Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Comportamento dos leitores é arma secreta do jornal na web

Por mais de um século, agências de notícias sabiam bem pouco sobre seus leitores: quem eram, o que faziam, que outras coisas liam. Desde que os jornais entraram para o ambiente digital, duas décadas atrás, vêm juntando grandes quantidades de informação sobre seus leitores. Informação esta que o Financial Time agora usa para atrair mais leitores e fazer seu produto mais competitivo, diz seu CEO, John Ridding.

Com sede em Londres, o FT emprega mais de 600 jornalistas pelo mundo e possui média de 2,1 milhões de leitores diários. O jornal terminou 2012 com circulação paga de 602 mil exemplares, 28% a mais que cinco anos atrás. Pela primeira vez, o número de assinaturas digitais ultrapassou o de impressas, com 316 mil contra 286 mil.

Apesar disso, a empresa é pouco lucrativa: ano passado, o FT Group (unidade da Pearson responsável, entre outros, pelo FT, o site FT.com e 50% da Economist) teve uma margem de lucro operacional de 11% sobre seu faturamento de 568 milhões de dólares. Em novembro, a agência Bloomberg reportou que o jornal estaria à venda, mas a Pearson rapidamente negou a notícia.

Usando a paywall para coletar dados

O Financial Times foi um dos primeiros jornais a adotar planos de assinaturas digitais, chamados de “paywall”, em 2007. Foi pioneiro em introduzir um modelo que só requer pagamento após a leitura gratuita de vários artigos. Hoje, as assinaturas compõem mais da metade da receita do jornal, enquanto a publicidade representa apenas 39%. Este ano, o FT espera gerar mais dinheiro através das assinaturas que da publicidade.

“É um assunto importante na transformação do nosso modelo de negócios”, diz Ridding. O CEO atingiu o posto através do lado editorial do jornal, como correspondente em Paris e na Coréia antes de conseguir cargos executivos. Ele foi nomeado executivo-chefe do jornal em 2006, assumindo o cargo de CEO da unidade FT Group no mês passado.

Questionado sobre o aumento no número de assinaturas do jornal, Ridding diz que “é uma espécie de combinação de ciência e arte”. “Cinco ou seis anos atrás, nós começamos um novo modelo de mídia, cobrando por acesso através de um sistema de paywall. Quando nós começamos isso, era primariamente feito para conseguir receita através da internet, mas o que se tornou mais importante com o tempo foi a informação sobre os usuários que os dados nos deram. Foi isso que transformou o negócio”, afirma.

Analisando os dados de seus leitores, o Financial Times é capaz de reconhecer seus padrões de comportamento antes de comprarem assinaturas. “Nós vemos que tipo de artigos estão lendo e com que frequência, e começamos a mapear isso”, explica Ridding. “Pessoas realmente se comportam de maneira previsível”.

Enquanto as paywalls sempre foram vistas como uma maneira de afastar leitores que não são assinantes, o Financial Times as vê como uma maneira de atrair novos assinantes. O site do jornal pede que seus leitores se registrem para ler até oito artigos gratuitamente por mês. É assim que o jornal coleta suas informações. Os mais de cinco milhões de usuários registrados declararam seus e-mails, seus CEPs, empregos e posição financeira. Os registrados são, claramente, mais aptos a se tornarem assinantes no futuro.

Ridding diz que a abordagem baseada em dados também está transformando o marketing e a publicidade. As informações coletadas permitem que os anúncios sejam voltados para leitores de profissões específicas. Aliada a isso, o jornal oferece uma ferramenta que permite analisar o resultado das campanhas publicitárias comparadas com seus concorrentes. Durante e depois das campanhas, os anunciantes podem ver quem clicou nas propagandas e mudar seu planejamento.

“Nós podemos provar imediatamente a efetividade da publicidade e mostrar as informações aos anunciantes”, diz Ridding. “Publicitários devem justificar todo o dinheiro que gastam. Nosso trabalho é oferecer ferramentas e informações que justificam a decisão de fazer uma campanha em nosso jornal e não nos outros”.

Os dados e a redação

Desde que implantou sua paywall, o Financial Times não só coletou informações para vender assinaturas ou publicidade, mas também para saber que produtos editoriais caem no gosto do público.

A redação do jornal ainda funciona de forma igual ao ciclo de um jornal diário, publicando grande parte de seus textos no período da manhã. Mas as informações de acesso sugerem que os leitores procuram por novas informações além do começo do dia.

“O Financial Times existe há 125 anos e muito da estrutura construída pelos anos deixou de refletir as necessidades dos nossos leitores”, observa Ridding. “O núcleo de nossa iniciativa de priorizar o setor digital é realocar recursos para a edição e publicação digital. Estamos movendo funcionários do período da noite para o dia, realocando energia e recursos para os períodos que os leitores querem”.

Como parte da mudança, o jornal anunciou em janeiro a demissão de 25 funcionários e a contratação de 10 pessoas para cargos na edição digital. Em uma declaração enviada por email, o editor Lionel Barber disse que o Financial Times precisa servir primeiramente à plataforma digital, e depois ao jornal.

Isso não significa que o FT está a caminho de se tornar um serviço de notícias imediatas, 24 horas por dia. “Não é o nosso trabalho, não é o que nos faz ser especial”, diz Ridding. “Mesmo assim, penso que as pessoas querem acessar nossos canais a qualquer momento. As coisas evoluem e mudam durante o dia de negócios. Nós devemos refletir essas mudanças”.

Para ajudar nessa missão, o jornal planeja lançar o “Fast FT”, que oferecerá comentários em tempo real sobre o mercado. Ridding enfatiza que não é um serviço de notícias imediatas, mas um canal para divulgar análises e contextualizar as notícias.

O CEO diz que o jornal também está focado em se conectar com seus leitores, criando e aprofundando as comunidades formadas ao redor do conteúdo. “Muitos de nossos leitores são especialistas em seus campos de trabalho. Nós queremos criar conversas de alta qualidade entre nós e eles”. Para isso, o jornal está desenvolvendo uma série de ferramentas para compartilhamento e discussão de conteúdo. Uma delas, a FT Newslines, é um serviço que permite professores e estudantes criarem e compartilharem anotações sobre os artigos, disponibilizando comentários de um professor ou de uma classe, ou de vários especialistas de diferentes escolas.

O Financial Times é cuidadoso em monitorar o número de visualizações. Ridding diz que a empresa está “atenta” aos números, mas acredita que sua importância é superestimada. “A indústria trouxe uma série de problemas ao focar somente em número de visualizações. Frequência, leitura, retorno de leitores. É nisso que anunciantes e jogadores mais sofisticados estão focados.”

“Dito isso, quando nós vemos certo recurso ganhando atenção, como as commodities nos últimos anos, isso nos ajuda a tomar decisões sobre a cobertura de outros setores”, ele ressalta. “Mas nós temos que ser cuidadosos. Pessoas assinam e leem porque confiam no julgamento de editores experientes. Para nós, é isso que significa o Financial Times, e nunca irá mudar”.