Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Presidente Lula é recebido com
elogios pela mídia da Inglaterra


Leia abaixo os textos de terça-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


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O Globo


Terça-feira, 7 de março de 2006


LULA NA INGLATERRA
Fernando Duarte e Luiza Damé


Inglaterra recebe Lula com afagos na imprensa


‘LONDRES e BRASÍLIA. Não é como em 2003, quando sua visita ao Reino Unido foi embalada pela então recente e histórica chegada de um candidato oriundo das classes populares ao poder da quarta maior democracia do mundo. Mas a crise política parece ter causado poucos danos à imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo menos junto a alguns dos principais órgãos de imprensa do país. Lula, que desembarcou no fim da noite de ontem em Londres, inicia hoje visita oficial de três dias sob afagos de jornais de diferentes vertentes políticas.


Semana passada, o presidente havia sido bastante elogiado pela revista ‘Economist’. Ontem, três dos principais jornais britânicos (‘Financial Times’, ‘Independent’ e ‘Times’) publicaram reportagens ou editoriais anunciando a visita. Embora não tenham se furtado a mencionar os escândalos e os momentos difíceis vividos pelo presidente há bem pouco tempo, os jornais não hesitaram em dizer que o pior parece ter passado para Lula, e ainda elogiaram sua política econômica e social.


‘Times’ fala em fuga do populismo preguiçoso


O conservador ‘Times’ publicou editorial em que classificou de louvável a recuperação de Lula num ambiente político tão volátil como o brasileiro. E aplaudiu o que chamou de sua fuga do populismo preguiçoso que, segundo o jornal, é marca registrada de dois outros líderes de esquerda na América do Sul, o venezuelano Hugo Chávez e o boliviano Evo Morales.


Já o ‘Independent’, em reportagem intitulada ‘O menino do Brasil está de volta’, menciona o recente regime de Lula e sua abstinência do álcool e, embora reclame do que chama de contradições na política em relação à Amazônia, considera que as mudança gerais implementadas pelo presidente são genuínas.


Ao mesmo tempo que voltou a ressaltar que os juros estão altos no Brasil e que o ritmo de crescimento econômico está abaixo de seu potencial, o ‘Financial Times’ disse considerar a recuperação política de Lula um milagre tão grande quanto sua trajetória política.


Pelo menos por enquanto, o programa oficial de Lula começa e termina com a rainha Elizabeth II, que o receberá de manhã na sede do Regimento Real de Cavalaria e à noite lhe oferecerá um banquete.


A busca pelo apoio de Tony Blair


Lula viajou disposto a conquistar o apoio do primeiro-ministro Tony Blair para a causa dos países pobres. Ontem, em seu programa de rádio, afirmou que vai insistir na necessidade de redução dos subsídios agrícolas para beneficiar os países subdesenvolvidos de forma que daqui a 30 anos eles não estejam ainda mais pobres.


O presidente aproveitará o encontro com Blair, marcado para quinta-feira, para tratar do biodiesel. Para Lula, a Inglaterra pode fazer parceria com o Brasil nessa área. Lula também se reunirá com ministros, políticos e empresários britânicos.’


PUBLICIDADE
Patricia Eloy


Suspensa propaganda de empréstimo


‘A Comissão de Defesa do Consumidor da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) conseguiu uma liminar na 3 Vara Federal do Rio de Janeiro que suspende a propaganda de 15 instituições de crédito consignado para aposentados. A medida vale para campanhas veiculadas em todo o país. As empresas têm dez dias, a partir da notificação, para fazer a suspensão ou estarão sujeitas a multa de R$ 50 mil por inserção publicitária. As peças só poderão voltar a ser exibidas quando informarem claramente os custos do empréstimo.


Segundo a deputada Cidinha Campos, presidente da comissão e responsável pelo pedido de liminar, os bancos desrespeitam o consumidor ao informar apenas vantagens na contratação das linhas de crédito, informando somente as taxas mais baixas cobradas, ‘levando o cliente a acreditar que é um dinheiro fácil e barato’.


– O comportamento das instituições é abusivo. Pessoas estão sendo lesadas, pois não sabem que, além dos valores anunciados, para ter acesso ao empréstimo, é preciso pagar uma taxa de abertura de crédito, que nem sempre é baixa. – diz a deputada.


Empresas terão que modificar folhetos nas agências


A liminar determina ainda que as instituições terão 30 dias para fornecer aos consumidores folhetos e anúncios claros e abrangentes nas agências, com detalhes da operação. E que deverão colocar funcionários especializados no atendimento a aposentados e pensionistas.


A liminar inclui as principais instituições que atuam no segmento de crédito consignado. São elas: Banco Cacique, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Unibanco, Losango, Banco BMG, Banco Cruzeiro do Sul, Banco BGN, Paraná Banco, Banco BVA, Banco Rural, Banco Alfa, Banco Sudameris, Banco Panamericano e Banco Pine.


A Caixa informou que ‘presta informações detalhadas sobre o empréstimo aos interessados antes da operação’ e que ainda não foi notificada, mas ‘tão logo isso ocorra, sem prejuízo do cumprimento da ordem judicial, adotará as medidas judiciais que entender cabíveis para a defesa de seus interesses’.


O Unibanco também disse que ainda não foi notificado, mas cumprirá toda e qualquer decisão judicial. Já a Losango informou que só se manifestará quando for notificada formalmente, o que ainda não ocorreu. O BB não se pronunciou. Nenhum representante das demais instituições foi localizado.


Em julho do ano passado, O GLOBO publicou matéria denunciando que as taxas cobradas por oito bancos e financeiras a aposentados era de até o triplo da informada. Após a publicação, o Ministério Público Estadual convocou as instituições citadas para que assinassem um termo de ajustamento de conduta, para aumentarem a transparência nas informações prestadas.’


CHINA
Rodrigo Fonseca


Governo chinês proíbe TV de divulgar a vitória do diretor Ang Lee no Oscar


‘Chinês algum vai comemorar a conquista do Oscar de melhor diretor pelo taiwanês Ang Lee, de 51 anos, no que depender das autoridades que legislam sobre a TV na China. Vetado de alcançar um espaço nas 1.300 telas do país, por decisão governamental, ‘O segredo de Brokeback Mountain’ agora será assunto proscrito também na programação da Televisão Central da China (CCTV). A diretoria do canal justificou a proibição alegando que ‘a sociedade chinesa não está preparada para lidar com o tema do filme’, referindo-se ao homossexualismo.


Mesmo o canal CCTV-6, que transmitiu a cerimônia de entrega do Oscar ao vivo, não apresentou nenhuma imagem do filme de Lee. Só o site em mandarim da emissora trouxe como manchete a premiação do cineasta.


Nos últimos meses, além de ‘Brokeback Mountain’, a China também proibiu a exibição da superprodução ‘Memórias de uma gueixa’. O filme de Rob Marshall, estrelado por Zhang Ziyi, ganhou anteontem os Oscars de fotografia, figurino e direção de arte.’


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Folha de S. Paulo


Terça-feira, 7 de março de 2006


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Mr. da Silva


‘Na escalada do ‘Jornal da Band’:


– Ingleses decoram ruas de Londres para receber Lula.


E os jornais vão pelo mesmo caminho. Como noticiou a BBC Brasil logo de manhã e ecoou na cobertura eletrônica, da Folha Online à rádio Jovem Pan, eles seguem a revista ‘Economist’ no louvor a Lula. Dois já deram editoriais.


O conservador ‘Times’, do empresário Rupert Murdoch, saudou até mesmo o ‘pioneiro programa antipobreza, o Bolsa-Família, dado como exemplar pelo Banco Mundial’.


O texto, intitulado ‘Gigante emergente’, argumentou que os britânicos têm que dar atenção ao país para além da Copa. O Brasil ‘será muito mais do que superpotência de futebol’.


O ‘Independent’, de centro-esquerda, concentrou-se no que classificou como ‘Terceira via do presidente Lula’, título de seu editorial. Como o ‘Times’, sublinhou que os britânicos têm que dar mais atenção e, citando proporções geográficas e outras, derreteu-se:


– Mas não é só questão de o grande ser belo. O que é mais notável no país é o experimento que Lula e PT têm conduzido na economia, buscando encontrar uma linha intermediária entre o anticapitalismo de Chávez e a aceitação do FMI.


Lula ‘não levou o país à ruína, como previam muitos profetas do apocalipse’:


– Pelo contrário, sua Terceira Via obteve até aqui realizações impressionantes. Diminuiu a distância entre ricos e pobres e reduziu a proporção daqueles que vivem na pobreza -e tudo sem levar as classes médias e os investidores ao pânico.


Por aí foi. De escândalo, nada. Ele foi mencionado nos perfis de Lula nos mesmos dois jornais e no ‘Financial Times’, mas não foi diferente o tom.


Os textos traziam entrevistas simpáticas a Lula, entre outros, do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos.


Em dois outros textos, o ‘FT’ tratou das conversas comerciais globais, foco maior da visita do ‘carismático presidente’.


Em especial, o jornal destacou empecilhos à abertura do setor de serviços. É a maior cobrança feita a Brasil e outros países em desenvolvimento, mas enfrenta oposição forte nos EUA, por exemplo, quanto aos portos -objeto de revolta, dias atrás, no Congresso.


Outro jornal londrino, ‘Daily Telegraph’, foi além e chegou a denunciar que as pressões por abertura nos serviços, lideradas pelo primeiro-ministro Tony Blair, poderiam ‘prejudicar o Terceiro Mundo’.


O encontro de Lula e Blair amanhã e a reunião ministerial do final de semana, com Brasil, EUA, Índia e outros, são dados como cruciais tanto em Londres como por aqui.


Segundo o ‘Valor’, ontem em manchete, o país leva ao Reino Unido acordos prévios em áreas como a mineração, para agradar corporações européias. Mas vai cobrar mais corte nos subsídios. E desta vez, noticia o ‘Valor’, a Europa ‘acena com concessões agrícolas’.


E TOME ETANOL


Era de esperar, sob tantos elogios dos jornais e revistas em Londres, que Lula terminasse por ocupar ele próprio as páginas. É o que se vê na edição de hoje do ‘Guardian’ -desde ontem no ar, no site do jornal.


E nada de negociações comerciais ou Bolsa-Família. Como adiantou o ‘Valor’ ontem, o interesse em comum é o etanol, que Lula e Blair querem estimular na África, e o biodiesel. Em destaque no artigo de Lula, sob o título ‘Junte-se ao Brasil em plantar óleo’:


– Somente soluções radicais conseguirão superar a crise energética e ambiental, ao mesmo tempo em que promovem a igualdade.


No canal de notícias da BBC, o correspondente do Brasil ainda vivia ontem ‘a maior festa do mundo’ -com a derrota da Rocinha (à esq.) e os temas do ano no desfile, como Hugo Chávez e a América Latina


Vácuo


E voam as penas.


Diante da manchete da Folha Online para o blog de Josias de Souza, ‘Geraldo Alckmin faz as contas e julga ter maioria do PSDB’, não demorou e entrou a manchete do UOL, para o blog de Fernando Rodrigues, ‘Vácuo tucano faz PFL voltar a falar em candidatura própria’.


Não que qualquer blog levasse a sério a ameaça.


Bondades


Enquanto os tucanos não se acertam, Lula ocupa manchetes com o seu ‘saco de bondades’, no dizer do SBT.


Na Record, ‘Assinada medida que permite descontar o INSS das empregadas’. No ‘Jornal Nacional’, ‘Medida incentiva o registro em carteira’.’


LULA NA INGLATERRA
Clóvis Rossi e Fábio Victor


Jornais britânicos destacam ‘volta por cima’ de Lula após ‘mensalão’


‘Que informação instantânea, que nada: só agora parece ter chegado ao Reino Unido ou, ao menos, a seus principais jornais a notícia de que ‘the boy from Brazil is back’, como ‘The Independent’ anuncia a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao país, que começa oficialmente hoje.


O ‘menino do Brasil está de volta’ porque, segundo o jornal britânico, ‘sobreviveu a um escândalo de corrupção e a circunstâncias econômicas austeras para surfar alto nas pesquisas’.


‘The Independent’, no noticiário e em editorial, derrama-se em elogios ao presidente, tônica geral também em outras publicações.


‘The Times’ também dedica editorial a Lula, com todos os elogios que um jornal de direita faz a presidentes supostamente de esquerda mas que adotam políticas de rígida ortodoxia conservadora.


Como é óbvio, o jornal faz todas as críticas a presidentes de esquerda (no caso, Hugo Chávez, da Venezuela, e Evo Morales, da Bolívia) que continuam de esquerda, tal como se deveria esperar nos regimes democráticos: quem ganha faz a política que prometeu, não o inverso.


Para o ‘Financial Times’, Lula desfruta de uma ‘reviravolta de sua sorte’, após o ‘mensalão’, que sugere ‘intervenção divina’.


Potência


As pesquisas que trouxeram de volta o ‘boy from Brazil’ são pré-Carnaval. Pouco depois delas saiu a notícia do anêmico crescimento econômico, mas os jornais britânicos ainda estão tratando o Brasil como futura potência mundial.


‘The Independent’ acredita no jogo de búzios da Goldman Sachs, que criou a sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) para designar os países que serão potências mundiais lá por 2050.


Já ‘The Guardian’ prefere apostar em outra pajelança, a da PricewaterhouseCoopers, que retoma o tema do Bric. Pena que o gráfico que acompanha o texto não mostra exatamente que o ‘Brazil’, assim como Lula, ‘is back’.


Ao contrário: mostra que o PIB (Produto Interno Bruto) dos EUA, tomando-o como 100 em 2005, continuará 100 em 2050. O do Brasil, ao contrário, passa dos 13 de hoje para o dobro (25) em 2050. Beleza pura? Não, porque o da Índia sobe de 30 para 100 no mesmo período, e o da China explode de 76 para 143, passando a ser o maior do mundo.


O cálculo leva em conta a chamada Paridade do Poder de Compra, ou seja, a riqueza local adaptada para os preços locais.


‘The Times’ também chega com atraso em seu editorial à realidade latino-americana. Com defasagem de 20 anos, elogia o fato de a região ter deixado de ser ‘a região de generais autocráticos’.


Pena que quando um deles, Ernesto Geisel, esteve em Londres, 30 anos atrás, recebeu exatamente o mesmo tratamento que receberá a partir de hoje ‘o Senhor da Silva’, como Lula é tratado por ‘The Times’.


Páginas adiante do editorial, o jornal chama Lula, no título, de ‘lame duck’ (pato manco, expressão do jargão político anglo-saxão para designar políticos já no ocaso ou sem poder). Só no texto se fica sabendo que Lula ‘parecia um pato manco por meses’, mas agora ‘seu famoso bom humor está de novo em forma’.’


TELEVISÃO
Daniel Castro


Primeira Copa no celular será quase ao vivo


‘A primeira Copa do Mundo transmitida para aparelhos de telefone celular não será ao vivo. Para proteger as redes de televisão (que pagam muito mais pelos direitos do Mundial), a Fifa estabeleceu que as transmissões serão ‘near live’. Ou seja, os celulares só receberão os gols alguns minutos após os lances terem ocorrido.


Além disso, as operadoras só poderão veicular no máximo quatro minutos de conteúdo de cada jogo, incluindo gols e melhores lances. O serviço será cobrado.


Por enquanto, só a operadora Vivo e as Organizações Globo têm os direitos da Copa da Alemanha para telefones celulares. A Vivo adquiriu os direitos em uma negociação mundial do grupo Telefónica. A Globo só fechou a aquisição no mês passado. Tenta agora repassar os direitos para as operadoras TIM, Claro e Oi.


As negociações da Copa no celular foram feitas em conjunto com as dos sites. Só o Terra (Telefónica) e a Globo.com têm os direitos e, por enquanto, são os únicos no país que poderão publicar fotos dos jogos em tempo real.


A Vivo ainda não revela valores das imagens da Copa. A operadora, que é patrocinadora da Copa na Globo, espera uma ‘explosão’ nas vendas de aparelhos que chama de terceira geração (3G), que custam de R$ 899 a R$ 1.699.


Segundo a operadora, há 200 mil aparelhos em sua base habilitados para receberem imagens da Copa (100 mil deles de 3G).


OUTRO CANAL


Adubo Um e-mail distribuído a jornalistas ontem de manhã dava conta de que Alberico Souza Cruz (diretor de jornalismo da Globo nos anos 80 e 90) está negociando com o SBT. Faz sentido. O SBT está investindo em jornalismo. Mas ninguém confirma.


Enxuga De volta à faixa das 21h30, o ‘Programa do Ratinho’ está sendo produzido com antecedência. As edições de ontem e de hoje foram gravadas na semana passada. Não se trata de controle de qualidade, mas de economia: fazer um programa ao vivo à noite sai bem mais caro do que um gravado à tarde.


Acidente Foi um desastre a decisão de Silvio Santos de exibir o programa de Hebe Camargo, aos sábados, no mesmo horário de ‘Belíssima’. A atração deu apenas três pontos, contra sete da Record e 39 da Globo. A apresentadora não gostou nem um pouco.


Ampulheta 1 A Record corre contra o tempo para tirar proveito do pacote de filmes (quase todos reprises) que exibe neste mês, para alavancar a novela ‘Cidadão Brasileiro’, que estréia segunda-feira. Quinta-feira passada, lançou plano comercial em que oferece um pacote de 33 inserções nacionais por R$ 1,375 milhão (na tabela).


Ampulheta 2 Mas o pacote de filmes já estréia amanhã, com ‘O Diário de Bridget Jones’. No final de semana, terá os ex-Globo ‘Gladiador’ (sábado) e ‘Titanic’ (domingo).’


RECORD vs. GLOBO
Laura Mattos


Record será império, diz autor


‘Os cofres da TV da Igreja Universal estão abertos para a guerra contra a Globo. A estréia de ‘Cidadão Brasileiro’, na próxima segunda, prova que as armas da Record não são mais de brinquedo.


O criador da primeira novela das oito da nova fase da emissora é Lauro César Muniz, 68, de ‘O Salvador da Pátria’, ‘Roda de Fogo’ e outros sucessos. Novelista do primeiro time da Globo, ele recebia um dos maiores salários da TV brasileira. A Record lhe ofereceu mais. Precisamente, duas vezes e meia o que ganhava, além de acréscimo a cada cinco pontos de audiência que ‘Cidadão Brasileiro’ marcar.


Se a novela chegasse a 30,1 pontos, Muniz receberia R$ 1 milhão. Se batesse 35 pontos, R$ 1,5 milhão. É um ibope praticamente impossível, mas as cifras dão idéia de que dinheiro não é problema.


‘Cidadão Brasileiro’, de época, mistura três bem-sucedidas obras de Muniz dos anos 70, duas da Globo (‘Escalada’ e ‘O Casarão’) e uma da Record (‘Quarenta Anos Depois’). Com elenco de ex-globais -Lucélia Santos, Paloma Duarte, Gabriel Braga Nunes e outros-, tem orçamento digno de novela da Globo: R$ 300 mil por capítulo, em média.


Nesta entrevista exclusiva à Folha, o novelista conta por que saiu magoado da Globo, onde trabalhou por 33 anos, diz que ‘o monopólio da emissora é perigoso’ e ainda critica o presidente Lula e o governador Geraldo Alckmin.


Ex-membro do Partido Comunista, o contratado do bispo Edir Macedo diz não acreditar em Deus e fala que as religiões servem para promover guerras.


Folha – Que diferença há entre a Record de 70, quando fez ‘As Pupilas do Senhor Reitor’, e a de agora?


Lauro César Muniz – Tudo era mais doméstico, intimista, dialogava-se facilmente com a direção, e as coisas se resolviam na amizade. Hoje, isso é impossível. Não há aquele calor humano, é um processo natural do crescimento.


Folha – Mas ainda tem, como diz, mais calor humano do que a Globo?


Muniz – É mais afetiva do que a Globo que deixei, mas logo não será, porque a Record está crescendo rapidamente. Estou há um ano na emissora e já sinto diferença. O acesso ao comando era mais fácil. Não é negligência. É que eles estão atarefadíssimos na construção de um império. Isso vai virar um império de comunicação muito em breve. Quando cheguei à Globo, há 33 anos, as relações eram mais fáceis. Com o desenvolvimento, e principalmente após a saída do Boni [do comando, em 97], virou uma empresa de difícil diálogo, e me senti isolado.


Folha – O que ‘Cidadão Brasileiro’ terá do Brasil de hoje?


Muniz – O Brasil de hoje ficará presente em ‘Cidadão Brasileiro’, mesmo a ação estando no passado. A crise de corrupção que o país vive ficará muito bem retratada em Guará de 1956.


Folha – Por que usar novelas dos anos 70 para criar ‘Cidadão’?


Muniz – Estou tentando resgatar aquela maneira de fazer novela. Foi naquela época que implementamos a novela verdadeiramente brasileira, com autores excelentes como Dias Gomes, Janete Clair, Bráulio Pedroso. Era uma busca da realidade brasileira, da preocupação com personagens vinculados a um background social. A partir da década de 90, a telenovela se desviou para uma visão muito mais mercadológica. É preciso faturar, o sucesso é fazer o que o mercado aceita. Foi conseqüência das modificações sociais, da queda do império soviético.


Folha – A Record não deveria ser a sua chance de renovar as novelas?


Muniz -Não vou fazer uma novela igual às da década de 70, mas apenas ter a mesma preocupação de inserir o personagem num universo político-social e não me ater apenas às peripécias que possam prender o telespectador. Os autores realmente se fecharam para qualquer possibilidade inovadora. Estão contando a mesma história e um copiando o outro. Eu também, de certa forma, estou um pouco acomodado trilhando um caminho que já trilhei. Mas agora na Record é preciso correr o mínimo de riscos, porque estamos implementando uma emissora que tem que dar certo para enfrentar o monopólio da Globo.


Folha – O sr. disse que o governo pressionou a Globo para que Sassá Mutema, de ‘Salvador da Pátria’ (89), fosse modificado, já que estaria promovendo a imagem de Lula. E, cá entre nós, havia mesmo uma inspiração no candidato, não?


Muniz – Tinha um pouco sim. Eu me sentia sob pressão. Até algumas pessoas do PT, que não tiveram paciência de esperar a virada de Sassá, reclamaram que ele era manipulado e achavam que eu era a favor do Collor. Mas Sassá ia se emancipar no processo. Eu não estava fazendo propaganda do Lula, mas tentando analisar a tomada de consciência de um homem do povo. Nem votei nele no primeiro turno, mas no Covas. Votei no Lula só no segundo.


Folha – O sr. não era ligado ao PT?


Muniz – Nunca fui. Sou de esquerda [risos]. Meu último partido foi o Comunista, que deixei em 68, com o AI-5 [ato institucional nº 5, que endureceu a ditadura militar]. E aí passamos a ver a novela como uma arma para subliminarmente informar a população sobre o que acontecia no país.


Folha – Como seria o Sassá hoje?


Muniz – Não sei se daria para fazer o Sassá hoje. Acho que ele teria um final trágico, e não um apoteótico como o da trama de 89. E a novela se chamaria ‘O Traidor da Pátria’ [risos]. Estou preocupado, foi uma grande decepção, apesar de também não ter votado no Lula em 2002. Votei no Serra. E eu não votei errado, não [risos].


Folha – O sr. é ligado ao PSDB?


Muniz – Não é questão partidária, mas de analisar o momento e buscar alguém com uma visão de mundo mais próxima à minha. E me parecia que Serra era mais indicado, embora o PSDB viesse de um segundo mandato bastante comprometido de FHC. Serra tem uma clareza que Lula nunca pareceu ter, até por problemas de escolaridade. A falta de escolaridade impede a pessoa de entrar em contato com a lógica. Quando você faz um curso superior, ela está em todas as disciplinas. Quem não faz é carente dessa lógica.


Folha – Então o sr. acha que Serra é mais de esquerda do que Lula?


Muniz – Acho. Ele está mais aparelhado para analisar as necessidades do Brasil. O Lula não está.


Folha – Serra está mais aparelhado do que Geraldo Alckmin?


Muniz – Ah, bem mais. Acho o Alckmin um chato, um pirulito, não, um picolé de Chuchu. Ele está atrapalhando o processo.’


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‘A Globo se preocupa mais com religião do que a Record’


‘Neste trecho da entrevista, Lauro César Muniz diz que a Globo, onde trabalhou por 33 anos, ‘está mais preocupada com religião do que a Record’, que é da Igreja Universal. Ele cita novelas ligadas ao espiritismo -’Alma Gêmea’, ‘A Viagem’ e ‘América’- e a minissérie ‘JK’, que considera ‘engajada no catolicismo’.


Afirma que achava mais problemático receber salário da Globo quando ‘a emissora era absolutamente ligada à ditadura militar’ do que ser agora um contratado do bispo Edir Macedo. Leia abaixo.


Folha – O sr. enfrenta censura?


Lauro César Muniz – Na Record, não sofri nenhum tipo de censura até agora, apesar de muito se falar sobre o controle da Igreja Universal. A igreja nunca sugeriu qualquer possibilidade de subliminarmente se fazer presente em alguma novela. Preste bem a atenção: quem está preocupado com religião? Não é a Record, é a Globo. No ‘Vale a Pena Ver de Novo’, estão reprisando ‘A Viagem’, que é uma espírita. ‘Alma Gêmea’ tem uma pincelada espírita, assim como tinha ‘América’. ‘JK’ é uma engajada no catolicismo. O que você viu na Record com alguma citação, ainda que subliminarmente, da Igreja Universal? Nada. Pode ser acaso, pode não ser. Eu queria colocar um padre surdo em ‘Cidadão Brasileiro’, o que, ampliando, você imagina o que seja: ele não ouve confissões, não dá respostas… Desisti, ninguém me disse ‘não’. Mas na cidade cenográfica tem uma igreja católica, e é o maior prédio do local.


Folha – Como é para um ex-membro do Partido Comunista receber salário do bispo Edir Macedo? Isso já foi um problema na sua cabeça?


Muniz – Já foi quando eu estava na Globo e recebia dinheiro de uma emissora absolutamente ligada à ditadura militar. Se for pensar assim, ninguém trabalha.


Folha – O sr. tem alguma religião?


Muniz – Não. Sou materialista, não acredito em Deus.


Folha – Ainda acredita na velha frase ‘A religião é o ópio do povo’?


Muniz – Já acreditei muito nisso. Hoje eu acho que não mais.


Folha – Então passou a achar que a religião tem o seu papel?


Muniz – Ela é importante nas guerras. A religião faz mais guerra do que qualquer instituição. Veja o que está acontecendo agora, pelo amor de Deus! Olha eu falando ‘pelo amor de Deus!’ Viu, não sou tão materialista assim (risos).


Folha – Casal gay virou moda em novelas da Globo. Poderia abordar esse tema na TV da Universal?


Muniz – Não criei um casal gay na Record, mas se criar, vai ao ar.


Folha – Dessa maneira positiva que a Globo tem mostrado?


Muniz – [pausa] Não sei. Mas acho que na Globo também isso pode ser levado até certo ponto.


Folha – O sr. saiu da Globo dizendo que ‘maquinações’ o afastaram do trabalho’. O que aconteceu?


Muniz – Houve uma incompatibilidade intelectual com o Mário Lúcio Vaz [diretor-geral artístico desde 2000]. O que penso é o oposto do que ele pensa. Isso tudo que eu estou falando aqui ele acha que é desprezível. Penso diferente do grupo que hoje define os caminhos da telenovela na Globo. Eles estão querendo mexicanizar a novela brasileira, talvez para vender mais para o exterior. Numa reunião da Globo, em que estava com vários colegas, ouvi um diretor -e não me peça para falar qual- dizer com toda clareza: ‘Estamos caminhando para a mexicanização de nossas novelas intencionalmente’. A estrutura mexicana é pobre. É vendida para o mundo todo, mas para ser veiculada de manhã, a um público restrito.


Folha – Acha que ‘Cidadão’ tem chance de vencer a Globo no Ibope?


Muniz – Acho que vai perder feio. Se conseguir 12, 13, 15 pontos, estou muito feliz. Vou competir com o ‘Jornal Nacional’, que é uma instituição, e a novela das oito, que está com boa audiência e estará na fase final. ‘Belíssima’ tem um elenco estelar. O meu é bom, não estelar. Não tem a menor chance. Seria um absurdo, contra a lei da gravidade. Mas é bom lembrar que não é Olimpíada, quero criar um caminho.


Folha – O sr. foi a um almoço com FHC (2000) criticar a portaria 796, considerada censura por obrigar a TV a exibir programas em horários determinados pelo governo. Hoje, a que causa emprestaria sua grife?


Muniz – Já estou emprestando ao contribuir para tentar acabar com o monopólio da Globo, que é terrível, nocivo. Quando a Record começou a crescer, os autores da Globo passaram a ter um reconhecimento maior lá dentro, a ser mais valorizados, seus salários foram rediscutidos. Com atores, houve a mesma coisa. Lutar contra esse monopólio transcende qualquer problema pessoal que possa ter tido na Globo. E meu problema foi com o Mário Lúcio e não com a emissora. Se conseguirmos levantar a Record, todo mundo vai ganhar, sobretudo o público. Como em qualquer área, o monopólio é perigoso, porque a Globo faz o que quer, e o espectador não pode ver outra coisa. A Globo pode eleger o próximo presidente da república se quiser. Ela já elegeu e pode eleger de novo.


Folha – O sr. acha que a Globo elegeu Fernando Collor?


Muniz – Elegeu e destituiu. É extremamente perigoso para o país ter um poder tão imbatível.


Folha – O que pensa de a Record lutar contra a Globo com a programação clonada justamente dela?


Muniz – É uma estratégia que está dando certo, mas tenho certeza de que a Record vai encontrar a sua cara com um tempo.’


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Emissora não comenta as críticas do autor


‘A TV Globo preferiu não se pronunciar a respeito das críticas que recebeu do escritor Lauro César Muniz na entrevista desta edição.


A Folha enviou à Central Globo de Comunicação (CGCom), por e-mail, os trechos em que o autor citava a emissora.


Em resposta, a CGCom afirmou que a ‘Globo só comenta assuntos objetivos’ e que ‘as citações são divagações do entrevistado’.’


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O Estado de S. Paulo


Terça-feira, 7 de março de 2006


ESTADÃO PREMIADO
O Estado de S. Paulo


‘Estado’ ganha 3 prêmios internacionais de design


‘O Estado foi premiado em três categorias na 27ª edição do Best of Newspaper Design, concedido pela Society for News Design (SND), entidade americana sediada em Nova York que discute e promove o design editorial. O prêmio, considerado o Oscar do design gráfico, foi divulgado ontem.


Na premiação, referente a 2005, 32 jurados analisaram 415 jornais de 46 países, escolhendo os melhores em 19 categorias. The Guardian, de Londres (Inglaterra), e Rzeczpospolita, de Varsóvia (Polônia), foram eleitos os Jornais com o Melhor Design do Mundo, o prêmio principal. Nas outras categorias, foram distribuídas 48 medalhas de prata, 9 reconhecimentos especiais e 1.077 prêmios de excelência. Não foram dadas medalhas de ouro.


Do Estado foram premiadas duas edições do caderno Paladar (‘Pimenta não arde’, de 22 de setembro, e ‘Ingredientes para um bom ano’, de 22 de dezembro), e a capa do caderno Aliás ‘Vírus, febres: Perigo’, de 26 de outubro de 2005.


Todas as páginas foram criadas sob a supervisão do diretor de Arte Fabio Sales, que acumula agora 74 prêmios da SND. ‘Estar entre os premiados da SND é o reconhecimento de que o novo grafismo do Estadão está no caminho certo’, diz ele. ‘É a constatação de que o leitor está recebendo um produto com qualidade igual à dos melhores jornais do mundo.’


A imprensa brasileira recebeu ainda outros prêmios: 5 para o Correio Braziliense, 2 para o Diário de Pernambuco e 2 para o Estado de Minas. No total, os jornais americanos foram os mais premiados. The New York Times, com sua revista, totalizou 85 prêmios. O segundo lugar ficou com Los Angeles Times, com 71. Publicações da Espanha, Portugal, Canadá, Austrália, Argentina, Rússia, México e Alemanha também foram contempladas.


Os jurados fizeram também um reconhecimento especial aos jornais Sun-Herald e Times-Picayune, ambos de New Orleans (EUA), pela cobertura do furacão Katrina.


Participaram da comissão julgadora: Nanette Bisher, diretora de Arte do San Francisco Chronicle (Califórnia); Joe Dizney, diretor de Design do The Wall Street Journal, de Nova York; Lucie Lacava, consultora de Design de Montreal (Canadá); Ingrid Lohne, assistente editorial do DagensMedier, de Oslo (Noruega); Chris Watson, editor-executivo do National Post, de Toronto (Canadá).’


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Jornal do Brasil


Terça-feira, 7 de março de 2006


LÍNGUA PORTUGUESA
Deonísio da Silva


A redenção do portunhol no carnaval


‘O carnaval trouxe o portunhol para a avenida Sapucaí. Soy por ti, América: a Vila canta a latinidade, eis o título do samba-enredo da escola campeã, a Vila Isabel, que assim uniu dois estadistas libertadores: Isabel, a princesa portuguesa que nos livrou da escravidão, homenageada no nome da vila e da escola, e Simón Bolívar, o general venezuelano que libertou tantas nações, na letra do samba. No desfile paisano, ainda sobrou um brilho para o coronel Hugo Chávez, atual presidente da Venezuela, que certamente já leu Meu delírio no Chimborazo, do conterrâneo libertador, e O general em seu labirinto, do prêmio Nobel Gabriel García Márquez.


Os latino-americanos têm um desesperado amor por militares. Nossa República começou com um marechal, continuou com outro e, depois de alguns civis, tenentes quiseram consertar desmandos, mas fracassaram. Passados apenas quatro decênios de República, vinha Getúlio Vargas, comandante da Revolução de 1930. Derrubado quinze anos depois, cedia o poder ao general Dutra, que foi sucedido por ele mesmo, que afinal se suicidou e só foi sucedido por um civil porque o marechal Lott garantiu a posse de JK. Depois de curto interregno civil, a República teve outro ciclo de presidentes militares e há apenas vinte anos está com civis na presidência, alternando o processo histórico que o general Golbery do Couto e Silva designou como sístole e diástole, utilizando metáfora que compara o Brasil a um coração que contrai e descontrai.Mas seria o mesmo corazón? O samba-enredo de nossa História é mais complexo do que o do Carnaval!


Por que o povo, utilizando como intérpretes de suas preocupações os compositores, escolheu um general libertador estrangeiro como personagem principal dos desfiles? Não estará o inconsciente coletivo, sentindo o Brasil refém de poderosos interesses na globalização, exalando a necessidade de imitar as nações européias e organizar-se na América Latina para a defesa comum dos prejudicados pelas potências?


É neste contexto que a novidade começa por uma questão essencial, a da língua. Enquanto a Europa precisa de muitas línguas oficiais para unir-se, na América Latina o português e o espanhol seriam suficientes.


O Brasil mostra ao mundo inteiro, pois o Carnaval é um dos poucos espetáculos realmente mundiais, como a Copa do Mundo, uma língua ainda mais estranha ao mundo do que o português. Recorre ao portunhol, realidade nas fronteiras do Brasil com os países da América e língua franca no Brasil meridional, principalmente no trato com vizinhos limítrofes de língua e de geografia.


Fiquemos apenas com o léxico, manancial suficiente para boa pesquisa nas universidades: soy, loco, caliente, portunhol, sombrero, arriba, mi, corazón. ‘La ternura’ e ‘la bamba’, antecedidas de artigo, tiveram a função de deixar claro que, no primeiro caso, os autores se referiam a famoso lema de Che Guevara, e no segundo a um ritmo de dança que é vizinho do samba. Tudo ‘no compasso da felicidade’, pois ‘irá pulsar mi corazón’ na cadência de um ‘som latino-americano’, invertido para ‘latino-americano som’ para rimar com ‘corazón’.


A pobreza das rimas é evidente: sol e portunhol; imensidão e ambição; sabores e cores; libertador e multicor; samba e bamba; som e corazón. Os compositores não se importam em rimar sucessivamente palavras de classes gramaticais semelhantes, coisa que os poetas evitam.


No belo e triste soneto que dedicou à língua portuguesa (é quase um velório), logo no primeiro quarteto, Olavo Bilac tomou o cuidado de rimar bela (adjetivo) e vela (verbo); sepultura (substantivo) e impura (adjetivo).


No samba-enredo dá-se o contrário: todos vibram em alegre ignorância dos recursos da língua culta e partem para a variante popular: a língua em que se fala, canta e dança no Brasil é outra. É a dos compositores, não é a de Bilac!


André Diniz, Serginho 20, Carlinhos do Peixe e Carlinhos Petisco, tendo Tinga como intérprete, são nomes que ficarão para sempre na história do Carnaval brasileiro, por expressarem uma novidade absoluta: o Brasil lembrou-se que faz parte da América! E que o portunhol semelha aquele irmão ou parente do qual você pode até ter vergonha, mas ele pertence à sua família, vive com você, está dentro de sua casa, freqüenta os mesmos lugares, tem tristezas e alegrias compartilhadas.


Passado o torpor do Carnaval, quase tudo se diluirá, mas não o samba-enredo, que ficará para sempre na memória do povo e registrou momento decisivo da redenção do portunhol. Querendo ou não, integra a literatura e esta é eterna. Também Camões e Cervantes um dia foram portunhóis.’


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Revista Imprensa


março de 2006


COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
Paulo Nassar


A lição pelas diferenças


‘O quebra-quebra de embaixadas ocidentais em países de maioria muçulmana, como reação às charges tripudiando a imagem do profeta Maomé, publicadas em setembro de 2005, inicialmente no jornal dinamarquês Jyllands-Posten e, depois, reproduzidas em jornais da França, Alemanha, Itália, Espanha e Suíça, lembra-nos das questões interculturais, as quais povoam o ambiente das empresas ditas globais. Entre elas, empresas brasileiras, muitas originárias de boa cepa familiar, cada vez mais se transformando em multinacionais: Odebrecht, Gerdau, Votorantim, Ambev, Embraer, Petrobrás, Natura, Vale do Rio Doce e Sadia. São excelentes exemplos de quem, do ponto de vista das relações públicas e da comunicação, precisam ter os cinco sentidos permanentemente ligados nas questões políticas, culturais, étnicas e religiosas dos países com os quais têm negócios e relacionamento. Afinal, ‘balas perdidas’ estão permanentemente no ar, no ambiente de negócios e operações globais.


No ano de 2005, os exemplos se concretizaram para alguns desses atores globais brasileiros: de seqüestro de executivo expatriado a veto político a negócios com países integrantes do suposto e retórico ‘eixo do mal’. Questões que extrapolam de longe o planejamento baseado no tradicional riscado das guerras de marketing. Os administradores nacionais forçados por esse mundo áspero, precisaram inserir em seus cotidianos questões sutis, ligadas às palavras e comportamento. Como negociar e se relacionar com árabes, chineses, hindus, americanos (quando você invade o mercado deles), europeus, mexicanos e argentinos? Relacionamentos que já não podem ser marcados mais pelo poder de antigos estereótipos, ainda muito presentes. Não gostamos, por exemplo, de sermos representados ‘lá fora’ por bundas, futebol e carnaval, mas temos imagens mentais semelhantes de paraguaios, bolivianos, mexicanos, colombianos, coreanos, japoneses, chineses e árabes, entre outros.


Temos exemplos de empresas globais brasileiras que cuidam muito bem dessas relações e representações. Afinal, elas sabem que qualquer cochilo ou despreparo de seus executivos pode significar perdas consideráveis, representadas por milhões de dólares ou euros.


A Vale do Rio Doce, que tem atualmente negócios nos cinco continentes, há um excelente programa de visitas corporativo, que cuida do corpo e da alma dos visitantes. No caso dos árabes, quando muçulmanos, o programa prevê os horários e o respeito ao ritual de suas orações. O que significa disponibilizar para esses visitantes instrumentos como tapetes e bússolas, pois as preces devem ser feitas com o rosto direcionado para Meca. A Embraco, empresa de Joinville, que é líder global do mercado de compressores para refrigeração, tem fábricas em lugares dispares como Spisská Nová Vés, cidade da Eslováquia, e Beijing. Os cuidados com a imagem passam pelo plano político: na China, o sócio é o Partido Comunista. Todas essas preocupações, que para alguns eram pura etiqueta, ganham relevância estratégica num mundo em que as identidades e as religiões não-ocidentais se afirmam para os povos como valores essenciais.


Mais do que nunca, palavras e comportamento destrambelhados podem ser entendidos como manifestações racistas e gerar um confronto cultural ou religioso. Nesse terreno movediço, em que quase tudo pode virar provocação, as relações públicas e a comunicação empresarial brasileira têm lições a ensinar, baseadas principalmente em uma das nossas características como povo mestiço: a tolerância com aquilo que é diferente.’


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