Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Reflexões sobre a formação do jornalista

No livro Formação de jornalistas – Elementos para uma pedagogia de ensino do interesse público, publicado pela Editora Annablume, o professor Enio Moraes Júnior buscou refletir e propor parâmetros para um modelo pedagógico de ensino do interesse público na formação dos profissionais de jornalismo.

A pesquisa, que é resultado do doutorado em Ciências da Comunicação obtido em 2011 na Escola de Comunicações e Artes da (ECA) da USP, tem como universo entrevistas com professores de Jornalismo de quatro instituições brasileiras e portuguesas, bem como a análise da estrutura curricular dos cursos de Jornalismo nos dois países. As instituições pesquisadas no Brasil foram a Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, e a Universidade Federal de Sergipe. Em Portugal, a pesquisa foi feita nas Universidades do Minho e Nova de Lisboa. Entre os entrevistados está o educador português João Formosinho, professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade do Minho, um dos principais defensores de uma formação ética que priorize as relações humanas, em contraponto ao modelo de “educação de massa”, que, no entender do educador, atualmente é adotado pelas instituições de ensino superior.

Enio Moraes Júnior é jornalista formado pela Universidade Federal de Alagoas e, atualmente, leciona no curso de Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo.

O que o motivou a fazer a pesquisa?

Enio Moraes Júnior – A ideia de pesquisar formação de jornalistas nasceu de uma necessidade colocada pela minha própria carreira, como professor de jornalismo. Como acontece com a maior parte de nós, que somos professores de jornalismo no Brasil, geralmente partimos para a sala de aula com conhecimentos do que é jornalismo, seja do ponto de vista teórico ou prático, mas quase sem conhecimentos na área de educação. Por conta disso, em um determinado ponto da minha carreira, senti necessidade de entender melhor essa área para melhorar minha prática docente e, na medida do possível, socializar isso. Por sua vez, a ideia de encontrar o lugar da cidadania e do interesse público nessa formação veio por conta de uma noção muito clara que eu sempre tive na minha formação e prática como jornalista: a de que é o interesse público, o interesse do cidadão, que deve nortear o trabalho da imprensa.

Quais as principais conclusões da pesquisa junto às instituições pesquisadas?

E.M.J. – Ao todo foram entrevistados professores de quatro instituições de ensino de jornalismo: duas no Brasil, a Faculdade Cásper Líbero e a Universidade Federal de Sergipe, e duas em Portugal, a Universidade do Minho e a Universidade Nova de Lisboa. Como eu digo na conclusão da pesquisa, que eu prefiro chamar de “considerações finais”, porque é um resultado que ainda dá margem a muitas outras pesquisas, a grande contribuição da tese que agora vira livro é sistematizar alguns elementos sobre o ensino do jornalismo.

Quais são esses elementos?

E.M.J. – Eu destacaria, em primeiro lugar, a necessidade de valorizar os conhecimentos vindos das ciências sociais e humanas, interdisciplinarizando-os, de forma clara, na própria prática laboratorial. Eu destacaria também algo que é relativamente recente: a necessidade de estimular no aluno de jornalismo uma convivência mais produtiva e mais ética com as mídias sociais, que hoje são um importante canal de informação para o cidadão. Mas há também alguns aspectos que apareceram e que, pelo que eu percebo, os professores de jornalismo prestam pouca atenção. Nesse sentido, eu destacaria a importância da dimensão relacional da formação do jornalista. Ou seja: não são apenas nos conteúdos passados para o aluno que reside o ensino do jornalismo. A própria maneira como o professor lida com esse estudante, em sala de aula, é um importante elemento formativo. Esse é um canal por meio do qual o aluno assimila o respeito pelo outro, a capacidade de discutir uma pauta ou ouvir um entrevistado, por exemplo. Além disso, no caso daqueles docentes que estão no “batente” da profissão, o seu próprio posicionamento nesse espaço profissional é também um aspecto relevante e que termina por influenciar o estudante. Sua conduta ética pode se tornar, para esse aluno, uma inspiração, uma porta para um aprendizado acerca da responsabilidade social da profissão.

De maneira geral, como os cursos de jornalismo contribuem para a formação cidadã e voltada para o interesse público?

E.M.J. – A ideia do interesse público e da cidadania está presente no próprio documento que norteia a formação dos nossos jornalistas: as Diretrizes Curriculares. Sendo assim, penso que de maneira geral os cursos valorizam, sim, essa formação. Sempre me incomodou muito uma tendência a se falar de formação do jornalista a serviço do mercado como uma oposição à formação a serviço do cidadão, como se essas duas instâncias fossem excludentes uma em relação à outra. E o que eu percebi também neste estudo é que elas são complementares e igualmente importantes na sociedade que temos hoje.

Qual é o principal diferencial das instituições de ensino de jornalismo no Brasil e em Portugal?

E.M.J. – Eu não percebo muitas diferenças. Entretanto, o que mais chamou minha atenção é a forma como os portugueses estão se relacionando, hoje, com o Tratado de Bolonha, que unifica o ensino superior em grande parte dos países da Europa. Eles estão altamente críticos, sobretudo, à redução da duração dos cursos superiores de quatro para três anos. No Brasil, nosso ciclo ainda dura quatro anos, mas os conteúdos das formações são muito próximos. A diferença entre lá e cá, e isso é muito claro na Universidade do Minho, é que os portugueses foram estimulados a aglutinar teoria com prática desde os primeiros anos do curso. Aqui no Brasil ainda há uma tendência – embora eu ache que já muito questionada – a uma teorização seguida da prática.

Qual a principal proposta da pesquisa?

E.M.J. – A ideia da pesquisa é estimular jornalistas, professores e estudantes da área a debater e qualificar a formação profissional. Eu acho que nós precisamos, no Brasil e em alguns países que habilitam jornalistas, seja em cursos superiores ou em pós-graduações, estar atentos a essa questão. Temos muitos nomes, como José Coelho Sobrinho, que foi meu orientador de mestrado e doutorado na USP, pensando e formando gente interessada em discutir formação de jornalistas. Há também muitos espaços, como fóruns de professores e congressos de jornalistas envolvidos com isso. A ideia da pesquisa é exatamente fomentar essa discussão no sentido de qualificar a formação dos nossos jornalistas. Eu acho que, quanto mais séria e qualificada for a imprensa de um lugar, melhor para os cidadãos e para a cidadania. E isso passa diretamente, em minha opinião, pela qualidade da formação que nós estamos dando aos nossos jornalistas.

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Beatriz Trezzi Vieira, especial para o Jornal da USP