Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O cinema entre a morte da aura e a serialidade da TV

“Nada se cria, tudo se copia”, já dizia o grande animador de TV Chacrinha. Talvez esta seja a característica mais marcante da sociedade capitalista, em que o dinheiro movimenta o mundo e muitas vezes, acaba com o que ele tem de melhor. Pensando a respeito do cinema na atualidade, vê-se claramente as super produções cinematográficas que substituem a qualidade, a nível de conteúdo e estética, pela quantidade. Percebe-se o “mal” ocasionado ao mundo cinematográfico com a junção da tecnologia (e dos seus avanços) a arte, certamente o problema não é da tecnologia, mas do uso que se faz dela, o que já foi previsto por Adorno e Horkheimer ao desenvolverem a crítica a indústria cultural. De acordo com esses teóricos os bens culturais seguiam impregnados de uma racionalidade técnica proveniente de esquemas rígidos da indústria cultural, caracterizada principalmente pela serialização e padronização dos bens culturais. Baseado nisso e na expressão atual do cinema é possível afirmar firmemente que o mundo do cinema atual visa um único objetivo, o lucro. Perdeu-se o brilho e a aura e conquistou-se o espetáculo.

Do cinema mudo ao cinema sonoro, dos filmes preto e branco aos filmes coloridos, a idealização do mundo, ao romantismo exacerbado e mais ainda, as ditaduras impostas, tais quais a ditadura da beleza, que vem sempre maquiada pelos efeitos especiais e pelas lindas histórias de bandidos e mocinhas em que, logo no início do filme o telespectador é capaz de prever, com certeza, o final. Durante a década de 60 e 70, o Brasil, em especial, enfrentou um período interessante e sem dúvida marcante na história do cinema. Nesse período surgiu o cinema novo, que driblava a censura e levava o homem a refletir e a sonhar com a liberdade. O cinema tinha papel importante na sociedade por dialogar com a realidade política e econômica do país e por cumprir a função digna de mostrar o homem ao homem, ideal defendido por Glauber Rocha, que rompia com a estética da produção capitalista e seguindo o mesmo padrão do cineasta francês Godard, se opunha ao cinema hollywoodiano.

Instrumento de tolo

Ao falar sobre cinematografia, Godard argumenta que “um filme deve ter início, meio e fim, mas não necessariamente nessa ordem”. Glauber dizia que “a arte é a dimensão anárquica da matéria onírica”. E seguindo estes ideais ambos contribuíram significativamente para o desenvolvimento da linguagem e da estética cinematográfica mundial. Ambos brincavam com o proibido sem ferir o pudor humano e brilhantemente levavam o telespectador a desenvolver e exercer um senso crítico a respeito da sua realidade e da sua inserção no contexto social, sem necessariamente seguir a cronologia cinematográfica de início, meio e fim e inventando particularidades as suas produções que despertava e estabelecia o valor de culto e admiração as suas obras e que acima de tudo carregava e cumpria o objetivo de levar o telespectador a reflexão e a liberdade, principalmente a liberdade de expressão.

É fato que o cinema hoje difere muito do cinema de Glauber, Godard e de tantos outros nomes que com originalidade atribuíram originalidade e brilho as suas obras. Contudo, pensar nas transformações estéticas da cinematografia e na perda da aura nos permite um importante e até mesmo um dialético questionamento: como falar de morte da aura diante do sucesso das produções hollywoodianas, por exemplo, que abarca milhões de espectadores para as salas de cinema e a cada nova produção alcança um sucesso ainda maior? Como explicar o sucesso de Missão Impossível? CSI? E tantas outras histórias que apesar das repetições tem sucesso de audiência garantido? E mais ainda, como muitas dessas séries recebem importantes premiações internacionais?

Em A inovação do seriado, Eco defende que até mesmo dos seriados pode surgir algo novo. Na verdade, acredito que não se trata da criação de algo novo, mas da atribuição de novas características aquilo que já existe, ou seja, a possibilidade de contar a mesma história de maneira diferente. Também não podemos deixar de lado a influência norte-americana sobre a nossa sociedade e menos ainda esquecer que a maioria dessas produções de sucesso vem de Hollywood e que pela própria cultura ocidental, que tem os Estados Unidos como exemplo e suas produções como emblemas de sonhos, fantasias e porque não falar brilhantismo, a crítica se torna apenas um instrumento de tolo na opinião de muitos telespectadores, que vão ao cinema por mera diversão e para conhecer as técnicas possibilitadas pela tecnologia e para contemplar o mundo de irrealidades e fantasias do cinema atual, que aliena e ilude o telespectador.

Referências

ECO, Umberto, 1932. Sobre os espelhos e outros ensaios; tradução de Beatriz Borges. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica.

ADORNO, Theodor W. A indústria cultural. São Paulo: Ática, 1986.

http://www.pacc.ufrj.br/z/ano5/1/z_claudio.php, em 18 de novembro de 2012

http://www.ipv.pt/forumedia/5/15.htm, em 18 de novembro de 2012

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Graziele Sousa das Mercês é relações públicas (Salvador, BA)