Devido aos intensos acontecimentos nos últimos anos, as empresas jornalísticas – e não o jornalismo – estão sofrendo grandes golpes em seu faturamento anual e procuram desesperadamente novas formas de monetizar suas atividades, gerando uma receita que seja minimamente compatível com a subsistência do veículo. É triste pensar dessa forma, mas o que temos visto por aí são inúmeros meios e profissionais afirmando que para sustentar o jornalismo é preciso recorrer a outros canais, principalmente em pequenos veículos.
O que isso significa na prática? Bom, a ideia central seria ter outras fontes de renda para sustentar o jornalismo. O jornalismo teria um papel possivelmente secundário, já que quem puxaria a conta para o azul seriam serviços paralelos, como a venda de produtos, dados e tecnologia, ações que já são comumente aplicadas pelas startups de jornalismo digital, onde a máxima é “sobreviver já é um enorme sucesso”.
Acontece que não basta apenas produzir um conteúdo de qualidade, é preciso entregá-lo. Não basta produzir jornalismo, é preciso que a empresa de mídia seja sustentável como negócio e entregue de forma eficiente o seu produto. Sim, a notícia, mesmo contanto com todos os moldes éticos baseados em princípios e valores tanto do jornal como da sociedade, é um produto que precisa ser financiado para ser produzido. Pode ser financiado pelo Estado, pela sociedade (doações), publicidade ou com receitas mistas, mas sempre é importante frisar que não basta produzir jornalismo, é preciso entregá-lo e, com isso, manter um ciclo vicioso de vida.
Os conceitos de entrega de valor
Por sua vez, esse produto que o jornalismo entrega não precisa ser, necessariamente, somente a notícia, a reportagem ou a entrevista. O jornalismo pode entregar valor. Um veículo que entrega credibilidade, reputação, exclusividade, confiança e qualidade ganha, consequentemente, um aumento nas vendas em bancas, assinaturas, venda de produtos paralelos, audiência (quando falamos de portal, rádio ou TV) e, logicamente, ganha um retorno com publicidade. O jornalismo precisa repensar como quer ser visto pelos leitores para, posteriormente, poder “cobrar por isso”. Como? Fidelizando o leitor, não a audiência.
Na web, por exemplo, temos a possibilidade de construir pequenos canais independentes de mídia, com modelos de negócio mais ousados e, talvez, mais inovadores do que aqueles utilizados pelos grandes conglomerados, uma vez que quanto maior for uma empresa jornalística, mais difícil será modificar seus pilares. Se levarmos em conta que uma empresa de mídia é, sim, uma empresa como qualquer outra, repensar seu modelo de negócio em uma época de crises e incertezas é mais do que fundamental.
Entretanto, é preciso definirmos, antes de tudo, o que vem a ser um modelo de negócio. Segundo a maior enciclopédia do mundo, a Wikipédia, modelo de negócio “é a forma pela qual uma empresa cria valor para todos os seus principais públicos de interesse. Sua utilização ajuda a ver de forma estruturada e unificada os diversos elementos que compõe todas as formas de negócios”. No blog Sobre Administração, encontramos como conceito de modelo de negócio “o documento na qual sua empresa desenvolve os conceitos de entrega de valor aos seus públicos de interesse, sejam eles shareholders (acionistas) ou stakeholders (colaboradores) de sua empresa. Ele, geralmente, é formado por conceitos utilizados no desenvolvimento da empresa”.
Os nove blocos dos novos modelos
Em uma explicação mais simples, modelo de negócio é a lógica pela qual a empresa existe, se sustenta e gera valor, ou seja, é a forma pela qual ela gera receita e se mantém de pé. Quando aplicamos isso no jornalismo, logo de cara nos deparamos com um problema sério: por um lado os gestores querem reduzir custos e tornar a cadeia mais enxuta. Por outro, os jornalistas querem mais investimento para um trabalho mais profundo e com maior qualidade. Encontrar o equilíbrio entre esses dois mundos é o diferencial na elaboração de um modelo de negócio inovador para uma empresa de jornalismo.
E para essa elaboração podemos recorrer a um método que tem revolucionado a maneira que as empresas estão elaborando seus respectivos modelos de negócio. O livro Business Model Generation, escrito por Alexander Osterwalder e mais algumas centenas de colaboradores em 45 países, traz uma maneira nada convencional de enxergar um modelo de negócio. A ideia central é enxergar de forma “tridimensional” todo o processo de elaboração do seu negócio.
O método Canvas, como é conhecido, nada mais é do que uma ferramenta auxiliadora para, literalmente, desenhar novos modelos de negócio para projetos já existentes ou que ainda possam surgir. O processo conta com nove blocos específicos que apesar de independentes, são complementares, formando duas grandes zonas (direita e esquerda), tal como os lados direito e esquerdo do cérebro (criatividade e raciocínio). Os nove blocos são: clientes, valor, canais, relacionamento, caixa, recursos, atividades, parceiros e, por fim, os custos.
O bloco do público-alvo
Vamos discutir a primeira gama de blocos do modelo Canvas. Ela é relacionada com o lado direito do cérebro, o chamado lado criativo. Nesse segmento estão cinco blocos: clientes, valor, canais, relacionamento e caixa. Adaptando o método Canvas para empresas de jornalismo, é possível traçar um cenário singular para que jornalistas e empreendedores possam criar – ou recriar – soluções em veículos pequenos, já que talvez seja esse o grande atrativo da web.
Apesar de o modelo ser um referencial genérico para qualquer tipo de empresa, o que vamos desenhar aqui é uma ideia de como aplicar algumas ideias e conceitos propostos pelo autor no universo do jornalismo, com suas respectivas particularidades e diferenças, já que não trabalhamos necessariamente com produtos ou serviços, mas com opiniões. Por isso o modelo de negócio se faz necessário já que enxergarmos quem são os nossos clientes, quais valores iremos entregar ou como iremos entregar é de fundamental importância. Vamos lá.
1. Clientes
O bloco cliente é onde fica o delineamento do público-alvo. No nosso caso, leitores, telespectadores, ouvintes ou usuários de portais e blogs. Nesse bloco o mais importante é definirmos uma espécie de “lead” do nosso público, ou seja, saber quem ele é, o que faz, como faz, quando faz, o que utiliza para fazer e até mesmo o motivo que o leva a fazer. O levantamento de dados, características, costumes e hábitos é essencial para sabermos com qual tipo de mercado iremos lidar:
>> Massa (público massivo);
>> Segmentado (um segmento específico);
>> Nicho (ultrassegmentado)
>> Diversificado (quando trabalhamos com mais de um modelo)
Ter em mente quem irá consumir nosso produto e como ele será consumido é fundamental para darmos os primeiros passos, seja no desenvolvimento de um modelo de negócio ou até mesmo no desenrolar do produto.
O relacionamento com o cliente
2. Valor
O que vamos entregar como proposta de valor para o cliente? Mais uma revista, um site ou um jornal impresso? Mas qual será o nosso diferencial entre os demais veículos? Seja qual for o produto jornalístico que iremos trabalhar, é preciso que ele leve em consideração qual problema específico está resolvendo, caso contrário o leitor não encontrará um diferencial significativo (valor) e pode optar por não adquirir aquele produto.
No jornalismo, esse referencial pode estar, por exemplo, na novidade enquanto produto, no preço mais acessível, na qualidade do conteúdo ou até mesmo do meio (papel, por exemplo), no formato ou, quem sabe, no modo como é concebido, como co-criação e financiamento com base em recursos oriundos da sociedade. O importante é deixar bem claro o que temos para entregar.
3. Canais
Nesse ponto dois fatores essenciais são trabalhados: comunicação e alcance. Os canais podem ser os meios pelos quais iremos divulgar uma campanha com o intuito de tornar o produto conhecido, os meios pelos quais o cliente irá adquirir o produto e até mesmo os meios por onde se dará o relacionamento, tanto antes como depois da venda.
É interessante responder questões do tipo “como será feita a entrega” ou “quais canais são mais eficientes e com menor custo”. As vendas serão feitas em lojas especializadas de alto padrão somadas com vendas na internet? A entrega será feita de maneira gratuita? Nesse bloco, cinco fases são fundamentais:
>> Divulgação: tornar o produto conhecido;
>> Avaliação: ter canais ou meios para que o leitor avalie a nossa proposta de valor;
>> Compra: meios para que o leitor compre o produto;
>> Entrega: canais eficientes para que o produto seja entregue;
>> Pós-venda: canais de relacionamento.
4. Relacionamento
Como será o relacionamento do veículo com o cliente? Sabemos que o jornalismo é uma empresa e, assim como as demais, precisa conquistar clientes, retê-los e vender seus produtos. Como será feito o relacionamento com o intuito de fortalecer a marca e gerar mais vendas? Todo o procedimento de relacionamento deve estar integrado com a estrutura da empresa. Para ter um relacionamento diferenciado e pessoal, por exemplo, é preciso ter pessoal extremamente capacitado e treinado. Para um relacionamento automático, é preciso que o sistema funcione.
As empresas que querem serviços e produtos
5. Caixa
Para a surpresa de muitos, todo jornalista precisa se alimentar, se vestir, estudar e ter momentos de lazer. Para isso dinheiro e disposição são necessários, por isso é importantíssimo ter em mente quais são as fontes de receita do seu produto. Como o negócio irá se sustentar? Até onde o cliente está disposto a pagar pelo seu produto? Há canais alternativos de receita? Alguns exemplos que acontecem com startups de jornalismo digital estão na diversificação do caixa com os mais variados produtos e serviços, com o intuito de sustentar o jornalismo. Exemplos:
>> Publicidade;
>> Venda de conteúdo;
>> Marketing de afiliados;
>> Doações;
>> Venda de dados;
>> Venda de tecnologia;
>> Freelancer;
>> Treinamento;
>> Organização de eventos;
>> Venda de produtos;
>> Consultoria;
>> Palestras.
Note que alguns modelos de receita, como a venda de conteúdo, consultoria e venda de tecnologia, inserem um novo tipo de cliente no contexto: outras empresas. Para isso, é importante refazer alguns pontos e inserir no seu modelo de negócio como será o relacionamento com essas empresas-clientes, qual é a proposta de valor que você irá entregar e, acima de tudo, quais são os canais que serão utilizados para atingi-los. Desse modo, o seu veículo passa a atingir não só os consumidores finais, mas também empresas que queiram seus serviços e produtos. Por isso ter um modelo de negócio bem delineado e denso é importantíssimo para veículos pequenos que estão nascendo já em uma era hiper descentralizada.
Omais competitivo possível
Por fim iremos falar sobre a segunda metade de blocos do método Canvas, que está correlacionada com o lado esquerdo do cérebro, o chamado lado racional, lógico. Nele se encontram 4 blocos distintos fundamentais para a criação de um modelo de negócio. São eles: recursos, atividades, parceiros e custos. Esses quatro blocos finais permitem que olhemos uma organização jornalística sob uma ótima mais empresarial, não a diferenciando de maneira tão distante de outras corporações.
Com esses blocos é possível estruturar o modelo de negócio com moldes mais concretos. Aliás, eles basicamente se resumem a isso, pois são a estrutura concreta do empreendimento, como ele funciona, o que precisa para funcionar e quanto custa para mantê-lo em atividade. Talvez em um primeiro momento seja difícil associá-lo ao jornalismo, mas vamos adaptá-lo para que possamos enxergar de uma maneira maximizada a modulação de um novo projeto.
6. Recursos
Quais são os recursos necessários para que você possa dar continuidade ao seu projeto ou possa criar um do zero? Quando você responder a essa pergunta, tenha em mente que esses recursos vão desde materiais físicos, como computadores, salas de escritório, parque gráfico, servidores ou outros aparelhos tecnológicos, até o famoso capital humano, que são os profissionais necessários para que o projeto aconteça. Há, ainda, o recurso financeiro e o intelectual, este último englobando itens como patentes, registros de marcas etc.
É importante ressaltar que esses recursos devem responder toda a cadeira de blocos do Canvas, como relacionamento, canais de entrega, criação e elaboração do produto e afins. Recursos significam, basicamente, os artifícios que estruturam a sua empresa, que a fazem funcionar.
7. Atividades
Nesse ponto incluímos as atividades necessárias para manter em funcionamento toda a cadeira de blocos anteriores, como relacionamento, produção do produto ou os canais. É importante ter em mente que um jornal vai muito além do jornalismo, por isso as atividades podem incluir, por exemplo, a manutenção periódica dos servidores que hospedam o site ou até esmo o treinamento do pessoal que está na linha de frente do call center, já que eles podem ser grandes responsáveis por conseguir conquistar e reter clientes. Coloque todas as atividades no papel procurando visualizar a empresa como um todo, deixando “de lado” o jornalismo.
8. Parceiros
Um dos principais blocos é o chamado parceiros. Nele, principalmente em uma empresa de jornalismo, estão itens como a gráfica ou uma empresa de logística. Se o seu jornal circula em uma cidade pequena ou em uma pequena região de municípios, é praticamente impossível manter o seu próprio parque gráfico ou sua cadeia de entrega. Por isso, nesse ponto, escolher estrategicamente a gráfica responsável pela impressão do jornal pode fazer toda a diferença, seja na qualidade, nos custos e, principalmente, no compromisso de realizar a impressão, e escolher estrategicamente a empresa responsável pela entrega pode fazer toda a diferença entre ter um jornal pela manhã e não ter.
Outros parceiros são empresas de contabilidade, advogados, agências de publicidade, fornecedores, empresas de hospedagem, técnicos e mais uma infinidade de parcerias que uma empresa deve construir criteriosamente para conseguir se movimentar de maneira saudável e sustentável dentro do mercado.
9. Custos
Por fim nós temos os custos. É importante listar os principais custos de uma empresa, que englobam os custos com recursos, atividades, funcionários, manutenção, parceiros, treinamento, advogados e mais uma série extensa de possíveis custos. É fundamental também ter mecanismos para que, sempre que possível, soluções inovadoras sejam aplicadas para que esses custos sejam reduzidos, pois isso pode refletir, muitas vezes, em maneiras mais eficientes de se produzir o produto final ou, quem sabe, conseguir preços mais competitivos frente a um mercado de grande abundância de informações gratuitas circulando na web. Lembre-se que na web existe a lenda de que ninguém quer pagar por informação, por isso procure sempre ser o mais competitivo possível, seja com qualidade ímpar ou custos acessíveis.
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Cleyton Carlos Torres é jornalista, blogueiro e editor do Mídia8!