Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As coberturas ao vivo da TV

Estava agora, insone, assistindo a Grobonius. Começou então a edição das 7h do jornal da emissora. Foram 15 minutos de “cobertura ao vivo” da preparação para o despejo dos índios que ocupam do Museu do Índio perto do Maracanã, 15 caríssimos minutos com uma locutora que, em tom pausado, quase soletrando (lembrou o A-l-e-x-a-n-d-r-e G-a-r-c-i-a) gastava o tempo para dizer o nada – porque na realidade nada acontecia.

Isso acontece frequentemente em eventos que podem degenerar pra algo pior, confrontos, tiroteios e violência de todo tipo, que eles, lá no fundinho, torcem para acontecer. Afinal boa notícia, não é notícia. Com isso desgasta-se a paciência do assinante, ansioso por notícias de verdade, que tem que esperar que caia a ficha do editor pra resolver parar com a monotonia a colocar o jornal no ar.

Essas coberturas ao vivo, geralmente feitas por helicópteros, quase sempre sem jornalistas in loco, são imitação das coberturas estadunidenses. Isso começou com o recrudescimento dos problemas de trânsito nas grandes cidades, que levaram as emissoras (de rádio, primeiro) lá para o fim da década de 1960, início da de 70, a investir em equipamentos para acompanhar mais amiúde as condições de trânsito nas vias e oferecer alternativas aos motoristas. Isso era geralmente feito através das rádios que eram (e ainda são) acompanhadas com expectativa pelos ouvintes na tentativa de escapar dos quilométricos engarrafamentos.

Pensar é perigoso

Com o agravamento da violência nos grandes centros, passou-se a equipar os helicópteros com câmeras de TV, só para a eventualidade de algo surpreendente acontecer. Quem não se lembra da perseguição cinematográfica do carro de O.J. Simpson transmitida ao vivo pelas TVs estadunidenses? Essa, e outras coberturas espetaculares, e espetacularizadas, viraram moda na TV e até vídeos gravados pelos helicópteros e carros da policia passaram a ser transmitidos e comercializados, havendo até um programa de TV especializado no assunto. O que não pode acontecer é essa monotonia (meio sádica, afinal esperam e torcem pelo pior) e tremendamente enfadonha, substituir a notícia em si. Geralmente despreparados e sem vontade jornalística de transmitir todos os fatos sobre o assunto, só sobra o que eu chamo de rádio pela TV. As mocinhas bonitinhas, mas tremendamente incompetentes, ficam lá, dizendo pra nós, lentamente, o que já estamos vendo na telinha, sem acrescentar absolutamente nada de informativo sobre o assunto.

Isso, quando não acontece como naquele caso da cobertura do sequestro, que terminou com uma morta e uma moça ferida em São Paulo, evento em que a cobertura inconsequente e criminosa de uma emissora paulista, Record se não me engano, interferiu no fato. O “jornalista” que cobria o evento conseguiu o telefone celular do desequilibrado sequestrador da própria ex-namorada, e interveio diretamente na notícia, conversando com o rapaz e levando-o a se considerar o rei da cocada branca, e celebridade do momento. O resultado, todos lembram: na desastrada invasão da polícia, a moça sequestrada foi baleada e morta e sua amiga foi ferida pelo rapaz. O jornalista jamais pode interferir na notícia. Já dizia Joel Silveira: a função do jornalista é ver a banda passar, nunca fazer parte da banda.

De volta à cobertura da invasão do Museu do Índio. Na hora que realmente o bicho pegou, em torno das 11h30, depois de horas de rádio na TV, vimos o festival de desinformação e subserviência escalar mais um degrau de sem-vergonhice. A apresentadora insistia em desmerecer os ocupantes, índios ou não, e de chamar o prédio, degradado e mal cuidado, de “ruínas”! Ruína é a moral da emissora, e da apresentadora. O prédio foi abandonado pelo poder público justamente para que ficasse em ruínas (para ser passado à especulação imobiliária), fato que ainda não ocorreu, visto que a estrutura está em pé, e com telhado. Ruína é aquilo que não pode ser restaurado, que ainda não é o caso, e que nem por isso seria menor em importância histórica e cultural. Na Europa ruínas são preservadas por guardar parte da História; no Brasil…

Queria saber o que a mídia carioca tem com Sérgio Cabral que não lhe baixa o sarrafo que merece. Enquanto isso a polícia mandava ver, indiscriminadamente lançando bombas de efeito imoral, balas de borracha e jatos de gás de pimenta, até contra representantes da Justiça e do Ministério Público. Uma oca, construída pelos índios, foi queimada, provavelmente pela própria polícia de Sérgio Cabral, mas a locutora insistia em dizer que haviam sido os índios. Estes, coitados, nem puderam terminar um ritual religioso antes de evacuarem o local, como já havia sido combinado entre representantes do MP e os oficiais de justiça encarregados do serviço sujo. O filho de uma amiga, manifestante como eu gostaria de ser se tivesse idade e morasse no Rio, foi preso por desobediência civil, só por que foi lá mostrar o que pensa. Pensar sempre foi perigoso, e manifestar o que se pensa agora é crime, como foi na ditadura que a Rede Globo e Sérgio Cabral querem ver de volta.

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René Amaral é artista plástico, Petrópolis, RJ