Jornalismo e marketing são áreas que erroneamente sempre foram classificadas – e ainda são – como disciplinas opostas. De um lado teríamos o segmento que lida com informações, factuais ou não, e que procura transpassar um tipo de conteúdo para um público que sempre espera transparência, honestidade, imparcialidade e, acima de tudo, um público que “deposita” sua confiança no olhar daqueles determinados profissionais da imprensa. Do outro lado do muro ficariam os profissionais que fariam de tudo com o único objetivo de vender, vender e vender. Seria a lógica dos mocinhos e bandidos, um olhar romântico e extremamente pobre.
Bom, na definição de Kotler, “marketing é a função dentro de uma empresa que identifica as necessidades e os desejos do consumidor, determina quais mercados-alvo a organização pode atender melhor e planeja produtos e serviços adequados para satisfazer estes mercados de uma forma mais eficiente do que os seus concorrentes”. Na prática, o jornalismo tem em suas atividades mais rotineiras todos esses conceitos apresentados na definição.
Mas vamos por partes. O jornalismo sempre identificou necessidades e desejos do consumidor (leitor) toda vez que procurou lançar novas publicações específicas no mercado, seja uma revista segmentada, um programa de rádio ou até mesmo um jornal voltado para um público com maior ou menor poder aquisitivo. O direcionamento que uma publicação toma tem como base o estudo da viabilidade de mercado, ou seja, nenhuma empresa de mídia iria apostar em um caderno especial ou uma revista se não existisse a menor possibilidade de que alguma parcela significativa de público fosse atingida.
O “fator decisório”
Esse público, por sua vez, faz com que os produtos jornalísticos sejam extremamente voláteis, ou seja, se a empresa de mídia em questão identificar que consegue atender de maneira mais eficiente (gerando uma receita muito maior) um público pertencente à classe C e não à classe A, logicamente todos os esforços da companhia serão canalizados para que mais e mais produtos direcionados ao segmento produtivo em questão sejam criados, melhorados e até mesmo sofisticados, e as publicações que focavam o segmento com maior poder aquisitivo, porém que não obteve tanto sucesso, passará por reformulações estruturais ou até mesmo serão extintas.
Outro ponto de vista para exemplificarmos é a própria lógica da produção da notícia. Uma revista impressa semanal, por exemplo, tem que deixar de maneira bem evidente quais são os motivos que a tornam melhor do que as outras dez publicações concorrentes e, com isso, a revista deixa claro para o leitor os motivos que devem levá-lo à compra ou à assinatura daquele impresso. Isso nada mais é do que entregar um valor diferenciado ao seu público. Nesse caso, o valor se restringe à qualidade do jornalismo ali praticado, as opiniões dos colunistas convidados e as entrevistas com personalidades públicas que ganham profundidade ímpar.
Ainda seguindo essa lógica, quando o leitor opta por uma publicação em vez de outra, ele está usando seu “fator decisório de abdicação”. Quando esse leitor é conquistado pela revista, o que temos na ótica do marketing é a construção de uma cartela de fãs que, com um marketing de relacionamento muito bem feito, transforma esses leitores em advogados da marca que acabam divulgando tal publicação para outros possíveis leitores (consumidores) criando, desse modo, a necessidade de consumo aquele produto em muitos deles (comprar a revista ou pelo menos conhecê-la melhor). Para quem não era leitor, a compra da revista será, na verdade, a aquisição de um “novo produto”.
Interesses e princípios
Isso é marketing no jornalismo. Porém o que tem ocorrido com grande frequência é a “marketização” do conteúdo jornalístico sob o ponto de vista de tornar a informação mais comercial, sacrificando qualidade e imparcialidade em prol de uma aproximação maior – e perigosa – com determinadas empresas ou setores do mercado. Quando sacrificamos a qualidade das informações repassadas a um público nós não estamos mais produzindo jornalismo, e sim marketing de conteúdo. A isenção total entre jornalismo e publicidade nunca existiu, porém deve haver uma linha, mesmo que tênue, separando as duas áreas e deixando claro para o leitor quando o conteúdo é jornalístico e quando é um mero informe publicitário.
Esse problema é mais evidente nos chamados conteúdos patrocinados. Quando temos conteúdos que mantêm os mesmo moldes de uma notícia de um jornal específico (formato, tamanho, diagramação, texto), mas que são produzidos por empresas com o intuito meramente publicitário, o risco de se ter um leitor profundamente enganado é grande. Há opções de identificação, como inserir no rodapé ou no início de texto um aviso de que aquele material é publicitário, porém essas notificações, muitas vezes, não ocupam um quinto de uma linha de texto. O correto seria inserir um selo visível que deixasse clara a comercialização daquele espaço.
Por fim, estratégias de marketing são muito bem-vindas no mundo jornalístico, porém não deve haver colisão de interesses e princípios quando adotamos táticas de um segmento e aplicamos em outro. O marketing pode ter a capacidade de alavancar, muitas vezes, o número de vendas, assinantes ou acessos de um jornal, porém jamais deve significar o banalização de um dos principais pilares da sociedade moderna. Ao jornalismo, cabe manter sua essência. Ao jornalista, cabe manter seus princípios. Ao leitor, cabe, acima de tudo, ter o discernimento de abandonar uma publicação quando a ética for comprometida. A todos, cabe o bom senso.
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Cleyton Carlos Torres é jornalista, blogueiro e editor do Mídia8!