Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Presidente sobe o tom contra mídia local independente

A ausência de carisma midiático e, principalmente, o fato de Nicolás Maduro governar um país em que a metade da população não votou nele enviaram um sinal de alerta para organismos que monitoram a liberdade de expressão na Venezuela. Desde a eleição do dia 14, Maduro trocou o presidente da estatal Venezuelana de Televisão (VTV) e subiu o tom contra duas redes de TV privadas, Globovisión e Televen. As atitudes de Maduro, aliadas à venda iminente da Globovisión para um empresário que seria simpático ao chavismo, podem deixar a Venezuela sem um canal por onde opiniões contrárias ao governo possam escoar.

Se a Globovisión, que marca cerca de quatro pontos de audiência, traz constantemente em seus noticiários e mesas redondas vozes críticas ao chavismo, a Televen – o segundo canal mais assistido do país (15 pontos de audiência média), atrás apenas da Venevisión (26) – é de variedades. Desde o golpe de 2002, quando Chávez fechou o cerco contra meios de comunicação por considerá-los golpistas, a emissora reduziu bastante sua produção jornalística. Porém, cobriu a campanha do opositor Henrique Capriles e, na última segunda-feira, noticiou ao vivo a coletiva de imprensa em que Capriles convocava os venezuelanos às ruas para protestar contra o resultado da eleição. Maduro reagiu: disse que os “fascistas” que foram às ruas foram “preparados durante anos pelos meios de comunicação, em primeiro lugar a Globovisión”. Acusou a Televen de “apoiar o candidato da direita” e citou uma reunião que o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, teve com executivos da empresa, em que o governo “colocou pontos muito claros do que é um golpe de Estado”.

Ameaças preocupantes

Segundo Carlos Correa, da Espaço Público, organização que monitora a liberdade de expressão no país, as ameaças de Maduro são preocupantes:

– Com certeza elas produzirão resultados como deixar a Televen ainda mais afastada do jornalismo imparcial.

Os funcionários do canal estão em compasso de espera. Fala-se que a emissora investirá mais em programas jornalísticos de variedades, como de moda e cinema. Levantamento feito pela oposição e apresentado ao Conselho Nacional Eleitoral no dia 2 de abril, quando a campanha presidencial da Venezuela começou, mostrou que Maduro teve 7 horas e 7 minutos de cobertura de TV contra 5 minutos e 37 segundos dedicados a Capriles.

A escolha do novo presidente da estatal VTV (audiência de até seis pontos), Gustavo Arreaza, anunciada por Maduro logo após a eleição, indicaria uma intenção de o presidente deixar a estatal mais pop. Arreaza é um cantor e compositor conhecido no país, autor de várias canções chavistas. Além disso, é irmão do vice-presidente Jorge Arreaza, por sua vez casado com Rosa Virgínia, filha de Hugo Chávez. Gustavo possui uma agência de publicidade que, graças aos contratos com o governo Chávez, aumentou, nos últimos oito anos, seu faturamento em 66 vezes, segundo o jornal econômico El Mundo.

Sem TVs e com o alcance limitado da imprensa escrita – lida por 15% dos venezuelanos, os jornais independentes sofrem há anos com a falta de publicidade do governo –, haverá, segundo especialistas, de se criar mecanismos alternativos de informação. A internet cresce exponencialmente na Venezuela, país onde há mais de um telefone celular por habitante, além de planos online que saem por US$ 10 ao mês. A maior provedora, no entanto, é a estatal CANTV – motivo de preocupação para os críticos de Maduro.

Enquanto finalizava seu novo gabinete, ontem, Maduro anunciou que fará a partir de hoje um “governo de rua”. Tanto o presidente quanto seu rival Capriles elogiaram as declarações do Papa Francisco sobre o país. No Vaticano, Francisco disse que acompanha o momento com “profunda preocupação, com a oração intensa e com a esperança de que vai buscar e encontrar formas justas e pacíficas para superar as sérias dificuldades que o país está atravessando”.

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Mariana Timóteo da Costa, do Globo