço do dinheiro – são satanizados, como nos bons velhos tempos da Inquisição. Termos como ‘mamata’, ‘ganho ilícito’ etc. freqüentam alguns comentários, e poucos se detêm para analisar um fato trivial: o maior sócio dos bancos é o governo. Há quem se insurja – com razão – contra o pagamento de impostos na venda de imóveis, cujo valor foi corrigido uma única vez durante o Plano Real, de sorte que os tributos incidem sobre lucros ‘gráficos’ – muitas vezes, prejuízos. No entanto, poucos são aqueles que admitem haver uma distorção da mesma natureza nos balanços das instituições financeiras. Isso não quer dizer que se deva cair numa incontrolável choradeira diante da sina do sistema financeiro. Mas um pouco de objetividade nunca fez mal a ninguém.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados