Imagine que o presidente George W. Bush encaminhe 500 mil dólares a título de patrocínio de um desfile de carnaval. Um escândalo? Pois aconteceu: Hugo Chávez, da Venezuela, patrocinou com 500 mil dólares a escola vencedora do desfile do Rio em troca de apoio ao regime bolivariano, seja lá isso o que for. Em Campos (RJ), cinco escolas tiveram como tema Anthony Garotinho. Em Pernambuco, os tradicionais desfiles de bonecos foram poluídos pela mistura com imagens de políticos. Em São Paulo, uma escola desfilou com gigantescos bonecos de Geraldo Alckmin e José Serra. Bem feito: foi rebaixada.
A imprensa até cobriu esses fatos, ponto por ponto. Mas faltou a matéria definitiva: a invasão do carnaval por interesses não apenas comerciais, mas também políticos; e não só de política interna, mas de política internacional. O presidente Chávez pode ser ótimo, pode ser amigo pessoal do presidente Lula, pode ser admirador do Brasil, pode ter retratos de todos os nossos ministros em seu gabinete, pode ser leitor de Paulo Coelho, pode adorar feijão com arroz e ser fã de Zezé di Camargo e Luciano, mas continua sendo um chefe de Estado estrangeiro.
É uma pena: como nossa imprensa não mostrou, o carnaval sempre teve um lado político – um lado de sátira, um lado de crítica, um lado de povo (lembre: ‘onde está o dinheiro?/ o gato comeu, o gato comeu’). É triste ver que a sátira mudou de lado (e deixou de ser sátira) e está agora a serviço de quem paga.
O crime e a pena
Houve a CPI da Corrupção, no governo Sarney (a maior conseqüência foi transformar um até então inexpressivo senador por Minas, Itamar Franco, numa personalidade da política nacional). Houve a CPI dos Anões do Orçamento (a maior conseqüência foi aquela terrível viagem do senador Eduardo Suplicy a Nova York, tentando encontrar no meio de alguma multidão a esposa assassinada – e enterrada em Brasília – do principal denunciante, para preservar a credibilidade das acusações). Houve a CPI do Collor, que derrubou um presidente. E, agora mesmo, há várias CPIs correndo no Congresso.
Tirando os holofotes momentâneos, as fluviais entrevistas de Suas Excelências, as campanhas pela reeleição, que restará de tudo? Provavelmente o mesmo das CPIs anteriores: nada. No afã de dar entrevistas, as Excelências se esquecem de investigar. Abaixo, publicamos um artigo do advogado Marcos Wasserman, da Tribuna Judaica, sobre a pena imposta a Omri Sharon. Ele foi condenado à prisão por uso de caixa 2, mesmo sendo filho do primeiro-ministro Ariel Sharon, mesmo enfrentando a tragédia que atingiu seu pai. Fora do Brasil é diferente.
Nove meses de cadeia
Marcos Wasserman (copyright Tribuna Judaica nº 160)
Omri Sharon, o filho de Arik Sharon, que foi primeiro-ministro de Israel até recentemente, foi condenado a nove meses de prisão, excluída qualquer possibilidade desta condenação ser substituída por prestação de serviços comunitários, conforme prevê a lei, e condenado ainda a nove meses de prisão condicional, além de a uma violenta multa.
Qual foi o crime do deputado Omri Sharon?, me pergunta um diplomata amigo, que não consegue entender, e ele não é a única exceção: teria sido roubo, suborno, ou alguma negociata ilegítima? Nada disto, respondi, foi um crime eleitoral.
A lei eleitoral em vigor em Israel limita contribuições ou doações que o partido político possa receber, para satisfazer suas necessidades, especialmente nas campanhas eleitorais. Há um limite de contribuição permitido, seja por pessoa física ou jurídica, assim como há um limite de gastos na propaganda eleitoral. Quem infringir esta lei esta sujeito a pena de prisão.
Omri Sharon foi o principal cabo eleitoral de seu pai, na campanha eleitoral que o elegeu. Foi constatado que ele violou a lei e contra ele foi aberto inquérito policial. Omri Sharon, também eleito deputado para o Parlamento israelense, abriu mão de suas imunidades parlamentares e confessou as manipulações que fez com o dinheiro, violando a lei. Cumpre assinalar que ele não fez uso do dinheiro para fins pessoais, nem se apropriou de qualquer quantia.
A juíza que julgou a causa foi implacável na sua decisão. Uma sentença que abalou o país. Afinal de contas, trata-se do próprio filho de Arik Sharon que, como todos sabem, está internado até agora num hospital, em resultado de um violento derrame cerebral. A sentença está sendo debatida neste momento por todos os meios de comunicação.
Há quem diga que a juíza poderia ter sido mais humana, considerando as circunstâncias do crime e, também, pelo fato de ser esta a primeira vez que alguém é por isto condenado. E também porque a lei é por demais extremista, e que não é possível com ela conviver, nas condições objetivas de qualquer campanha eleitoral. A resposta é que, se esta é a realidade, caberia aos próprios deputados do Parlamento israelense modificar ou abolir a lei.
A decisão do Tribunal está tendo ampla repercussão também pelo fato de estarem implicados, neste momento, quase uma dezena de políticos, dentre eles até dois ex-ministros , também por crimes eleitorais e por suborno.
Já ouço as vozes cínicas e maliciosas – então também em Israel existe corrupção? Sim, existe. Como em qualquer outro país, aqui também ocorrem todos os tipos de contravenções e todos os crimes previstos no Código Penal. Mas o que caracteriza Israel é que o infrator da lei, seja lá quem for, sabe que os atos por ele praticados, se ilegítimos forem, terão conseqüências muito sérias, e a lei se fará sentir contra ele com todo o rigor.
Neste momento me vem à memória o que para muitos foi um incrível episódio, quando no fim dos anos setenta o então primeiro-ministro Itzhak Rabin, de saudosa memória, surpreendeu o país quando apareceu na televisão demitindo-se do seu cargo. E naquela sua forma peculiar, falando num tom pausado e muito sério, explicava as razões de sua demissão. Porque, para ele, os atos praticados por sua mulher eram também de sua responsabilidade pública. E, afinal, qual foi o ‘crime’ da falecida Lea Rabin?
Itzhak Rabin havia sido embaixador de Israel nos Estados Unidos. Retornando a Israel, ao término de sua missão, deixou um depósito de dinheiro, em uma conta bancária, para que a sua mulher pagasse as contas existentes. E esqueceu do assunto. Ocorre que Lea Rabin, após pagas as dívidas do casal, houve por bem manter aquela conta, onde havia um saldo de cerca de US$ 20.000. Naquela época era proibido a um israelense manter contas no exterior. Cumpre assinalar que o dinheiro que havia na conta era o produto de salários e de direitos autorais, que então o Primeiro Ministro recebera. Produto legítimo de seu trabalho.
O Ministério da Fazenda propôs, considerando as circunstâncias, que a pena pela contravenção seria apenas uma multa. Itzhak Rabin decidiu que, sob o aspecto público, ele não podia continuar exercendo as suas funções pelo acontecido. Em não poucos países, muitos não podiam acreditar que o primeiro-ministro de Israel se demitira por uma coisa tão simples,
Numa de minhas viagens ao exterior ouvi de políticos, que me olharam maliciosamente e disseram, que não era verdade o que se publicou e que deveria haver muito dinheiro na referida conta. Claro, para certas mentalidades ou subculturas, o gesto de Rabin foi incompreensível.
Não deixa de ser triste e melancólico o episódio do deputado Omri Sharon. Ao mesmo tempo, é digno de louvor o fato de ser o Judiciário de Israel um poder independente, que atua livre de quaisquer injunções políticas. É um indicativo da democracia israelense em sua plenitude. [Marcos Wasserman é advogado em Israel, Brasil e Portugal, e presidente do Centro Cultural Israel-Brasil em Tel Aviv]
Leitores notáveis – 1
O publicitário Luís Fernando Furquim, leitor desta coluna, apresenta uma bela idéia: ‘Depois da Abraji, bem que se poderia criar uma revisão da excessiva – e não muito séria – premiação da publicidade, marketing, vendas e quetais!’ Vamos lá, Furquim: só é preciso que alguma entidade publicitária, com seriedade semelhante à da Abraji (Associação Brasileira dos Jornalistas Investigativos) tome a peito essa revisão, e ajude a fazer com que cada prêmio ganhe um valor agregado, o reconhecimento de que só o talento e o trabalho são válidos.
Leitores notáveis – 2
O jornalista Mauro Chaves, leitor desta coluna, corrige a citação de um texto seu no artigo de Alexandru Solomon da semana passada: ‘Agradeço a simpática referência feita pelo Solomon a meus textos, mas tenho uma pequena correção a fazer: o termo que uso para os banqueiros é Spreadadores (e não ‘predadores’, que seria muito óbvio)’.
Na pena de quem sabe escrever até os trocadilhos soam belos.
Em compensação
Frase proferida no calor do jogo São Paulo x Caracas: ‘Dá para ver a fragilidade da defesa do ataque do Caracas’.
Bom livro
O jornalista Hugo Studart, um dos astros da IstoÉ Dinheiro, lança na Bienal do Livro, neste sábado, em São Paulo, uma bela obra sobre o Araguaia: A Lei da Selva. O livro será lançado também em Brasília, no bar Monumental, no dia 21. Hugo sabe escrever, sabe contar uma história, e seu livro certamente complementará outra excelente obra sobre o assunto (mas já antiga), a Guerrilha do Araguaia, do também jornalista (e dos bons) Fernando Portela
Explosivo
Um jornalista influente foi gravado tentando convencer a esposa de um empresário a entregar-lhe ilegalmente documentos do marido. Jogo sujo: de acordo com a gravação, a que esta coluna teve acesso, o jornalista, entre outras coisas, disse à referida senhora que seu marido era não apenas infiel, mas também estaria transferindo bens para, na hora do divórcio, não ter muito o que dividir. A esposa resistiu à pressão e gravou as conversas, nas quais, inadvertidamente, o jornalista chega a se identificar pelo nome. Gravou também as intervenções de um parlamentar de grande evidência que trabalhava em conluio com o jornalista, pressionando-a para obter as informações que queria. Também o parlamentar, convencido de que teria êxito, identificou-se na gravação.
É dinamite. Mas nem o marido nem a esposa querem divulgar agora o conteúdo da gravação. Preferem deixá-la para o futuro – um futuro não muito distante. Os leitores deste Circo da Notícia serão os primeiros a saber.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados