Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa comportada

Uma bebida refrescante de alto consumo, vendida como produto saudável, passa a contaminar quem a utiliza. Gravemente? Não se sabe: a Unilever, produtora da AdeS, diz que o produto contaminante continha soda cáustica, mas não dá detalhes sobre os danos que causou à saúde dos consumidores. E a imprensa? A imprensa é muito, muito boazinha: apesar da gravidade dos fatos, limita-se a acompanhar as informações (pouquíssimas, racionadíssimas) dos fabricantes.

A história se tornou conhecida quando a Unilever promoveu um recall do AdeS sabor maçã, lote AGB 25. A empresa fala em 96 unidades, distribuídas em São Paulo, Rio e Paraná. A coisa começa a ficar estranha: um lote com apenas 96 unidades? Menos de cem unidades distribuídas para três estados? Dizem os fabricantes que houve 14 reclamações, das quais 12 foram já atendidas. Uma bebida contendo soda cáustica só mobilizou 14 consumidores? Estarão eles hospitalizados? Que quer dizer “estão recebendo atenção médica adequada”? Se é adequada, por que tanto segredo? Estarão os fabricantes pagando as despesas? Soda cáustica é altamente corrosiva e venenosa. Depois do período de hospitalização como serão tratados os consumidores do AdeS contaminado?

Jornais e revistas não chegaram a silenciar, mas também não perguntaram nada. A empresa falou e o caso se encerrou. Acontece que a empresa também não falou nada de importante: o excelente portal de negócios Giro Newsprocurou a Unilever, que não quis prestar qualquer esclarecimento.

O Giro News (jornalista, quando é bom, é chato mesmo) procurou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para saber se haveria providências. Claro, claro: a assessoria de imprensa pediu que as informações fossem solicitadas por e-mail. Enquanto os repórteres redigiam o e-mail, o pessoal da Anvisa caiu fora. Desapareceu. Evaporou-se. Sumiu. Pirulitou-se. Virou fumaça. E não sobrou ninguém do governo para dar uma resposta.

O restante da imprensa tratou o caso com um recall simples – algo como o aperto deficiente de um parafuso no distintivo da marca do carro. E esqueceu que se trata de um caso de saúde ou doença, e em último caso de vida ou morte.

A propósito, este colunista não consegue entender como puseram desinfetante numa caixa de tetrapak. Deve haver no caso uma cadeia de incompetências que alguns bons repórteres se deliciariam em descrever.

 

Os defensores atacam

Este colunista recebe, à média de dez por dia, e-mails assinados por pessoas e entidades diversas querendo empurrar-lhe presentes que não deseja, desde que concorde em fazer uma assinatura da revista do Proteste, entidade que se proclama de defesa do consumidor. A entidade é coordenada por uma profissional respeitada, a professora Maria Inês Dolci; mas o pessoal de vendas e empurração certamente não é o que se espera para defender o consumidor.

Este colunista já pediu descadastramento naqueles links inúteis, já telefonou para o Rio de Janeiro, onde iriam estar providenciando para que não estivesse mais recebendo os e-mails indesejados, já escreveu três vezes para a professora Dolci – pessoa que merece o maior respeito e que prometeu reclamar lá dentro da postura da entidade. Deve tê-lo feito; mas o lixo eletrônico continua a saturar a caixa de entrada como se nada tivesse acontecido.

Há outras empresas que agem da mesma maneira antiprofissional, como Walmart, Dafiti, Ponto Frio, acreditando que vão vender pela insistência. Não, não vão. Mas destes pelo menos não se espera nada. Já uma entidade que se diz de defesa do consumidor, como pode adotar esse tipo de postura?

Este colunista não quer ganhar presentes. Nem ficaria bem se os aceitasse. Se achar que a revista vale a pena, é possível até assiná-la. Mas não deve valer a pena, tanto que acham necessário empurrar badulaques para forçar a venda.

De que tratará essa revistinha que não consegue fazer com que alguém se interesse por seu conteúdo?

 

Adivinhe djá

Numa reunião fechada, com as cédulas incineradas após cada votação, sendo os participantes pessoas cultas, informadas, de grande habilidade política, prever o resultado de uma eleição é dificílimo. E, no entanto, até os repórteres de Chelm, na Polônia (a cidade terá ainda este nome?), tinham sua lista de papabili. E sua lista era tão boa quanto a dos mais conhecidos vaticanólogos: o índice de acerto foi o mesmo, zero.

Os vaticanólogos mais consistentes procuraram, mais do que listar os favoritos, buscar as características que, a seu ver, os cardeais procurariam no novo papa. Mas a adivinhação rolou solta. E ninguém, rigorosamente ninguém, sequer citou o nome do cardeal Bergoglio. Isto não seria um problema, porque acertar é só no chute. Mas não fica bem fazer listas como se fossem para valer.

 

A fúria cafajeste

Bergoglio foi eleito, vieram as piadas de praxe sobre o argentino que aceitou ser rebaixado de Deus a papa, sobre a dupla Chico e Bento, tudo bem. Mas este colunista continua impressionado com a violência dos textos nas redes sociais. Com base num livro de um jornalista, Horacio Verbitsky, ex-montonero ligado à presidente Cristina Kirchner, o papa foi acusado de colaborar com a ditadura militar argentina. Verbitsky ataca, mas usa adjetivos em vez de substantivos.

Não era verdade: o militante esquerdista Adolfo Perez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, que acompanhou a carreira do cardeal, desmentiu que tenha havido esta colaboração (não foi o único: outro esquerdista que o conheceu e acompanhou, o ex-frade brasileiro Leonardo Boff, confirma a falsidade das acusações. E um dos cardeais mais próximos de Bergoglio é um brasileiro totalmente insuspeito: d. Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, que se colocou entre os sindicalistas de São Bernardo, liderados por Lula, e a polícia, protegendo-os do confronto desigual).

Para este colunista, judeu, as posições do papa Francisco a respeito de temas referentes à fé católica não importam, desde que não sejam impostas a quem não quiser aceitá-las. Os católicos que não concordarem com as posições do papa que façam o que lhes parecer melhor, obedecê-las disciplinadamente ou não.

O que importa, para este colunista, é manter a discussão, tanto em redes sociais como em imprensa, dentro de parâmetros aceitáveis de civilidade, que permitam a troca de ideias e o enriquecimento mútuo pelo conhecimento do que pensam os outros. E lembrar que jornalistas católicos não deixam nunca de ser jornalistas. Aquele locutor que, eufórico, bradava na TV que o papa “escolhido por Deus” apareceria dentro de instantes, como jornalista não se comportava.

 

Bela leitura

Um grande livro está na praça: Ah!: Atestado de Óbito do JT e Outras Histórias do Jornalismo, de Vital Battaglia, que trabalhou no Jornal da Tarde por 40 anos e lá ganhou uma dezena de Prêmios Esso. São 99 histórias engraçadas, bem escritas, de leitura fluente, rapidíssima e extremamente agradável. Este colunista não pôde ir ao lançamento (foi uma pena!; lá estariam excelentes colegas e, com certeza, o mestre Mário Marinho), mas comprou o livro na primeira oportunidade e o leu de uma só vez. É o tipo de livro que, uma vez começado, não dá pra largar.

 

Má notícia

O pai praticamente criou o jornalismo automobilístico no país. Um dos filhos foi duas vezes campeão mundial de Fórmula 1 e ainda ganhou as 500 Milhas de Indianapolis. Outro filho criou a primeira equipe brasileira de Fórmula 1, a Copersucar. Todos passaram a vida mergulhados no automobilismo de competição. Antes de correr, Wilsinho tinha uma oficina, onde era conhecido como Tigrão; seu irmão Emerson, o Rato, fazia volantes esportivos, daqueles pequenininhos, para carros de passeio.

São os Fittipaldi, claro. E o Barão – Wilson Fittipaldi, jornalista apaixonado por rádio, jornalista apaixonado por automobilismo. Seu trabalho é conhecido. Mas não se pode esquecer o que fazia por trás dos bastidores. Quando seus colegas estavam trabalhando, direto nos microfones, tinha o hábito de baixar calça e cueca e mostrar-lhes o traseiro. Ou de contar piadas logo antes do horário da locução. Era preciso ser forte para trabalhar com o Barão – e todos gostavam.

Há dias, Wilson Fittipaldi morreu sem realizar seu último sonho: ver netos e bisnetos campeões mundiais de automobilismo. Mas os garotos chegam lá, Barão!

 

O bom cinema brasileiro

Há 60 anos, em 1953, o cinema brasileiro se transformou em indústria e começou a conquistar o mundo: Lima Barreto lançou, pela Cia. Cinematográfica Vera Cruz, O Cangaceiro, inspirado na vida de Lampião, com Milton Ribeiro e Vanja Orico, um sucesso internacional. Foi sucesso como filme (ganhou dois prêmios no Festival Internacional de Cannes, o mais importante do mundo, numa época em que o Oscar só aceitava filmes americanos: Melhor Filme de Aventuras e Melhor Trilha Sonora – esta, elaborada pelo maestro Gabriel Migliori); foi sucesso como música ( Muié Rendera, de Luiz Gonzaga, e Sodade, meu bem, sodade, de Nazaré Pereira, ambos com Vanja Orico e os Demônios da Garoa); foi sucesso com sua grande estrela, Vanja Orico, que filmaria na Europa – e com Lucchino Visconti.

Diálogos? Rachel de Queiroz, a grande escritora, primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, primeira mulher a receber o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa. Música, maestro Gabriel Migliori. Distribuição, Columbia Pictures. Cinco anos em cartaz na França.

Final da história? Lima Barreto morreu pobre, embora temido (em suas entrevistas, tinha o feio hábito de falar o que pensava). Milton Ribeiro fez tamanho sucesso que só conseguiu, a partir daí, papéis de cangaceiro. O coração, frágil, o matou cedo. Rachel de Queiroz, no auge da fama, morreria no mesmo desastre de avião que matou o ex-presidente Castello Branco.

Os 60 anos do filme foram esquecidos – exceto pelo notável jornalista Maurício Kus, que conhece tudo de cinema e forneceu a maior parte das informações que aqui estão. Imprensa? E quem é o veículo de comunicação que se lembra de um filme nacional que fez sucesso no mundo inteiro e se encheu de prêmios?

Vanja Orico voltaria a projetar-se em 1968. Na passeata que se realizou no Rio, no enterro do estudante Edson Luiz, morto pela repressão política, a polícia de choque entrou no caminho dos milhares de jovens, e ameaçou dissolver a manifestação por bem ou a bala. Vanja Orico, quase 60 anos de idade, ajoelhou-se entre os policiais e os manifestantes, lenço branco na mão, e lançou seu grito: “Não atirem, somos todos brasileiros!”

Foi presa. Mas quantas vidas não terá salvo?

Ouça, com Vanja Orico, Muié Rendera e Sodade, meu bem, sodade.

 

Mais veloz

Alguém, entre os caros colegas, fica com vários computadores ligados, acompanhando-os simultaneamente, para apurar quem é que põe no ar determinada notícia alguns segundos antes dos outros?

Este colunista não conhece ninguém. Mas tem gente que briga pelos segundos. E acabam acontecendo algumas coisas interessantes. Como esta, no noticiário online de um grande jornal:

** “URGENTE: Mizael é condenado pela morte de Eliza Samudio”.

Três minutos depois, a correção:

** “Pessoal, desculpem pelo erro. Mizael foi condenado pela morte de Mércia Nakashima”.

 

Como…

De um grande jornal impresso, de circulação nacional, a respeito da eliminação de alguns impostos da cesta básica:

** “Mas, quando a proposta chegou à presidente, ela vetou o autógrafo de lei”.

Talvez seja “parágrafo”.

 

…é…

De um grande portal noticioso, ligado a um importante jornal:

** “Motorista que atropelou ciclista na Avenida Paulista é indiciado por homicídio e permanecerá preso”

Seria um título interessante se o ciclista tivesse sido morto. Mas, felizmente, não foi. Como então indiciar por homicídio o motorista que o atropelou?

 

…mesmo?

Do portal de um jornal regional importante, noticiando a fumaça branca:

** “O papa saiu da chaminé”

Pois é.

 

As não notícias

Há maneiras notáveis de escrever uma notícia fingindo que não se acredita nela (e, pelo jeito como é redigida, talvez seja mais prudente não acreditar mesmo).

1.O goleiro do Palmeiras, Fernando Prass, foi alvejado com uma xícara por torcedores mal educados, ensandecidos com o desempenho insatisfatório do time. Assim saiu a notícia (e em portal noticioso de jornal importante):

** “Na confusão, Fernando Prass foi atingido supostamente por uma xícara arremessada pelos torcedores e sofreu um corte na cabeça”.

Incrível: foi supostamente atingido e sofreu de verdade um corte na cabeça.

2.O playboy atropelou o ciclista, arrancando-lhe o braço. “E – diz um grande portal noticioso – ele teria jogado o membro no córrego da rua Ricardo Jafet, na Zona Sul da cidade”.

O atropelador se apresenta à polícia, informa que jogou o braço no córrego, mostra o local do lançamento – e mesmo assim “teria jogado”?

A propósito, a rua Ricardo Jafet não é rua, é avenida Ricardo Jafet. O córrego da avenida Ricardo Jafet tem nome: é o Riacho do Ipiranga, aquele em cujas margens o príncipe D. Pedro deu um grito famoso – mas será que o estagiário sabe qual foi o famoso grito ouvido pelas margens plácidas do Ipiranga?

 

E eu com isso?

Mas chega de virundum, chega de nome errado da vítima, chega de briga pela ideologia do papa (que, imagina este colunista, seja baseada na visão de mundo da Igreja Católica Apostólica Romana, que se proclama a guardiã dos ensinamentos de Jesus). Há assuntos menos controversos, que despertam menos ódios e são mais palatáveis – pelo menos há muito mais gente discutindo novelas do que política.

** “Demi Lovato corta os cabelos”

** “Adriana Esteves usa decote em premiação”

** “Kevin Jonas namora em piscina de hotel no Rio”

** “Irmã de Babi Rossi termina namoro com primo de Olin Batista”

** “Karlie Kloss vai a evento da Victoria Secret”

** “Grávida, Guilhermina Guinle almoça em restaurante no Rio”

** “Candice Swanepoel exibe a boa forma em dia de academia”

** “Gaivota abre o bico diante da Basílica de São Pedro, no Vaticano”

** “De biquíni, Paloma Bernardi grava no Rio”

** “Mulher de David Bowie insinua que ele fará turnê de novo disco”

** “Usar bolinhas na decoração do casamento dá toque retro”

** “Bruna Lombardi prestigia espetáculo teatral em SP”

** “Kim Kardashian é advertida por policial em rua da Califórnia”

** “Policial é rebaixada de posição nos EUA após postar fotos nuas na web”

** “Ronaldo faz declaração de amor à namorada: ‘Te amo’”

 

O grande título

Nesta semana, há dois grandes títulos. Um é daqueles que passam pela impossibilidade:

** “Mulher grávida não contou ao filho que pai está preso na Bolívia”

Ainda bem: o feto certamente não entenderia nada. Talvez nem a ouvisse.

E o outro é absoluto, invencível:

** “Pau-da-missa, em Paranapiacaba, é podado”

Deixe de lado os maus pensamentos, caro colega. Trata-se de um eucalipto, nada mais do que isso. E em seu tronco são fixados os avisos aos frequentadores da igreja, daí o nome.

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Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados Comunicação