Quando março começou, uma bitcoin valia US$ 45. Antes do dia 20, o valor já havia atingido US$ 65. Quando a moeda eletrônica foi lançada, em dezembro de 2010, cada bitcoin saía por 22 centavos de dólar. O preço vem crescendo paulatinamente, mas nada se compara com a subida das últimas semanas. E, segundo muitos analistas, a culpa é do Chipre.
E é justamente a crise do Chipre, que enfrentou duas semanas de bancos fechados, que traz à tona para meio mundo essa misteriosa moeda. Moedas já existem há muito, mas essa é uma novidade por inúmeros motivos.
Bitcoin é o produto da mente de Satoshi Nakamoto, um economista e engenheiro sobre o qual se sabe muito pouco. O nome sugere um japonês, mas é pseudônimo. Pode se referir não a apenas uma pessoa mas a um grupo. (Há quem defenda que o Sr. Nakamoto são, na verdade, muitos.) Bitcoin, sua cria, nasceu como uma proposta de solução para a economia após a crise de 2008.
É uma moeda mas é também todo um sistema. Bom trabalho de engenharia. Bitcoin é totalmente anônimo. O distinto leitor tem algumas moedas em sua carteira eletrônica, decide pagar por algo e transmite um quê para a carteira de outra pessoa. A transação não deixa rastro. A criptografia é de excelente qualidade, o anonimato, portanto, é garantido.
Atualmente, moedas não funcionam assim. São anônimas, por certo, papel moeda não deixa rastro. Mas são bastante regulamentadas. O dólar tem a garantia do governo americano. O real, a do brasileiro. A moeda é, na verdade, um recibo de dívida. O governo repassa ao banco uma determinada quantidade de cédulas e moedas na forma de empréstimo e, por sua vez, o banco as redistribui pelo mercado.
Para poder ser um distribuidor desta forma de dívida, um banco se expõe a uma série de regras complexas. O dinheiro tem de deixar tanto rastro quanto possível. E, justamente porque ele deixa muito rastro por onde anda, o Estado é capaz de cobrar impostos com cada vez mais eficácia. Afinal, tecnologia e computadores só facilitaram este processo.
Prato feito
É claro. Quando nos metemos no Estado de bem estar social, que nos garante Previdência e inúmeros direitos, nos comprometemos com regras em que o governo é informado sobre que salário ganhamos na moeda que ele próprio, o Estado, controla. A lógica do Estado democrático como o conhecemos parte deste pressuposto.
Ou quase parte, claro. Ontem mesmo morreu a premier britânica que defendeu a desregulamentação com afinco: Margaret Thatcher. Em seu ideal, quanto menos presente estiver o Estado, maior a liberdade do cidadão, melhor a qualidade da economia e da sociedade. Mas mesmo Lady Thatcher jamais deve ter imaginado que, um dia, haveria uma moeda corrente que existiria independentemente de governos.
E é por isso mesmo que, nestas últimas semanas, o preço das bitcoins tem subido tanto. Dois grupos parecem estar se interessando pela moeda. Um é o de geeks espanhóis. Gente desenvolta com a internet e que teme, no futuro próximo, um longo feriadão bancário como o cipriota. Estes procuram os aplicativos que permitem a compra de bitcoins e vão fazendo suas carteiras eletrônicas e anônimas. Outro grupo aparentemente interessado são os russos. Muitos russos tinham contas no paraíso fiscal que era o Chipre.
O número de bitcoins no mundo não é fixo. A oferta vai lentamente aumentando conforme o tempo passa em pequenos pacotes de 25 cada. Na virada para abril, pela primeira vez o montante completo de bitcoins no mundo ultrapassou a cifra de US$ 1 bilhão. Não é pouco. E tem gente já acusando: é bolha.
Uma moeda livre e anônima é o sonho de economistas liberais. É também usada muito em sites que vendem remédios ilegais e arquivos piratas. Assim como é aceita em inúmeros negócios legítimos. É uma moeda que começa a cair no gosto de bastante gente. Uma moeda livre de regulamentação é também uma moeda livre de garantias e um prato feito para especuladores que sabem o que estão fazendo. Bolha, pois é. Não seria a primeira da internet.
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Pedro Doria é colunista do Globo