Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Partidos chegam a acordo sobre novo sistema de regulação

Após meses de discussões e rixas, legisladores britânicos afirmaram, na segunda-feira [18/3], que os três principais partidos políticos do país chegaram a um acordo para estabelecer novas medidas de regulação da imprensa. O tema é debatido desde o fim do inquérito liderado pelo juiz Brian Leveson, que teve início em 2011 logo após o escândalo dos grampos telefônicos ilegais que levou ao fechamento do tabloide News of the World.

Com o objetivo de avaliar os padrões de qualidade da imprensa britânica, famosa pelo sensacionalismo, e buscar soluções para o falido sistema de fiscalização, o inquérito foi encomendado pelo primeiro-ministro, David Cameron. Depois de uma análise do relatório final, no entanto, o governo não pareceu gostar tanto assim do resultado.

O juiz Leveson recomendou, no documento divulgado em novembro passado, a criação de um órgão de autorregulação que funcione com base em um estatuto. Esta entidade atuaria de maneira independente dos veículos jornalísticos e contaria com a participação de pessoas de fora da imprensa, sendo responsável pela fiscalização de eventuais abusos.

Depois de dois meses de análise do relatório, a ministra da Cultura, Maria Miller, rebateu que o governo não quer a criação de uma “lei de imprensa”. O Partido Conservador, de Cameron, propôs, em fevereiro, a criação de um novo órgão de fiscalização a ser guiado por uma Carta Real – documento emitido pela monarquia que permite a criação e atuação do órgão – e sem estatuto. Membros do Parlamento que defendiam a implantação das recomendações do relatório Leveson alegaram que o primeiro-ministro estaria sofrendo pressões da indústria jornalística. E, na semana passada, representantes de diferentes partidos tentavam, sem muito sucesso, chegar a uma conclusão sobre a melhor forma de lidar com a questão.

Membros dos partidos Trabalhista e Liberal Democrata, além de alguns deputados conservadores, eram favoráveis à implantação de um estatuto que protegesse vítimas de abusos cometidos pela mídia, enquanto a maioria do Partido Conservador acreditava que uma lei de imprensa minaria a liberdade dos veículos jornalísticos.

Sem lei, mas com cláusula

O anúncio de acordo no início desta semana é algo significativo. Harriet Harman, vice-líder do Partido Trabalhista, afirmou que os partidos concordaram com a adoção de uma nova Carta Real, apoiada por uma cláusula que diz que ela “não pode ser adulterada pelos ministros” e pode apenas ser modificada pela maioria de dois terços nas duas Câmaras do Parlamento.

Cameron insistiu que a redação da Carta deixasse claro que não se trata de uma legislação para governar a imprensa. “Não é baseada em estatuto”, ressaltou o primeiro-ministro. “Trata-se simplesmente de uma cláusula que diz que políticos não podem mexer [com a Carta], então a afasta deles, o que é, eu acho, um passo sensato”. Ed Miliband, líder do Partido Trabalhista, afirmou que a imprensa livre não tem nada a temer do que foi acordado pelos partidos.

O novo sistema regulatório dará poder a um órgão fiscalizador que aplicará multas de até 1 milhão de libras, obrigará jornais a publicar correções com destaque e tomará outras medidas para proteger a privacidade dos cidadãos.

Vítimas da imprensa livre

A pressão por um novo sistema era liderada pelo grupo Hacked Off, em defesa da privacidade, apoiado pelo ator Hugh Grant e por pais de crianças cujos desaparecimentos viraram manchete e alvo de perseguição de tabloides sensacionalistas. O caso que mais chamou atenção para o problema foi o da adolescente Milly Dowler, que teve suas mensagens de celular hackeadas pelo News of the World depois de seu desaparecimento, em 2002. Como detetives contratados pelo jornal chegaram a apagar mensagens do telefone de Milly, policiais que investigavam o desaparecimento acreditavam que a menina estivesse viva. Meses depois, Milly foi encontrada morta. Foi este caso que levou ao fechamento do tabloide, em julho de 2011.

Desde então, descobriu-se a existência de milhares de potenciais vítimas de grampos telefônicos. O escândalo levou a processos e investigações criminais, além do inquérito Leveson, que ouviu vítimas da invasão da imprensa, como os pais da menina Madeleine McCann, desaparecida em 2007, celebridades, políticos e jornalistas. Repórteres e editores do News of the World e do Sun foram detidos para interrogatório, e a história custou centenas de milhões de dólares à News Corp, empresa do magnata Rupert Murdoch, que publicava os dois tabloides.

Esta semana, Hugh Tomlinson, um advogado que representa vítimas dos grampos, afirmou à Suprema Corte, sem entrar em detalhes, que investigadores britânicos teriam descoberto mais uma conspiração afetando centenas de novas vítimas. Até agora, mais de cem repórteres, editores, executivos, policiais e funcionários públicos foram ligados a delitos como interceptação de ligações para a obtenção de informações e casos de suborno.

Muitos jornais criticam a ideia de um aumento do controle sobre a atuação da imprensa, defendendo o sistema atual de autorregulação coordenado pela hoje desacreditada Comissão de Queixas da Imprensa (Press Complaints Commission). Na segunda-feira, o Sun publicou em sua primeira página uma fotografia de Winston Churchill com uma citação que diz que uma imprensa livre é “o mais perigoso inimigo da tirania”.

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