Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Contradições entre o quê e quem fala

O jornalismo do fim de semana trouxe a contradição aos leitores de O Estado de S. Paulo e telespectadores do Globo Esporte. No primeiro, informações diferentes apareceram no editorial do jornal e na coluna da jornalista Suely Caldas, duas visões distintas com caráter de informação em duas páginas da mesma edição. Já na televisão, a contradição se dá entre a programação geral da emissora carioca e uma reportagem sobre a situação de um ginasta olímpico.

Vale parar um pouco depois de ler e assistir às reportagens divulgadas e televisionadas por esses veículos e contrapor as informações e a história de quem é que está falando.

Parece ser senso comum que brasileiro gosta apenas de futebol. Afinal, qual é o esporte considerado paixão nacional e o que mais recebe espaço na cobertura do jornalismo esportivo? O futebol tem espaço garantido às quartas-feiras na programação da Globo e provavelmente sempre terá espaço quando precisar, vide as transmissões dos jogos da seleção brasileira. Sem querer ir contra essa paixão dos brasileiros pelo futebol, acho que colocar esse esporte ao lado de qualquer outro é humilhar esse outro quando se trata de medir a atenção que eles recebem na mídia.

Partindo dessa constatação, é muito contraditório ver a emissora que deixou de transmitir as Olimpíadas de Londres de 2012 fazer uma reportagem no domingo pela manhã mostrando as situações precárias de treino de um ginasta olímpico, medalhista de ouro naquela competição. Ressalva: uma reportagem curtíssima, se comparada com a que mostra a vida de um jogador de futebol brasileiro que faz sucesso na Europa e tem até peruca loura que imita seus cabelos à venda no mercado. O ginasta da reportagem é Arthur Zanetti e a emissora mostrou como o atleta treina hoje em dia depois de ter recebido medalha de ouro em 2012.

Interpretações geram informações diferentes

A primeira reflexão é realmente a indignação de ver alguém que conquistou uma medalha importante para o Brasil ter que treinar sem as condições mínimas para tentar repetir o feito nas Olimpíadas aqui no país. A segunda, no entanto, é ver que quem fala do problema, de certa forma, ajuda a criar o mesmo problema. Tenho a impressão de que se a Rede Globo tratasse a ginástica olímpica, o vôlei, o basquete, ou qualquer outro esporte com a mesma intensidade que trata o futebol, não só a visibilidade dessas modalidades aumentaria, mas também o volume de patrocínios que eles recebem. Para mim, a lógica parece fácil: visibilidade do esporte traz patrocínios que significam visibilidade para o patrocinador. Afinal, basta reparar nas quadras e nas camisas dos times de futebol: não são pequenas empresas que estão estampadas ali, são? E o que mais as empresas querem nessa lógica capitalista são grandes e exorbitantes lucros. “Pouco importa a forma como obtê-lo, mas se usar o esporte ajuda a promover a marca e traz algum reconhecimento à empresa, então usemos”, parece pensar o dono do dinheiro brasileiro.

Aqui ainda vale relembrar o texto publicado no Observatório da Imprensa do jornalista Thiago Forato: “A intenção da emissora é quebrar o monopólio?” (edição 706, de 7/7/2012 ). Ao discutir a aquisição dos direitos de transmissão das Olimpíadas de Londres pela Rede Record, o autor diz algo que se parece verdade pura quando se trata de Jogos Olímpicos: “Entre novela e Olimpíada, certamente a emissora carioca escolheria a primeira opção, privando a maioria da população de acompanhar os Jogos Olímpicos.”

A outra contradição está no jornalismo econômico. O editorial do jornal O Estado de S. Paulo traz, para variar, mais um ataque à presidente Dilma Rousseff: “Dilmês castiço”. Quase no mesmo tom está o texto da colunista do caderno Economia & Negócios, Suely Caldas: “Autonomia do BC – agora vai?”. Apesar das semelhanças e dos ataques ao governo petista, os dois textos trazem duas interpretações sobre um mesmo assunto que geram informações diferentes.

Mais político que econômico

Ambos relembram o desconforto gerado pela presidente no dia 27 de março quando ela falou sobre inflação em entrevista coletiva aos jornalistas que acompanhavam o encontro dos Brics (bloco econômico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em Durban, na África do Sul. Naquela ocasião as edições dos veículos anti-governo deram mais ênfase ao começo e ao final da fala da presidente e ignoraram todas as outras palavras da presidente sobre o esforço do governo contra a inflação. A interpretação das palavras de Dilma gerou alvoroço no mercado financeiro devido às expectativas quanto à Selic. Frente à repercussão a presidente convocou os jornalistas e disse que sua fala fora manipulada, sem dizer, no entanto, quem manipulou suas palavras.

Resgatado o cenário, o editorial do domingo (21/4) do Estado de S. Paulo afirmou: “(…) Imediatamente, a declaração causou nervosismo nos mercados em relação aos juros futuros, o que obrigou Dilma a tentar negar que havia dito o que disse. E ela, claro, acusou os jornalistas de terem cometido uma ‘manipulação inadmissível’ de suas declarações, que apontavam evidente tolerância com a inflação alta – para não falar da invasão da área exclusiva do Banco Central” (página A3 do jornal). Já a colunista Suely Caldas afirma: “Efeito imediato, a taxa de juros no mercado futuro despencou. Irritada, ela acusou agentes do mercado de manipularem suas palavras. Se tivesse ficado calada, nada disso teria acontecido, o mercado não teria motivo nem respaldo para criar volatilidade, instabilidade” (página B2). Afinal, quem manipulou? Eu, leitor, fiquei confuso.

Essa contradição mostra diferentes olhares influenciados pela visão política de quem escreveu o texto. É teorizado que a formação profissional e cultural influencia na forma como o jornalista vê, avalia e escreve sobre um determinado assunto e como o jornal transmite as informações aos leitores. Teoria essa que quebra os discursos de objetividade. Essas visões ficam completamente expostas, claro, num artigo opinativo. O perigo, porém, está na forma como essas elas são usadas. A cobertura sobre a declaração da presidente no dia 28 de março foi extensiva. Quando o Valor Econômico deu apenas uma página, O Estado de S. Paulo publicou várias análises e entrevistas numa demonstração clara de desafeto com o governo e/ou com sua política econômica.

Como tentei expor em artigo neste Observatório da Imprensa (“A manipulação e o jornalismo enviesado”, edição 741, de 9/4/2013), o jornalismo econômico está mais político que econômico. Um professor de economia da Unicamp me disse, na semana do dia 1º de abril, que os ataques ao governo estão intensos mostrando um uso político desse noticiário. Ele concorda que a Dilma não deveria ter respondido à questão do jornalista – não porque ela não sabe o que diz, mas sim, porque qualquer afirmação que ela desse seria usada contra ela mesma, não no tribunal, mas na imprensa e, claro, nas eleições!

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Alex Contin é jornalista, mestrando em Divulgação Científica e Cultural e graduando em Ciências Econômicas