A regulação da imprensa é o assunto do momento no Reino Unido. Quase dois anos depois do auge de um escândalo que provocou o fechamento de um jornal e a instalação de um inquérito para identificar e solucionar os problemas na indústria, o governo deu seu parecer, determinando um novo sistema de fiscalização. A solução encontrada, no entanto, esbarrou em dura oposição de parlamentares e membros da imprensa. Os líderes dos principais partidos políticos chegaram a um consenso, mas o debate promete esquentar ainda mais.
Os grampos telefônicos ilegais não eram novidade na imprensa sensacionalista britânica em 2011 – alguns anos antes, o tabloide News of the World já havia sido alvo de uma investigação por conta da invasão a telefones de funcionários da família real e de celebridades. O que levou ao fechamento do jornal naquele ano foi a descoberta de um novo patamar de espionagem e falta de ética: quase dez anos antes, o News of the World havia mandado grampear a caixa de mensagens de uma adolescente desaparecida. Milly Dowler foi encontrada morta meses depois, mas, enquanto não se conhecia seu paradeiro, detetives contratados pelo tabloide chegaram a apagar mensagens, levando a polícia a acreditar que ela continuava viva.
O escândalo levou ao inquérito conduzido pelo juiz Brian Leveson, criado a pedido do primeiro-ministro David Cameron. Leveson entrevistou dezenas de vítimas de intrusão da imprensa, políticos, celebridades, jornalistas e executivos da indústria jornalística para formar um parecer. Em seu relatório final, entregue ao governo no fim do ano passado, defendeu a criação de um novo órgão de regulação para atuar com base em um estatuto. Depois de dois meses de análise, o Partido Conservador, de Cameron, declarou ser a favor da criação de um novo órgão, mas contrário à regulação estatutária – “não queremos uma lei de imprensa”, afirmou a ministra da Cultura.
Nas últimas semanas, o que se viu no Parlamento e nos jornais britânicos foi muita discussão sobre a melhor forma de fiscalizar a imprensa garantindo sua liberdade. Na semana passada, os três principais partidos – Conservador, Liberal Democrata e Trabalhista – chegaram a um acordo: substituir o falido órgão de autorregulação da indústria, a Comissão de Queixas da Imprensa, por uma agência independente com poder de aplicar multas de até 1 milhão de libras, de ordenar que editores publiquem correções e de arbitrar em casos de pessoas que acreditem ter sido prejudicadas pela imprensa. Os jornais chiaram, classificaram a proposta de confusa e temem que ela venha a prejudicar a liberdade de imprensa no país.
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Abaixo estão links para artigos – em inglês – sobre o tema (alguns são restritos a assinantes):
>> Press battle thaws Labour-Lib Dem frost, Financial Times
Sobre os debates e discordâncias entre os partidos políticos britânicos.
>> Turning the page, Financial Times
Com o fim da autorregulação, a imprensa tem que se adaptar, diz o editorial do Financial Times.
>> It’s not a press regulator, it’s a web regulator, The Spectator
Sobre a regulação da imprensa em tempos de internet.
>> Cameron insists plans for post-Leveson Royal Charter for press regulation will 'work and endure', The Independent
Diante das críticas, o primeiro-ministro defende o acordo entre os Partidos Conservador, Liberal Democrata e Trabalhista sobre regulação.
>> Index on Censorship condemns cross-party press regulation deal as 'bleak moment for UK's reputation', Press Gazette
A organização internacional em defesa da liberdade de expressão Index on Censorship condena o acordo entre os partidos.
>> On press regulation and the economy, voters only care about success, The Guardian
A opinião do público: a melhor opção de regulação é a que funciona.
>> Britain’s Press Crackdown, The New York Times
Neste artigo, o Conselho Editorial do New York Times afirma que a solução encontrada pelos partidos pode prejudicar a liberdade de expressão e ameaçar a sobrevivência de pequenas editoras e sites de internet.
>> Press regulation: newspapers may form breakaway bodies, The Guardian
Editores de jornais e revistas expressam seus temores com o novo sistema – eles acreditam que o novo órgão possa prejudicar a indústria.
>> Media regulation will give us a Continental press: supine, conformist and uniformly pro-EU, The Telegraph
A regulação no Reino Unido deverá tornar a imprensa britânica mais parecida com a imprensa do resto da Europa, diz o jornalista e escritor Daniel Hannan, que é Membro do Parlamento Europeu.
>> MPs and the press, a relationship corrupted by mutual suspicion, The Guardian
Capítulo do livro After Leveson: The Future for British Journalism (Depois de Leveson: o futuro para o jornalismo britânico) sobre a relação entre os jornais e os políticos.
>> Press to air concern over regulation plan, Financial Times
Mais sobre os temores da indústria.
>> A cross-party deal to regulate the press is quickly dissolving, The Economist
Uma crítica ao acordo entre os partidos: é tão inconsistente que permite que o primeiro-ministro diga que ele não envolve a criação de uma regulação estatutária, enquanto os líderes dos outros partidos afirmam que faz justamente isso.
>> The government’s plan for regulating Fleet Street has ended up being a mess, The Economist
Mais uma crítica do respeitado semanário britânico ao acordo para a nova regulação: “é uma bagunça”.