Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Nós somos fruto desse movimento da sociedade civil”

Criada no dia 22 de janeiro de 2013, a Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC) é o primeiro empreendimento de comunicação concebido na forma de empresa pública estadual, reunindo um canal de televisão e uma rádio. Sua instalação é resultado da mobilização e cobrança da sociedade civil, interessada na existência de um canal com perfil público, de qualidade e participativo.

Nomeado diretor-presidente da EPC, o publicitário Guido Bianchi falou em entrevista ao Observatório do Direito à Comunicação sobre as expectativas em relação à implementação da empresa, a instalação de seu Conselho de Administração com a participação da sociedade civil, os modos de financiamento, a autonomia política e o perfil de conteúdo que será produzido e veiculado.

Qual o perfil dessas pessoas que estão na direção da EPC hoje?

Guido Bianchi – O que se tem é o núcleo dela, que tem essa principal missão de conduzir o processo de implantação. A direção são sete membros. Inicialmente se tem três membros. São pessoas oriundas da luta pela democratização dos meios de comunicação. Já tem esse viés, que é algo positivo. São pessoas de três áreas distintas, porém que se tocam. Um jornalista e professor do curso de jornalismo da Universidade Católica (Unicap), que é o Paulo Fradique. Eu, que venho da área da propaganda institucional, política e comercial. E o Roger de Renor que vem da área da cultura, que é um promotor e agitador cultural. E o que nos une é a participação nessa história do movimento pela democratização dos meios de comunicação. 

Qual a situação em que se encontra a EPC hoje?

G.B. – Concretamente hoje não tem nenhuma alteração da TV no sentido prático (do que ela está produzindo, coproduzindo, veiculando ou exibindo), porque ela é uma empresa “S.A.” (sociedade anônima) que foi constituída nascendo do zero. Por estar nascendo do zero, tem todas as implicações de uma empresa que está nesse estágio inicial. Tem todo um caminho a ser percorrido: de legalização da empresa, da configuração jurídica dela, os registros cartoriais, montar contabilidade… A retaguarda formal tem que ser montada. Enquanto essa retaguarda formal não for montada, a empresa não pode exercer o seu papel real. 

Estão convivendo em paralelo hoje duas estruturas. Uma que já existe e outra que começa a existir. Elas vão conviver durante um bom tempo, porque uma, que é a Unidade Técnica/Detelpe (segmento da Secretaria de Ciência e Tecnologia que administrava a TVPE) vai desaparecer e migrar para a EPC. Então, os bens do Detelpe, hoje diretamente relacionados com a TV PE, já constituem a base do capital social da EPC. O restante também vai migrar para a EPC. São basicamente bens imóveis.

Como se dará o financiamento da EPC?

G.B. – No estatuto social estão previstas várias fontes possíveis de financiamento. Uma delas é: num período de até três anos, a gente espera levantar, por um caminho que está sendo construído com o governo do estado, até R$ 25 milhões, que é o necessário para a recuperação de todo o aparato técnico e para o processo de digitalização da TV. Tem mais de 86 repetidoras, as outorgas e mais as outorgas digitais (isso vai pra 90 e pouco pelo estado todo), mas isso está em um certo grau de sucateamento. Nós precisamos recuperar equipamento de transmissão, de retransmissão, torres, os locais onde estão instaladas as torres, enfim… Tem um custo grande pra recuperar o que está sucateado e adquirir uma nova leva atualizada de equipamentos. O governo está construindo um caminho. Não dispõe hoje desse valor em termos líquidos para disponibilizar para a TV.

Quais são esses caminhos?

G.B. – São caminhos orçamentários dentro do governo. A empresa foi constituída em janeiro. Já tem o orçamento (do estado) desse ano. O orçamento sofreu um corte no custeio bastante razoável, fruto dos problemas econômicos internacionais, que terminam rebatendo no Brasil e terminam rebatendo nos estados. Então, por isso, eles estão estudando de onde vão conseguir esse recurso, mas esse dinheiro terá que vir dessa iniciativa mesmo: do próprio governo. As outras possibilidades de procurar financiamento (apoio cultural… essas coisas), em um primeiro momento, ficam difíceis, porque você não está ainda funcionando à plenitude, em condições boas, tendo uma programação de boa qualidade e um sinal bom.

Esse ano virá uma parte desse investimento pelos mecanismos do estado. O que tem concreto por enquanto é a disposição política. O problema é um problema de ordem financeira por conta dessa questão conjuntural resultante dessa crise econômica geral. Não tem a solução hoje. Estão correndo atrás das soluções.

Uma questão importante que está ali no estatuto social é que nós vamos dar ênfase na veiculação, na exibição, da produção independente. Dessa produção independente muita coisa não vai ter investimento da TV. Essa produção independente vai se auto-financiar por vários caminhos que existem: sejam caminhos institucionais, sejam caminhos privados. Uma parte poderá ser feita em parceria.

Qual a área de cobertura que o sinal da EPC deve abranger? 

G.B. – A proposta é cobrir o estado todo, mas tem problemas. Se eu conserto um problema aqui, abre outro problema lá. Se eu conserto uma cidade-pólo que está com problema no transmissor, eu resolvo o problema aqui e surge um na antena da outra cidade. A cobertura que a TV PE tem legalmente com as outorgas nenhuma outra TV tem em Pernambuco. Só ela tem essa possibilidade de ter uma cobertura quase de 100%. Desde que tudo funcione, né? [risos] Em tese, ela tem essa possibilidade.
E quando tudo ficar digital, aí o problema do UHF desaparece. Então, daqui a três anos no máximo, até 2016, se não for adiado, quando toda a TV for digital… Por isso que nesse investimento técnico de R$ 25 milhões está prevista a digitalização, porque nós temos que nos enquadrar à nova lei.

Você diz que a empresa precisa andar com as próprias pernas. Não há perigo de se dar espaço demais para o mercado na determinação do funcionamento da EPC? 

G.B. – É aquela história… Se ficar só dependente do Estado, aí todo mundo fala: “não vai ficar muito dependente do Estado e do governo da ocasião?” Aí, não tem jeito. O problema é o seguinte: quem está dirigindo essa TV? que governo é esse que está no poder? qual é a intenção política desses dois segmentos?” Se a intenção política for boa, vai caminha bem. O problema é esse. Depende mais da política de quem está no comando. Então, a intenção de diminuir a dependência do Estado é para a TV não ser um ônus para o estado. Entretanto, ela só pode captar os seus recursos dentro do que está previsto no estatuto, com aquelas delimitações. Dentro daquilo: apoio cultural, convênio etc.

Pode, por exemplo, fazer um convênio com uma universidade estadual para a difusão das pesquisas da área científica da Física. Então, está aí, garantido o financiamento pra fazer um programa, uma série ou seja lá o que for. E está cumprindo o papel do que a TV deve fazer: levar educação para o povo. Está levando educação para o povo e, em vez de tirar o recurso do caixa do governo, a universidade estadual tira do seu próprio caixa e financia esse programa.

Como se pode mensurar o grau de autonomia política que a EPC possui?

G.B. – De fundo, não tem uma autonomia completa, pois o próprio Estado é detentor da concessão e, pelo próprio estatuto social, ele tem um poder de ingerência. Mas acho que se deu um passo adiante sobre o peso desse poder de ingerência com anuência do governo atual. Claro que não chegamos ao ideal.

Como é que é o Conselho de Administração? São treze membros. Dos treze, sete são indicados: um da associação dos prefeitos do estado, os outros seis são indicados pelo governo do estado, com os representantes de seis secretarias, e aqueles seis que são da sociedade civil passam por um processo eletivo. A minuta do edital que vai fazer o processo de eleição já está pronta. Está passando só pelo crivo jurídico, pra ver se não tem nenhuma impropriedade. A nossa idéia é terminar isso após o carnaval [esta entrevista foi conferida no dia 7 de fevereiro], quando a vida começa oficialmente em Pernambuco [risos]… Mas depois do carnaval isso já está na mão das pessoas envolvidas, estão discutindo. Quando passar pelo crivo jurídico e pelo crivo da Secretaria de Ciência e Tecnologia, que é quem vai comandar o primeiro processo eletivo da parte da sociedade civil, quando a minuta se tornar o projeto do edital, nós vamos fazer uma reunião com o pessoal do movimento social antes de publicar (até pra dar voz pras pessoas dizerem: “pô! Tá bacana esse edital, acho que é isso mesmo” “Tô com essa dúvida. Como é que é isso? Como é que não é?”). A gente vem tendo isso desde o começo desse processo, esse diálogo, até porque nós somos fruto desse movimento da sociedade civil.

Então, nós vamos ter uma conversa sobre a proposta final do edital e depois a gente publica. A Secretaria publica e faz o processo. E o processo deve acontecer em trinta dias. Tem um prazo pras entidades se inscreverem. Tem um prazo pra a comissão eleitoral da Secretaria analisar as inscrições e ver se todo mundo está dentro das exigências do edital. Enfim, no cronograma dá uns trinta dias, mas estamos agilizando. Acho que até 15 de março a gente está publicando isso.

Como vocês estão pensando o perfil da programação jornalística?

G.B. – Nós estamos pensando que o jornalismo deve ser muito mais analítico do que factual, porque esse já tem muitos veículos aí noticiando. Então, acho que a gente deveria iniciar com um jornalismo mais analítico até pra poder ser um contraponto ao que se faz de jornalismo hoje em dia.

E não é justamente o jornalismo analítico que gera mais resistência da parte dos governos?

G.B. – É, mas nós estamos entendendo que estamos vivendo dentro de um governo progressista. Então, para um jornalismo mais analítico, debaixo de um guarda-chuva progressista, ele pode cumprir um papel mais interessante. Ele também será factual. Tem montanhas de informações que não viram notícia. Muitas são de interesse local, de interesse do expectador pernambucano, que os poucos veículos comerciais existentes não abordam. Questões mesmo até do que o estado promove, que são muito interessantes e que não noticiam. Não dão dimensão pra isso. Sequer informam o grande público! Eles ficam muito presos às questões mais macro, da luta política, com suas visões políticas. A gente pretende dar vazão a essas informações, mas sendo analíticos.

Pernambuco é famoso pela riqueza da produção cultural. Como vocês pensam em trabalhar a absorção dessa produção?

G.B. – Esse é mais um desafio que nós temos pela frente. Fazer da TV um veículo de comunicação que vai se interiorizar. A gente quer servir de canal de expressão dessa produção cultural do estado. Não se limitar à região metropolitana. Então, esse vai ser mais um desafio que temos pela frente.

Quando o Pernambucano vai poder perceber que a EPC está funcionando?

G.B. – Nós estamos nos dando esse prazo de no fim do ano as pessoas pelo menos poderem ligar o canal correspondente da sua cidade e dizer “Pô, tá bacana. É algo novo que tá surgindo”

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Bruno Marinoni, do Observatório do Direito à Comunicação