A todo momento, em algum lugar do planeta, e não estou falando Planeta Diário, o jornal do Clark Kent, um jornalista é morto, amordaçado, preso ou intimidado, mas nem por isso patrões e empregados chegaram em algum lugar a negociar o óbvio: um seguro de valor significativo, e não apenas simbólico, para o profissional no exercício da profissão ou para a família, em caso de morte. Afinal, jornalismo é uma profissão de permanente risco, e não só em se tratando de situações limítrofes, guerras, áreas dominadas pelo crime etc.
O jornalismo padece de uma espécie de “espiral do silêncio”, por mais que existam relatórios de instituições, nacionais e internacionais. De maneira geral, a memória curta é inerente ao noticiário: a manchete de hoje é o esquecimento de alguns dias logo depois, mesmo que a notícia do dia seja a morte do repórter. Exceções: os que viram heróis e mártires, que passam a fazer parte de um panteão de mortos históricos, como o foram Joseph Fucik, na antiga Checoslováquia (torturado e morto pelos nazistas), Vladimir Herzog (torturado e morto pelo regime militar brasileiro pós-64) e Tim Lopes, no Brasil (torturado e morto por narcotraficantes, no Rio de Janeiro).
Definitivamente, jornalista não é super-herói, por mais que as lendas o digam. E, no Brasil, era de se supor que depois do martírio de Tim Lopes, da TV Globo, a lição estivesse aprendida, mas não foi o que aconteceu, pois as baixas se sucedem, das metrópoles aos sertões e, o que é lamentável, sempre caindo no esquecimento – como foi aquele obscuro caso do Décio Sá, no Maranhão, para ficarmos num exemplo mais recente. Mas, em Brasília, quem se lembrará de Mário Eugênio, o radialista que foi executado por policiais, por ter-se tornado desafeto do chefe deles?
Peso da missão
Em 2011, caiu por terra, sob as balas de fuzil, o cinegrafista Gelson Domingos, da TV Bandeirantes, a despeito de seu colete e de uma certa mensagem inconsciente de que repórter tem o corpo fechado. Não tem mesmo. E o Brasil figura ao lado do México e da Colômbia entre os países aonde mais jornalistas são assassinados. E nem sempre os mandantes situam-se no mundo propriamente do crime. Por vezes, é na política, onde, supostamente, não é lugar nem de máfia, nem de mandantes de assassinatos.
Quando mataram Gelson, foi patética a manchete de um portal televisivo: “Cinegrafista da TV Bandeirantes achava que ia morrer filmando”. Ora, se tinha esse pressentimento, mais um motivo para redobradas precauções, especialmente por parte das empresas jornalísticas, pois, com certeza, todas elas têm destemidos profissionais nos seus quadros e a profissão já demonstrou fartamente que se eles não forem contidos desdenharão de qualquer risco, por mais que se lhes diga que nenhuma pauta vale uma vida, a começar pela própria.
E por que as mortes de Tim Lopes e de Gelson Domingos poderiam ter sido evitadas? Primeiramente, porque repórter não precisa e não deve estar sob a mira de tiros. O fato pode ser narrado a partir de dados colhidos depois do tiroteio. E é comum a polícia filmar suas operações, até para mostrar serviço, ao passar, em seguida, as imagens para a imprensa.
Existe, evidentemente, a louvação ao heroísmo dos repórteres que nada temem e que até se infiltram em ambientes de crime ou de guerra para, aí, obterem imagens espetaculares, especialmente quando o profissional sai ileso e, consequentemente, ou é premiado ou tem o seu nome inscrito na história da profissão. Exemplo pioneiro, o cinegrafista Benjamim Abrahão que documentou o bando de Lampião. Não fosse ele, a História do Brasil não contaria com tão impressionantes imagens do cangaço.
Situação problemática, no entanto, é quando o jornalista desaparece ou é morto em serviço. No mundo inteiro, a todo momento, um repórter entra para alguma lista de busca ou de proteção: Cruz Vermelha, Repórteres Sem Fronteiras e Anistia Internacional, entre outras. Ou seja, nenhuma missão profissional justifica a perda de uma vida.
Linha de risco
A pior das manchetes é quando o próprio jornalista é o fato, trágico. Quando isso ocorre, as empresas jornalísticas se apressam em santificar a vítima, retratando-a como herói. O problema é que para ser herói um ser humano tem que ultrapassar a sua condição mortal. E para que um repórter seja um super, repórter ou homem, seria interessante que contasse minimamente com algumas coberturas, como um bom seguro de vida.
Repórter investigativo tem de ter retaguardas. Hoje, automóveis, caminhões, cargas, cachorrinho de madame e outros bens, materiais e humanos, não andam pelo mundo sem um GPS (global positioning system). Tigres, lobos, crocodilos e serpentes são monitorados. Pássaros são anilhados para que deles se tenha notícia e controle de peso e medidas. É de se estranhar, portanto, que empresas jornalísticas permitam que seus profissionais se exponham nas linhas de frente do risco como se fossem o Clark Kent do jornal Planeta Diário.
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Luiz Martins da Silva é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília