Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Linha de comando

A forma como interagimos com máquinas tem mudado rapidamente. Temos celulares que entendem comandos de voz, televisores que leem gestos e reconhecem rostos. Os eletrônicos começam a antecipar a necessidade das pessoas, oferecendo respostas antes que sejam feitas as perguntas. A cada lançamento, ficamos mais acostumados com a interface de linguagem natural, em que nos comunicamos com os dispositivos de uma forma parecida com que nos comunicamos uns com os outros.

No começo da revolução da computação pessoal, no entanto, a interface dominante era a linha de comando. As pessoas tinham de aprender uma linguagem de programação e digitar comandos para que o computador fizesse alguma coisa. A interface gráfica do usuário – com janelas, ícones e mouse – tem 50 anos, mas sua chegada ao mercado de massa aconteceu somente em 1984, com o lançamento do Macintosh pela Apple.

A primeira versão do Windows, da Microsoft, foi lançada no ano seguinte. O computador pioneiro com essa interface gráfica foi o Alto, da Xerox, lançado em 1973, uma máquina cara, que nunca fez sucesso comercial.

Programas simples

A primeira geração de computadores pessoais – como o Altair – era vendida na forma de kits para serem montados por hobbistas. As máquinas que vieram depois – como o Apple I e, principalmente, o Apple II – transformaram o microcomputador num produto de massa, tirando-o do nicho de aficionados.

No Brasil, era a época da reserva de mercado de informática. Os fabricantes internacionais não podiam atuar no País, e clones brasileiros dos computadores globais eram a única opção disponível. Meu primeiro computador foi um D-8000, da Dismac. Era uma cópia do TRS-80, da americana Radio Shack. O TRS-80 foi lançado nos EUA em 1977 e o D-8000 começou a ser produzido aqui quatro anos depois. Antes de fabricar computadores, a Dismac era uma empresa de calculadoras eletrônicas.

O D-8000 tinha memória de 16 quilobytes. Isso equivale a um milionésimo da memória de um iPhone 5 de 16 gigabytes. No lugar de monitor, era ligado a uma televisão em preto e branco. Não tinha disco rígido ou disquetes. Os programas e outras informações eram gravados numa fita cassete, dessas de gravar música.

O computador era ligado a um gravador de fitas comum. As fitas cassetes eram um meio comum de armazenamento no começo da revolução dos PCs. Normalmente, as informações eram gravadas numa velocidade de 2 quilobits por segundo. Um lado de uma fita de 90 minutos tinha capacidade 660 quilobytes. Atualmente, uma imagem num web site pode ter 660 quilobytes.

A interface de computadores como o TRS-80 (ou de seu genérico D-8000) e o Apple II era a linha de comando. Existiam revistas que publicavam os programas de computador como uma lista de comandos, para que os donos das máquinas pudessem digitá-los para depois usar. Você passava horas digitando um programa, e então o gravava na fita cassete. Tinha de tomar muito cuidado para não gravar o começo de um programa no final do outro, porque, se isso acontecesse, todo o trabalho estaria perdido.

Os programas eram bem simples, se comparados aos de hoje. Um dos jogos da época, desses que vinham impressos em revistas, chamava Estrela da Morte, e reproduzia trecho do filme Star Wars, em que Luke Skywalker tinha de destruir a estação espacial do Império Galáctico, com gráficos rústicos e sem som.

Uso de disquetes

Meu segundo computador foi um clone do Apple II, ainda na época da reserva de mercado. O meio de armazenamento já não era mais a fita cassete, mas disquetes de 5,25 polegadas. Cada lado do disquete armazenava 140 quilobytes. Para quem tivesse apetite a riscos, existia um furador, que liberava o uso dos dois lados do disquete. Os fabricantes não recomendavam (diziam que o segundo lado não era testado), mas quase todo mundo usava o furador. Não vi, na época, nenhum disquete com problema.

A interface dos clones do Apple II ainda era a linha de comando, mas as pessoas já não precisavam passar noites digitando programas, pois era possível usar disquetes gravados em outro computador. Com a fita cassete, nem sempre funcionava, pois a velocidade dos gravadores não era exatamente a mesma.

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Renato Cruz é colunista Estado de S.Paulo