Não é a primeira vez que este observador tromba com o jornal O Globo a respeito da Opus Dei & Associados. E sempre com ativa participação de Carlos Alberto Di Franco, crítico regular de mídia do jornal (e do Estadão-ão-ão-ão).
Em 17/4/2002, estranhou-se aqui o grande destaque que O Globo deu à repaginação do Wall Street Journal (que no Brasil deve vender no máximo 50 exemplares diários), enquanto escondia-se o anúncio do prêmio Pulitzer, um dos eventos jornalísticos mais importantes do mundo (‘Novo visual do WSJ mais importante do que o Pulitzer‘). A matéria não foi contestada publicamente.
Acontece que o escritório de consultoria que fez o redesenho do WSJ – Innovation Inc., antes Inovación Periodística, junto com as diversas entidades, programas e empresas associadas à Universidade de Navarra e à Opus Dei – é representado no Brasil pelo mesmo Di Franco que acumula esta consultoria com a de articulista fixo do Globo.
Entre 1998 e 2006, este observador comentou em diversas oportunidades o fato de que um grupo de mídia da importância das Organizações Globo tenha escolhido como seu porta-voz em matéria de jornalismo um consultor externo e, ainda por cima, colaborador regular de um jornal teoricamente concorrente (o Estadão-ão-ão). [Ver abaixo a relação de matérias publicadas sobre o assunto.]
Na réplica aos comentários (‘Um pito e muitas dúvidas‘) deste observador sobre o seu artigo em defesa da Opus Dei, o jornalista Ali Kamel (‘Menos, Dines, menos‘) justifica a escolha de Di Franco como observador da imprensa em nome do ‘pluralismo’. Desculpa no mínimo esfarrapada, não faz jus ao brilho do replicante: a solução verdadeiramente pluralista deveria contemplar uma alternância efetiva de pontos de vista.
Boas maneiras
Nas páginas do Globo só há uma voz autorizada a manifestar-se em matéria de imprensa: a Opus Dei interpretada por Di Franco. O maior plantel de jornalistas do país despreza profissionais do gabarito do próprio Ali Kamel e privilegia uma figura que jamais pisou numa redação e ainda por cima defende o jornalismo mediocrizante, nivelado por baixo.
Na mesma réplica, Ali Kamel contesta a informação deste observador de que Di Franco chegou colaborar semanalmente no Globo, privilégio que teria criado grandes desconfortos na redação, razão pela qual passou à condição de mensalista. Foi secundado apressadamente pelo próprio Di Franco em mensagem a este Observatório. Ali Kamel enganou-se e Di Franco, como sempre, mentiu: em julho de 1998 houve uma tentativa de quinzenalizar sua colaboração (dias 6 e 20) e em junho de 2002 de semanalizar (dias 17 e 24).
O que importa, porém, é discutir sem meias palavras e disfarces a influência da Opus Dei & Associados na mídia ibero-americana, especialmente na brasileira. Esta é questão.
E essa questão envolve desdobramentos que transcendem à religião, teologia ou espiritualidade que, de resto, jamais foram abordados por este observador. A Opus Dei não é uma ordem, devoção ou confissão religiosa, é um projeto de poder político-financeiro-midiático que se desenvolveu na Espanha no período final do franquismo (quando chegou a ter 11 ministros e posteriormente 18) e, em seguida, espraiou-se pela América Latina.
Ali Kamel sentiu-se ofendido porque seu texto em defesa da Obra foi alinhado dentro de uma seqüência recente de matérias publicadas em jornais de grande prestígio, aparentemente com o objetivo de minimizar a onda que será provocada pela exibição do filme O Código Da Vinci.
Ali Kamel escreveu em nome pessoal, seu texto enquadra-se perfeitamente no rol das valorosas cruzadas de esclarecimento às quais tem se dedicado com afinco e esmero, mas além dos indiscutíveis atributos intelectuais e profissionais seu nome não pode ser dissociado do alto cargo que ocupou no jornal e agora ocupa na Central Globo de Jornalismo. Nem podem ser esquecidas as conexões da direção do jornal onde saiu a matéria com o objeto da sua candente defesa.
O artigo no Globo também não pode ser desvinculado da matéria de capa sobre a Opus Dei publicada semanas antes na revista-irmã, Época, e que tantos dissabores causou dentro do grupo. Nem essa esplêndida reportagem pode ser separada de um fato posterior: a imediata troca de comando no semanário. Há evidências demais nesta história para serem simplesmente varridas para debaixo do tapete. Ou ignoradas em nome das boas maneiras.
Lobby implacável
Com a fidalguia que o caracteriza, Ali Kamel fez muito bem em lembrar aos leitores o humilde currículo deste observador no qual constam seis demissões políticas, castigos disciplinares impostos por empresários e/ou chefias que não admitiam manifestações autônomas de pensamento. Não é coisa do passado remoto, uma destas violências deu-se na segunda maior cidade brasileira neste iluminado século 21.
O vale-tudo bem como a sua versão clean – as listas de nomes que não podem ser mencionados num veículo – não podem ser minimizados nem esquecidos. A seção brasileira da Opus Dei tem muito a ver com este clima obscurantista. Suas íntimas conexões com a ANJ (Associação Nacional de Jornais) tornam os jornais brasileiros e, por extensão, a mídia privada, um lobby geralmente implacável e vingativo. Ali Kamel não teve tempo para debruçar-se sobre esta associação. Um dia o fará.
Enquanto isso, não tenhamos receio das vacas sagradas. É preciso identificá-las e expô-las ao conhecimento da sociedade. A imprensa precisa discutir a imprensa. Mais, Kamel, muito mais!