A notícia de que o Estado de S.Paulo está passando por uma reformulação radical provoca muitas discussões nas redes sociais, especialmente entre os jornalistas. O debate é intenso no grupo chamado “Extadão”, criado no Facebookpor ex-integrantes do jornal paulista. Um misto de indignação, revolta e inconformismo perpassa as mensagens, como a demonstrar a profundidade do engajamento que marcou a passagem de muitos desses profissionais pela casa dos Mesquita.
Com o início das demissões anunciadas, o “Extadão” recebe novos membros desde sexta-feira (5/4).
Havia especulações sobre cortes desde o início do mês, mas o novo projeto acabou surpreendendo pelas mudanças radicais na configuração tradicional do diário. Alguns detalhes da mudança, parte do projeto de redução de custos iniciado em 2010, foram divulgados por sites especializados antes de terem sido comunicados à redação.
A partir do dia 22 de abril, uma segunda-feira, o Estadão será composto de três cadernos básicos que concentrarão os temas principais, mais o suplemento do dia, e será feita a unificação das duas edições atuais – São Paulo e Brasil – em uma só, com fechamento às 21h30.
No comunicado oficial, que foi distribuído em nome do diretor de Conteúdo, Ricardo Gandour, a empresa afirma que a iniciativa foi recomendada por pesquisas segundo as quais “os leitores em geral – e também os do Estado – querem mais conveniência e eficiência no consumo da informação, sem abrir mão do aprofundamento e da análise”. Ainda que a mesma frase tenha sido repetida posteriormente, desta vez creditada ao diretor superintendente do grupo, Francisco Mesquita Neto, o comunicado esclarece que a reestruturação foi definida a partir de uma revisão detalhada de “todo o processo produtivo”.
Não se trata, portanto, de uma mudança no conceito do jornal: é apenas a radicalização de um processo de enxugamento iniciado ainda na gestão do ex-presidente Silvio Genesini, que representou uma tentativa frustrada e desastrada de profissionalizar a direção da empresa.
A justificativa é parte dos discursos da mídia tradicional há mais de duas décadas. Diante dos imensos desafios que as empresas jornalísticas enfrentam neste início de século, tudo indica que a montanha estremeceu, roncou… e pariu um rato.
Um passo adiante
O contexto lembra a anedota popularizada por Augusto Boal na obra A deliciosa e sangrenta aventura latina de Jane Spitfire e creditada a variados ditadores militares latino-americanos: “Estávamos à beira do abismo. Agora vamos dar um passo adiante”.
A visão que conduz essa decisão pode ser resumida numa frase do informe distribuído internamente aos funcionários do jornal: “Tais providências se inserem na necessária e permanente gestão de recursos, imprescindível para a competitividade da (nossa) marca e seu lugar no futuro das mídias”.
E qual seria, afinal, o lugar do Estadão e dos outros títulos tradicionais no futuro da mídia?
Com o olhar focado obsessivamente na gestão de recursos, sem levar em conta a complexidade das mudanças que vêm afetando o setor, não há espaço para muito otimismo. Com exceção do grupo Globo,que se vale da cumplicidade de agências de publicidade para extrair recursos dos anunciantes – sem oferecer garantias de contrapartida em termos de eficiência –, as demais empresas jornalísticas deveriam estar buscando estratégias mais amplas do que a velha prática de demitir trabalhadores para corrigir erros de gestão.
Muito além do custo operacional, é preciso rever todo o contexto em que se pratica o jornalismo nesta era de grandes mudanças sociais e tecnológicas. A crise da mídia não nasceu com o surgimento da internet, mas se agravou diante da incapacidade das empresas de entender as transformações que as novas mídias iriam provocar, a começar do próprio conceito de notícia.
No Brasil, talvez o grupo Folha tenha sido a empresa que investiu mais acertadamente, desde o grupo de executivos fundadores, num projeto que previa a substituição da mídia de papel pelo meio digital. Ainda assim, há grandes dúvidas sobre a as chances de sobrevida de sua marca tradicional.
Muito ainda se vai dizer sobre o atual projeto do Estadão, e é até possível que seus resultados financeiros venham a satisfazer os acionistas no curto prazo. Mas não é com eufemismos como “eficiência de leitura” – que não quer dizer nada –, que se vai reverter o processo de desmanche que ameaça o setor.