Na década de 1950, quando tiveram início as transmissões de TV no Brasil, funcionários do Ibope saíam batendo de porta em porta, perguntando: que canal você está sintonizando agora?
Seis décadas depois, os aparelhos de TV estão em 95% dos domicílios brasileiros e quem quer bater à porta são os alemães: o instituto GfK, que pretende concorrer com o Ibope na aferição da audiência de TV no Brasil.
As conversas do GfK com seus potenciais clientes -emissoras e agências de publicidade- começaram em dezembro de 2012.
O instituto, que atua em mais de cem países, entre eles EUA, Holanda e Portugal, e é a quarta maior empresa de pesquisa do mundo, planeja quebrar o monopólio do setor no Brasil: o Ibope é o único a aferir a audiência da TV.
Record e SBT, que disputam o segundo lugar no ranking de audiência da TV aberta e que sempre questionam dados do Ibope, foram as primeiras a ouvirem a proposta dos alemães. Mas logo RedeTV!, Band e Globo se interessaram pela novidade.
O GfK oferece amostragem de pesquisa maior que a do Ibope, peoplemeters (aparelhos instalados nas residências para aferir a audiência) mais modernos e dois serviços ainda não implementados pelo Ibope: medição de audiência de programas gravados e assistidos depois pelo espectador e, mais adiante, daqueles vistos em tablets, computadores e celulares.
Na fase inicial, o GfK planeja aferir audiência da TV aberta e da TV paga em 15 regiões do país, com amostragem de 8.000 domicílios -35% maior que a do Ibope.
O serviço deve entrar em funcionamento um ano após a assinatura dos contratos. Procurados, Globo, Record, SBT, Band, RedeTV! e GfK confirmam as negociações, mas não revelam detalhes.
“Não é a primeira vez que outro instituto tenta medir audiência no país”, diz Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope. “Mas não há espaço para dois [neste mercado]. No mundo inteiro é assim: só um fica.”
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Para Ibope, rival endossará suas pesquisas
Presente no Brasil há 22 anos com pesquisas de mercado, o GfK demonstrou somente agora a intenção de fazer frente ao Ibope, instalando um sistema de medição de audiência no país.
A negociação foi intermediada desde o início pelo empresário Fabio Wajngarten, sócio do Controle da Concorrência, empresa que monitora inserções comerciais na TV para o mercado publicitário.
Foi ele que contatou o GfK e sugeriu que a medição de audiência no país era uma janela de oportunidade.
Um pouco arredia quanto à chegada de um novo instituto de pesquisa, a Globo se interessou pela tecnologia do GfK para a aferição do público de programas de TV em dispositivos móveis.
O Ibope há anos estuda um medidor capaz de computar esse tipo de audiência, em aparelhos como celulares ou tablets, mas ainda não chegou a um sistema satisfatório.
Na semana passada, ocorreu um novo encontro entre representantes do GfK e dirigentes de Band, Record, SBT e RedeTV!, que assinaram um acordo de confidencialidade com o instituto alemão.
Segundo executivos presentes na reunião, o instituto apresentou orçamento preliminar de cerca de R$ 50 milhões anuais, a serem rateados entre clientes brasileiros, para a implantação da pesquisa.
Uma emissora gasta até R$ 30 milhões por ano com pesquisas do Ibope (o valor varia conforme o tamanho da rede de afiliadas e detalhamento de relatórios, entre outros).
Segundo Carlos Montenegro, presidente do Ibope, o incentivo para a chegada de um outro instituto é uma espécie de pressão das emissoras, como SBT e Record, que vivem em pé de guerra com a atual medição de audiência.
“As redes querem um novo instituto para ver se conseguem um número melhor”, explica. “Agora, me explica como a RedeTV! vai pagar esse novo instituto?”, ironiza, em referência à crise financeira vivida pelo canal.
O empresário acredita que, se o GfK realmente entrar no país, os números de aferição serão similares aos do Ibope.
“Se fossem uns picaretas, eu estaria preocupado, pois os números poderiam ser muito discrepantes. Mas trata-se de um empresa séria”, afirma Montenegro. “Os dados serão parecidos e vão endossar a nossa pesquisa.”
Montenegro questiona ainda se o novo instituto será auditado por uma empresa independente, assim como o Ibope, e duvida que os alemães consigam cumprir o prazo prometido para a implantação do serviço no país: até um ano após a assinatura do contrato com as emissoras brasileiras.
“Isso é coisa para no mínimo dois anos. Leva tempo e muito dinheiro”, diz o presidente do Ibope. “Não sei se vou viver para ver um novo instituto no Brasil.”
Já o cientista político Carlos Novaes, que tentou concorrer com o Ibope em 2004 ao criar o instituto Datanexus, afirma que um novo medidor de audiência só fará sentido se, de fato, tiver uma amostragem robusta que trace com eficácia um panorama do consumo de TV em todo o território nacional.
“Vivemos em um circo perverso em que a pesquisa atende apenas à demanda de quem comercializa anúncios na TV”, critica. “A aferição só está nas praças que interessam para o mercado publicitário. Ninguém olha para os pequenos municípios”, diz.
Para Novaes, as pesquisas não refletem a importância da TV na formação cultural do Brasil. “Estudos de TV sofrem preconceito das cabeças pensantes e acabam entregues a interesses do mercado.”
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Silvio Santos já bancou criação de novo instituto
Antes do instituto alemão GfK, outras empresas tentaram fazer frente ao Ibope.
Em 1995, a gigante americana Nielsen pretendia medir audiência no Brasil e contava com o apoio do SBT, seu primeiro grande cliente no país. Determinado a fazer o novo instituto ficar, o SBT adiantou à Nielsen cerca de US$ 1,5 milhão (em valores da época). O negócio não foi adiante.
“O SBT gastou um dinheirão e os primeiros números eram similares aos do Ibope”, relata Carlos Montenegro. presidente do Ibope.
Pesou também a negativa da Globo (a maior cliente do Ibope) ao novo instituto, sob o argumento de “não haver espaço” para dois deles no mercado brasileiro.
Mas Silvio Santos, inconformado com os dados de audiência de sua emissora. não desistiu. Em 2004, investiu R$ 4 milhões na criação de um novo instituto, o Datanexus, em parceria com o cientista político Carlos Novaes.
Por seis meses, o SBT seguiu como o único cliente da empresa, pagando cerca de R$ 160 mil mensais.
“Como os números eram semelhantes aos do Ibope, os dirigentes dos canais ficaram desestimulados. Mas a minha ideia era expandir o serviço e mostrar as diferenças na amostragem”, conta Novaes.
Em 2011, apoiada pela Record, a Nielsen voltou a rondar o monopólio do Ibope no Brasil e se reuniu com dirigentes de Record, Band, Globo, SBT e RedeTV!.
O instituto americano chegou a apresentar o planejamento da medição e um orçamento. Mas as negociações esfriaram.
A Nielsen firmou parceria com o Ibope em pesquisas na internet no Brasil. Procurada, a Nielsen não quis comentar o assunto.
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Keila Jimenez é colunista da Folha de S.Paulo