Poucas horas depois do atentado em Boston, os investigadores já estavam sobrecarregados. Roupas com sangue, bolsas, sapatos e outras evidências de vítimas e testemunhas se acumularam. Imagens estáticas e em vídeo, milhares delas, estavam começando a se sobrepor. Cobrindo parte do chão do armazém providenciado, centenas de peças de roupa ensanguentadas foram colocadas para secar, para que pudessem ser examinadas em busca de pistas ou levadas a laboratórios do FBI para testes. Na outra metade do espaço, mais de uma dezena de investigadores vasculharam centenas de horas de vídeo, olhando para as pessoas que faziam “coisas diferentes do que todo mundo mais estava fazendo”, disse o comissário de polícia de Boston, Edward Davis, em entrevista no sábado.
O trabalho era árduo e entorpecente: um agente viu o mesmo segmento de vídeo 400 vezes. O objetivo era construir um cronograma de imagens, seguindo possíveis suspeitos enquanto eles se moviam ao longo das calçadas, construindo uma narrativa a partir de uma mistura aleatória de fotos de milhares de telefones e câmeras diferentes. Levou dois dias, mas os analistas começaram a se concentrar em dois homens com bonés de beisebol que, no meio da multidão, levaram pesadas bolsas pretas para perto da linha de chegada da maratona, mas saíram sem elas. O momento decisivo veio na quarta-feira à tarde, quando o governador de Massachusetts, Deval Patrick, recebeu uma chamada da polícia do estado: a investigação tinha sido focada sobre o homem que seria conhecido como suspeito número 2, o que foi capturado.
Patrick disse que as imagens do suspeito número 2 reagindo à primeira explosão, sem se surpreender, forneceram evidências “altamente incriminatórias”. Ontem, o governador afirmou que o vídeo mostra o suspeito deixando cair sua mochila e caminhando calmamente para longe dela antes que a bomba explodisse. Patrick declarou na NBC que o vídeo coloca claramente Dzhokar Tsarnaev, de 19 anos, na cena do ataque:
– É muito claro o seu envolvimento e, francamente, bastante frio – disse.
A maneira como os investigadores vasculharam um oceano de indícios e centraram a sua pesquisa em dois irmãos imigrantes é uma história de tecnologia avançada e cooperação à moda antiga de cidadãos. E uma lição prática de como é difícil, num mundo repleto de informações, separar o que tem muito significado do ruído. A morte de Tamerlan Tsarnaev e a captura de Dzhokar pode parecer um fim inevitável, uma vez que suas imagens foram gravadas várias vezes por câmeras de segurança de lojas e smartphones de espectadores. Mas, durante 102 horas na semana passada, nada parecia certo na caçada que paralisou uma grande metrópole, hipnotizou a nação e confrontou agentes de contraterrorismo com o mundo perturbador e implacável das mídias sociais.
‘O cara olhou para mim’
Enquanto os analistas seguiam pelo vídeos, frame por frame, uma dica mais tradicional era dada a três quilômetros de distância, no Boston Medical Center. Jeffrey Bauman, ainda dopado pela anestesia depois de ter as pernas amputadas a partir do joelho, conseguiu pedir papel e caneta. Bauman, que se aproximou da linha de chegada para ver a namorada completar a corrida de segunda-feira, escreveu palavras que ajudaram a levar à rápida resolução do atentado que matou três e feriu outras 176 pessoas: “Bolsa. Vi o cara, olhou diretamente para mim”. Agentes do FBI foram rapidamente até Bauman. Um homem de óculos escuros e boné de beisebol preto tinha caminhado até ele, colocado uma mochila preta no chão e se afastado. A pista ganhou lugar de protagonista.
Oito anos depois que as câmeras foram fundamentais para desvendar os atentados de Londres, a revolução das mídias sociais colocou o FBI e as autoridades de Boston sob intensa pressão para se mover rápido, porque milhares de amadores imitaram a investigação oficial, inspecionando imagens da multidão e fazendo muitas vezes conclusões terrivelmente irresponsáveis sobre quem poderiam ser os terroristas. Além de quase universalmente erradas, as teorias desenvolvidas via mídias sociais complicaram a investigação oficial. Encarregados dela disseram que a decisão, na quinta, de liberar fotos dos dois homens com bonés de beisebol foi feita, em parte, para limitar o dano a pessoas injustamente acusadas como suspeitas na mídia e na internet. A ideia era também combater a confusão entre imagens confiáveis divulgadas oficialmente e as outras. E o presidente Barack Obama havia dito que eles deveriam ter certeza de que aqueles eram realmente os suspeitos antes de tornar públicas as imagens, o que Davis acredita ter evitado novos ataques. Uma vez divulgadas, uma das chamadas ao FBI veio de uma tia dos suspeitos, que forneceu suas identidades.
Na quinta-feira (18/4) à noite, a polícia, respondendo a um assalto a uma loja de conveniência, examinou um vídeo da vigilância e percebeu que, além do ladrão, a loja tinha sido visitada por dois homens parecidos com os suspeitos. Então, depois que um guarda do MIT foi baleado e morto, a polícia recebeu relatos de um assalto armado em que os assaltantes levaram um Mercedes SUV preto. Os irmãos tinham forçado o motorista a conseguir dinheiro para eles em caixas eletrônicos. Uma câmera de segurança deu novas imagens dos dois, que se encaixaram claramente com as da maratona.
******
David Montgomery, Sari Horwitz e Marc Fisher, do Washington Post