Não fosse a assinatura do poeta Olavo Bilac (1865-1918), seria fácil confundir o trecho a seguir com algo escrito por estes dias: “O público tem pressa. A vida de hoje, vertiginosa e febril, não admite leituras demoradas, nem reflexões profundas”.
A análise saiu na Gazeta de Notícias, no Rio, em 13 de janeiro de 1901. Àquela altura, já havia quem ficasse nostálgico ao recordar os bons tempos do jornalismo.
Não que antes os homens da imprensa no Brasil soubessem bem onde estavam pisando.
Ou que depois o jornalismo não tenha oferecido algumas de suas melhores e mais profundas reflexões.
Dois livros que saem agora no país ajudam a traçar, com diferentes recortes, o nascimento, as transformações e o impacto de um formato jornalístico que sempre deu margem a textos mais densos, o de revistas.
A trajetória da imprensa ao Brasil, da primeira tipografia que aportou no país em 1808, junto com a corte portuguesa, até os primeiros casos bem-sucedidos do gênero, é o tema de A Revista no Brasil do Século 19, de Carlos Costa, recém-lançado pela Alameda.
Ainda neste mês, a Casa da Palavra coloca nas livrarias Modernismo em Revista: Estética e Ideologia nos Periódicos dos Anos 1920, de Ivan Marques – este focado especificamente na produção que repercutiu a Semana de 22.
Em comum, tanto as revistas do século 19 quanto as publicações modernistas dos anos 20 do século passado tendiam a durar pouco: como não existiam fórmulas, o jeito era seguir na base da tentativa e do erro.
Escrito como tese de doutorado para a Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), com base em ampla pesquisa nos arquivos da Fundação Biblioteca Nacional, o livro de Carlos Costa partiu de premissa arriscada -a de, antes de tudo, identificar o que era jornal e o que era revista nos anos 1800.
Com o jornalismo ainda nascente, não existiam as nomenclaturas de hoje. Para Costa, as definições ficaram claras a partir de 1870, com a invenção do telégrafo: jornal era o que repercutia notícias imediatas; revista era o que buscava aprofundá-las.
Antes disso, existiam algumas pistas, como as ilustrações, historicamente ligadas às revistas: foi nelas que grandes desenhistas, como o italiano Angelo Agostini (1843-1910) e o português Rafael Bordallo (1846-1905) fizeram história no país.
Foi nas revistas que primeiro apareceram nomes como Casimiro de Abreu e Machado de Assis – ambos trabalhavam para Francisco de Paula Brito na A Marmota na Corte, de 1849, uma das mais importantes do período.
Não que o trabalho de redatores fosse reconhecido àquela altura. “Na verdade, era possível encontrar pistas dos autores dos textos. Mas a maior parte usava pseudônimos. Não havia esse conceito de autor de texto jornalístico, de reportagem assinada”, afirma Costa.
Um dos casos mais famosos, ele lembra, foi um virulento ataque contra o jornalista português Luis Antonio May (editor da Malagueta), publicado em 1823 em O Espelho. O autor, que se refere ao desafeto com termos chulos sobre suas preferências sexuais, seria d. Pedro 1º, segundo a historiadora Isabel Lustosa.
Outras publicações, como a Semana Illustrada, de 1860, ajudaram a consolidar o formato que se firmaria por décadas, de revistas com oito páginas, intercalando textos e ilustrações. Esta ficaria conhecida pela profissional cobertura da Guerra do Paraguai (1864-1870), com ilustrações feitas a partir de fotos.
Para Costa, a maior importância daquelas publicações foi consolidar a identidade de um país em formação. “No início do século 19, ninguém era brasileiro. Eram todos nascidos no Brasil colônia, portugueses. Foi por meio da imprensa que esse país encontrou sua cara”, diz.
Modernistas
No início da década seguinte, nos anos 20, a imprensa ajudaria também a dar a identidade que os modernistas buscavam.
Ao estudar sete publicações do gênero dentre as dezenas que pipocaram pelo país naquele período, o crítico literário Ivan Marques se impressionou ao perceber que, ao contrário do que se esperaria de uma vanguarda, as revistas modernistas tinham mais um aspecto construtivo que de destruição.
“Em Klaxon, a primeira delas, criada em 1922, ainda há esse espírito destruidor, mas ele se dilui ao longo da década. A Verde, em 1927, e A Revista de Antropofagia, em 28, tentaram de algum modo restaurar esse espírito iconoclasta”, diz.
Para Marques, as revistas -onde primeiro publicaram nomes como Carlos Drummond de Andrade- são o testemunho vivo de um dos períodos mais agitados da cultura brasileira. “Elas mostram, entre outras coisas, que o modernismo não se limitou à Semana de Arte Moderna, e menos ainda à cidade de São Paulo.”
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Raquel Cozer é colunista da Folha de S.Paulo