Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Foco errado

O caso do estupro de uma turista em uma van e a queda de um ônibus de um viaduto, ambos ocorridos no Rio de Janeiro nas últimas semanas, deram origem a uma profusão de notícias sobre os problemas do transporte público na cidade. Embora muitas das reportagens atentem para a precariedade de tais serviços, chama a atenção a quantidade de matérias focadas nos “antecedentes” do motorista do ônibus acidentado e seu suposto agressor, em comparação com o tímido espaço concedido a textos que abordavam o pano de fundo dos acontecimentos em questão.

No geral, a cobertura da imprensa se centrou no levantamento das fichas criminais dos personagens envolvidos na queda do coletivo, o que redundou em matérias que davam conta, por exemplo, de que o estudante que teria chutado o motorista já tinha duas passagens pela polícia – ambas por agressão – e que este último já fora acusado por sua mulher pelo mesmo delito. Em paralelo, deixou-se passar a oportunidade de pautar temas que estão, de fato, na raiz das mazelas associadas ao transporte de massas no Rio de Janeiro, como o poder das máfias que controlam vans e ônibus no Rio.

Trata-se de uma disparidade cuja lógica só pode ser atribuída a dois aspectos: o caráter espetacular que a mídia procura explorar em suas reportagens – e que fica evidente quando o lide da matéria se baseia no relato de que, certa vez, o agressor do motorista jogou um vaso de plantas na proprietária do apartamento onde morava – e a parcial submissão dos grandes veículos de comunicação aos interesses de políticos e empresários.

Uma morte atrás da outra

Afinal, é de notório conhecimento que a formação de cartel entre as empresas de ônibus cariocas, bem como o domínio do negócio das vans na cidade por milícias, conta com as vistas grossas das autoridades (in)competentes.

Para não ficar só na crítica negativa, cabe destacar a coluna de Artur Xexéo (O Globo, 4/5) em que o jornalista, ao comentar o acidente e o estupro, adverte para o fato de que o Rio de Janeiro insiste em se olhar no espelho sem ver o que realmente é por baixo de sua maquiagem. De quebra, Xexéo lembra que o BRT, “única novidade no transporte público nos últimos anos” na cidade, vem provocando uma morte atrás da outra, e ainda critica a falta de blitze para as vans.

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João Montenegro é jornalista, Rio de Janeiro, RJ