Quem buscou nas inúmeras análises que apareceram na mídia elementos para compreender os últimos resultados das pesquisas de opinião – que indicam uma surpreendente recuperação da imagem do governo e do próprio presidente Lula – deve ter observado uma interessante unanimidade: a ausência, nas referidas análises, da própria mídia como ator político e como ‘formadora’ da opinião pública.
Que a grande mídia omite seu papel em momentos importantes de nossa história política e raramente pauta a si mesma, não é novidade entre nós. Essa tem sido a norma tanto no jornalismo como na ficção. Mas não deixa de ser inusitado que, repentinamente, se silencie sobre o papel de formadora e até mesmo de expressão da própria opinião pública que a grande mídia reivindicou de forma incisiva durante todo o período de maior intensidade da crise política de 2005.
Explicações gerais
E quais foram as ‘razões’ que apareceram na grande mídia para justificar os últimos resultados das pesquisas de opinião?
A primeira foi colocar em dúvida os resultados, através da desqualificação profissional dos institutos de pesquisa. Esse foi o mote inicial de importantes líderes da oposição política no Congresso Nacional. Teve vida curta.
O sucesso relativo na economia aparece em destaque, desde a valorização cambial até a queda do ‘risco-país’.
No campo das razões estritamente políticas, a indefinição do PSDB em relação a quem será o seu candidato a presidente foi a principal justificativa. Lula estaria crescendo ‘por exclusão’ (sic) e na ausência de um adversário definido. Aparecem também o esvaziamento das CPIs; o ‘deslocamento’ da crise para o Congresso Nacional; a banalização das denúncias e o fato de que a maioria da população parece ter chegado à conclusão de que a crise não foi exatamente tudo aquilo que a oposição dizia ser. A honestidade – ou sinceridade – estaria perdendo e benefícios econômicos e sociais ganhando peso junto à população. Além disso, afirma-se que o presidente está sozinho em campanha eleitoral.
Com relação à recuperação específica do apoio junto à classe média, as explicações mais comuns foram: a identificação de uma ‘tendência de esquecimento’ (sic) dos fatos que fizeram esses eleitores abandonarem temporariamente o presidente Lula; o ‘saco de bondades’ de medidas governamentais dirigido à classe média; e a correção da tabela do Imposto de Renda, dentre vários outros.
Quando a grande mídia eventualmente aparece, mesmo que indiretamente, a razão apresentada é a diminuição do noticiário político e/ou sobre corrupção, embora não se explique o porquê dessa diminuição.
Explicação razoável?
Certamente estamos diante de uma questão complexa para a qual não há uma única e simples explicação (cf. ‘Revisitando o poder da grande mídia‘, OI nº 370). O que nos interessa, todavia, é problematizar o papel da mídia, sobretudo a mídia impressa, como principal formadora da opinião pública.
Claro que existem ações de governo que utilizaram deliberadamente a grande mídia. Por exemplo, campanhas publicitárias anunciando regionalmente as obras realizadas. O governo é, ele próprio, um imenso gerador de notícias. Esses são fatores permanentes.
A novidade – a se confirmarem os últimos resultados das pesquisas de opinião – estaria agora em um novo comportamento de parcela significativa da população. Embora continue se valendo da grande mídia (sobretudo do rádio e da televisão) como fonte de informação, ela se utiliza também da mídia alternativa (rádios comunitárias, por exemplo) e, sobretudo, faz parte – direta ou indiretamente – de uma sociedade civil organizada que conquistou condições historicamente inéditas de midiatizar as informações que recebe.
A teoria dos efeitos da comunicação de ‘massa’ trabalha há mais de 60 anos com a idéia da ‘comunicação em dois fluxos’. As mensagens dos meios massivos seriam sempre ‘intermediadas’ por líderes de opinião. Essa é uma ‘verdade’ antiga.
A hipótese nova é que parcela importante da nossa sociedade civil, praticamente excluída do acesso à mídia impressa, estaria hoje em condições de multiplicar as mediações das mensagens recebidas por intermédio de suas inúmeras e diferentes formas de organização. Na verdade, a ‘massa’ estaria sendo diluída não pela fragmentação da audiência da grande mídia em segmentos (nichos) de consumo, mas em formas organizadas de cidadania. Essa nova situação provocaria uma perda relativa do imenso poder que a grande mídia tem de agir diretamente sobre a sua audiência (ouvintes, telespectadores e leitores).
Essa é uma das principais questões suscitadas pelos últimos resultados das pesquisas de opinião. A se confirmar a hipótese levantada, ela terá importante impacto em algumas das convicções que a grande mídia e seus principais colunistas/analistas sempre tiveram de si mesmos.
Seria essa uma explicação razoável para entender o seu silêncio de agora sobre o papel da mídia como ator político e como ‘formadora’ privilegiada da opinião pública?
******
Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)