Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ação contra pirataria

A maior experiência jamais feita para combater a pirataria on-line acaba de começar nos EUA. Lá, os cinco maiores provedores de acesso por banda larga iniciaram um esforço de alertar os clientes que consideram infratores. Ninguém terá seu acesso à rede cortado, mas a promessa é de que a vida ficará mais atrapalhada.

O método adotado por AT&T, Cablevision, Time Warner Cable, Verizon e Comcast foi inventado na Europa: é o dos seis alertas. A indústria do cinema, da música e da televisão envia, diariamente, os endereços IP que eles detectam estarem baixando conteúdo considerado ilegal. Quem sabe os nomes dos clientes atrás destes endereços são justamente os provedores. Eles enviarão, por e-mail ou carta, alertas cada vez mais incisivos.

Após o sexto, desistirão.

No caso da Comcast, os alertas saltarão na frente da janela do browser. A partir do quarto alerta, a janela só será fechada após login e senha do titular da conta. O objetivo é bloquear o computador dos adolescentes até que seus pais tenham ciência do que fazem. A Verizon, por sua vez, vai reduzir ao mínimo a velocidade daqueles que chegarem ao sexto aviso.

Nenhum dos provedores, porém, planeja bloquear o acesso. O objetivo é incomodar, assustar, cutucar. Seu alvo são aqueles que burlam o copyright de vez em quando, não os piratas contumazes.

Tempos de transição

Tudo mudou muito desde que o Napster foi lançado, em 1999. Foi o primeiro sistema de troca de arquivos de música. O primeiro reflexo das gravadoras foi entrar com processos pesados, multando em centenas de milhares de dólares gente de classe média baixa. Se o objetivo era educar, naufragou.

De lá para cá, a melhor arma contra a cópia ilegal foi outra: o iTunes. Uma loja de músicas muito fácil de usar atrelada ao iPod, que todo mundo tinha (hoje, cada vez mais, substituído pelo smartphone). O Netflix, sistema no qual se paga uma assinatura mensal para assistir quantos filmes se deseja, foi outro modelo de venda on-line de conteúdo que colou.

A pirataria já foi pior. No ano passado, pela primeira vez desde o Napster, a indústria fonográfica registrou aumento nas vendas. Há algo de diferente no ar.

Estamos, porém, em uma fase de transição. Uns anos atrás, era só falar de vender conteúdo digital que a maioria das pessoas diria: loucura, não é possível. Não mais. É possível, o que não existem são modelos claramente consolidados. Assim como as estratégias de cada produtor de conteúdo são distintas. Mudam com o perfil.

Nos EUA, é possível assinar via iTunes ou Netflix séries consagradas como The Good Wife ou Mad Men e assistir aos episódios na mesma época em que passam na televisão. Mas não é possível fazer o mesmo com outras séries consagradas, como Game of Thrones ou True Blood.

A diferença, no caso, é a HBO. Ela, assim como o canal Showtime (Homeland, Weeds), faz dinheiro de uma forma específica: não é pela venda do conteúdo mas pela venda, caro, para as distribuidoras de cabo. Se uma operadora de cabo deseja ter HBO em sua programação, tem de pagar taxas altas. Se ela não tem HBO, assinantes não vão querer o pacote. Isso é pelo que o canal tem de exclusivo. Se Game of Thrones estiver oferecido para download, ninguém vai querer HBO. Para alguns conteúdos, portanto, não basta ao cliente estar disposto a comprar on-line. Ele não terá escolha se não assinar um pacote de TV a cabo.

Há dúvidas, também, sobre a precisão na localização de piratas. Quem receber um alerta poderá contestar o aviso, mas terá de pagar para ser ouvido. Se o número de erros for baixo, não deve ser problema. Mas a capacidade de produtores e provedores de acertar será fundamental para o sucesso desta empreitada.

Tempos de transição tecnológica não são fáceis. Há um meio termo entre aporrinhar consumidores e oferecer o pacote certo, pelo preço justo, de forma fácil. Parece que todos – consumidores, produtores e provedores – já estão caminhando nessa direção. Até lá, há uma grande expectativa para entender se a experiência americana funcionará ou não.

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Pedro Doria é colunista do Globo