Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Narradores aos berros

Os donos do espetáculo no futebol brasileiro parecem não ser mais jogadores e técnicos, além, claro, a torcida. De uns tempos pra cá, a genialidade de um Ronaldinho Gaúcho e Robinho ou a explosão de um Ronaldo e Adriano passou a ser atração de pouco valor na transmissão esportiva. Artistas são os profissionais que seguram o microfone. O show está fora de campo, no espaço reservado à imprensa.

De lá, saem gritos com decibéis acima do permitido. O Brasil vive a era dos narradores-espetáculo. A eles são pagas fortunas para berrar nos ouvidos do torcedor. Quanto mais estridente a narração de gol ou a defesa do goleiro, mais robusto o contracheque. Éder Luiz, da TV Record, e Nivaldo Prieto, da TV Bandeirantes, encabeçam a lista dos berradores. E não se sabe qual dos dois berra mais. É páreo duro.

Tentam impressionar quem está em casa com uma narração movida a gritos. Tudo em nome da audiência. Esquecem que do outro lado está alguém que escolheu acompanhar a transmissão de uma partida de futebol, e não um concurso de gritos. O mais chato é ter que ouvir o gol do adversário num tom lá nas alturas, e o do seu time com uma frieza irritante.

Na TV fechada, os exageros desses profissionais do microfone são menores. No Sportv, por exemplo, o narrador Milton Leite é um dos poucos que saem do padrão. Nada que se compare – que fique bem claro – a Éder Luiz e Prieto, que estão anos-luz à frente dos demais em termos de gritaria.

No rádio também

Na Globo, Luiz Roberto é o único que tem os decibéis um pouco desregulados. Isso fica evidente quando ele narra um gol, claro, o momento maior do futebol. Por isso mesmo não pode ser sufocado pelos gritos de quem o narra. Cléber Machado talvez seja o que mais se aproxima da locução perfeita. Não exagera. Mas também não deixa ninguém dormir na frente do televisor.

Galvão Bueno é um caso à parte. Já mereceu extensos debates. Não se sabe ao certo qual sua função na transmissão de uma partida de futebol. É um curinga. Está em todas. Não é difícil vê-lo fazendo as vezes dos comentaristas Casagrande e Falcão, por exemplo. Em outras ocasiões, põe-se a discutir com Arnaldo César Coelho de quem faz questão de dizer, insistentemente, que ‘é meu amigo faz anos’.

O rádio também abriga os amantes do berro. A Jovem Pan entra na disputa com Nilson César, imbatível no segmento da narração esportiva fora do normal. Ele extrapola tanto que o ouvinte não sabe se ele está narrando gol ou a defesa do goleiro. Os demais profissionais da emissora paulista fazem uma transmissão tecnicamente normal, como deve ser. A exemplo de Cléber Machado, José Silvério, da Rádio Bandeirantes, é um dos narradores mais equilibrados do rádio. Faz o que deve ser feito: põe vibração em suas transmissões sem agredir os ouvidos de quem está colado ao radinho. A narração de um gol feita por Silvério é uma das coisas mais bonitas do futebol. Há quem discorde, claro.

Menos, pessoal

Do lado oposto, estão os narradores-calmante – aqueles que não conseguem dar meio-termo a suas narrativas. Um deles é o apresentador Maurício Torres, que deixou a Globo para virar narrador do primeiro time da TV Record. E dos piores. Torres bem que poderia voltar a sua função anterior, a qual exercia com certa competência e desembaraço.

O melhor calmante de todos, no entanto, foi-nos apresentado pelo Sportv na quinta-feira (2). O profissional, de cujo nome não me recordo (e também não encontrei qualquer menção sobre ele no site da emissora), transmitiu Palmeiras e Atlético Nacional pela Taça Libertadores [é Rob Porto, ex-ESPN]. Como santista, tentei azarar o time de Leão. Mas não deu. O sono bateu forte. O cara é imbatível nesse quesito, tal qual Eder Luiz e Prieto no outro.

De tudo isso se pode chegar a uma conclusão: é mais fácil fazer um narrador-calmante – como o novo contratado do Sportv – dar mais emoção a sua narrativa do que diminuir os decibéis disparados por um Eder Luiz ou Nivaldo Prieto. Estes são movidos pelos gritos. E há quem goste. Que o digam os responsáveis por suas contratações. Menos, pessoal, menos. Saibam que, por enquanto, os artistas ainda estão dentro do campo.

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Jornalista em Brasília