Os tradicionais jornais brasileiros ainda estão perdidos em meio à avalanche de mudanças trazidas pelas ondas digitais, cada vez mais intensas mediante a estonteante velocidade da hiperinformação. Essa forjada necessidade de acreditar que se pode saber de tudo a todo instante, 24 horas por dia. A transição do impresso para o digital, que alguns consideram inevitável, levou jornais como a Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo a cobrarem para permitir o acesso dos leitores às suas versões digitais. Houve resistência inicial, mas a queda brusca de receita impôs tais medidas, se não para sanar o problema, ao menos para estancar o sangramento cada vez maior causado pela perda de fiéis leitores de suas versões impressas.
Essa cobrança não é novidade e é adotada por muitos outros jornais de renome em países mundo afora, incluindo o New York Times, para citar o caso mais recente. É aí que reside todo o problema. Cobrar por algo que não se renovou, não vai além do trivial e que apenas migrou para outra plataforma. A qualidade do produto – o jornal – despencou nas últimas duas décadas. O que se oferece hoje nas versões digitais dos jornais brasileiros, além da sensação de estar folheando o jornal virtualmente, é tão ruim quanto à baixa qualidade encontrada no papel, com poucas exceções. E se torna pior ainda quando a comparação é feita entre os sites desses jornais e suas versões impressas.
Os jornais fazem um estardalhaço sobre as facilidades e a praticidade de obter as informações em suas versões digitais por meio de celulares, tabletes, smartphones e outros aparelhos com acesso à internet. Destacam a mobilidade e outras vantagens que a nova plataforma de informação proporciona aos leitores. E muitos são os que compram todos esses “benefícios” e nem se dão conta de que o que acessam é a mesma velha e surrada estrutura informacional do impresso, apenas digitalizado. Não há novidades.
“Textos que permaneçam na memória”
Cobrar pelo acesso à informação é coerente quando o que se oferece é conteúdo de qualidade. Mas os jornais brasileiros estão longe disso em muitas de suas editorias. É necessário voltar a investir na credibilidade. É ela um dos grandes trunfos das empresas jornalísticas tradicionais em meio ao emaranhado de informações imprecisas, incompletas e de má qualidade que circulam nas mais variadas páginas noticiosas da internet.
Noticiar, todos noticiam, mas raros são os órgãos de imprensa que apuram com seriedade os fatos e oferecem textos mais completos e que possibilitam ao leitor maior poder de reflexão. É preciso urgentemente investir em conteúdos diversificados e que ofereçam aos seus leitores a possibilidade de ir além da manchete e do formato tradicional da notícia, no qual qualquer informação é padronizada com o mesmo estilo, o mesmo lide, como se estivesse sendo encaixotada em moldes pré-estabelecidos. Mas como?
A resposta, segundo Filipe Caetano, coordenador do site de notícias Push by IOL, de Portugal, “é regressar às origens [do jornalismo], aos seus fundamentos, e apresentar conteúdos bem mais trabalhados, com tempo, com ponderação, reflexão e análises”. É preciso oferecer aos profissionais tempo para a apuração da informação, a pesquisa de dados e a elaboração de textos mais ricos em conteúdo. “Textos que permaneçam na memória, nos cativem e nos levem a querer guardá-los”, diz Caetano em seu artigo “Slow journalism, un movimiento imparable“.
A contribuição do leitor
Na mesma linha de raciocínio segue Zizi Papacharissi, diretora do Departamento de Comunicação da Universidade de Illinois, em Chicago, e editora do Journal of Broadcasting and Electronic Media. Mediante as inovações trazidas pela transição do impresso para o digital fica cada vez mais evidente a necessidade “do regresso do sentimento à redação, à cocriação e edição de notícias”. E ela não está falando de “notícias sentimentais, e sim de notícias melhor produzidas, por meio de um sentimento que guia, dirige, informa e pluraliza os novos processos e valores” desta nova etapa do jornalismo que começa a surgir, ainda timidamente, em meio às inovações tecnológicas e à migração para a plataforma digital.
Não há mais espaço para continuar a se produzir jornais com a mesma visão que se tinha até então. As empresas precisam compreender que para manter seus leitores e atrair outros é necessário, por um lado, investir em profissionais experientes, capazes de ir além de notícias pré-fabricadas e produzir textos mais profundos, ricos em análises e que explorem facetas que as mídias sociais e as inúmeras páginas de sites noticiosos não oferecem, por se prenderem a apenas narrar os fatos de forma sucinta e sem reflexão. E por outro, é preciso permitir maior interatividade entre os leitores e a redação, não apenas criando espaços para se comentar as notícias – canal de comunicação carente de intermediação e que acaba por desestimular o debate, em vez de promovê-lo.
Pior ainda é quando os profissionais e a própria empresa perdem o foco e passam a filtrar a informação recebida (ver, neste Observatório, “O jornalismo perdendo o foco”). A contribuição do leitor deve ser utilizada, quando útil e coerente, para a troca real e efetiva de informações que visem a atualizar a notícia, seja corrigindo-a ou acrescentando novos dados que permitam melhor compreender o fato narrado.
Tomara que os jornais se reinventem
É necessário ainda, de forma gradual, dar passos maiores, agregando às notícias uma gama de serviços que complementem a leitura. O Estadão começou timidamente a fazer isso ao vincular vídeoaulas de professores de diferentes universidades do Brasil e do exterior às suas matérias do caderno de Economia. Em sua parceria com o site Veduca deu um passo enorme diante do quase nada feito até então. Não há fórmulas prontas, mas muitas possibilidades.
É preciso ir além e inovar. “Estamos na era da ousadia, onde a melhor defesa pode ser o ataque, baseado na experimentação e na inovação”, argumenta o jornalista e consultor em comunicação corporativa, Dirceu Martins Pio, em seu artigo “Jornalismo, jornal, jornalista“, publicado no Observatório da Imprensa.
Investir no noticiário local e regional de forma mais profunda, segundo Pio, pode ser uma das saídas para manter leitores, trazer os que se foram e tantos outros que estão em formação neste novo mundo digital. Algo que o Zero Hora, de Porto Alegre, RS, faz muito bem há muito tempo, basta ver dois exemplos: “Filho da rua”, uma notícia narrada em capítulos e que conta a vida de um garoto de rua; e “Sonhos de educação”, em que quatro personagens narram suas vidas a partir de suas perspectivas educacionais. Iniciativas que fogem ao formato tradicional de apresentar as notícias e fazem uso das novas tecnologias para apresentar aos leitores dados mais ricos e completos acerca dos temas tratados.
Há exemplos bons Brasil afora. Há mudanças em curso no jornalismo mundial. Tomara que cheguem logo ao alcance de nossos mouses e de nossos dedos, que freneticamente deslizam em busca de novas informações de qualidade. Tomara que os jornais brasileiros se encontrem nestes novos tempos e se reinventem.
******
Vanderlei Orso é editor, São Paulo, SP