Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Google tenta impedir quebra de sigilo de usuário

O Google trava uma batalha na Justiça para não ser obrigado a quebrar o sigilo de mensagens eletrônicas do Gmail em investigações policiais, por decisão judicial tomada no Brasil. A empresa alega que, como os e-mails são armazenados nos Estados Unidos e o contrato com os usuários é feito com a americana Google Inc., a quebra de sigilo teria que ser feita usando um tratado de cooperação jurídica com os EUA.

A discussão definirá os parâmetros para a quebra de correspondência privada na internet em investigações criminais, quando as informações são trocadas por meio de empresas localizadas em diferentes regiões do mundo – incluindo serviços como Twitter, Facebook e o aplicativo de troca de mensagens por celular WhatsApp.

Os provedores brasileiros atendem pedidos judiciais de quebra de sigilo de e-mail sem problemas. Mas o Google Brasil argumenta que não pode cumprir a ordem de quebra de sigilo, pois o Gmail é operado por sua controladora, localizada nos EUA. Entregar os dados no Brasil sem o uso da via diplomática, diz o Google, implicaria cometer um crime nos EUA, que não permite a quebra de sigilo sem ordem judicial americana.

O Google defende que, para o Brasil usar essas comunicações como prova, seria preciso recorrer a um tratado de assistência jurídica mútua com os EUA, mais conhecido pela sigla em inglês MLAT. Por esse tratado, a solicitação passa pelos ministérios da Justiça brasileiro e americano, além do Judiciário dos EUA. O Ministério Público e a polícia brasileira resistem ao tratado, argumentando que a quebra de sigilo pode demorar até cinco meses, prejudicando a investigação.

Combate ao crime

Para o Ministério Público Federal (MPF), por ter uma subsidiária no Brasil, o Google teria que se submeter às leis nacionais. Segundo o MPF, as mensagens eletrônicas armazenadas nos EUA poderiam ser transferidas internamente entre as empresas para ser entregues à Justiça brasileira, sem que isso signifique obtenção de prova em outro país. “A mera transferência reservada desses dados entre empresa controladora e controlada não constitui, em si, quebra do sigilo, o que só será feito quando efetivamente for entregue à autoridade judicial brasileira”, defende o MPF.

Já o Google recorre a manifestações do Departamento de Justiça americano, segundo o qual a quebra de sigilo de e-mails guardados por provedores nos EUA teria que seguir a via diplomática. O Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, responsável pela aplicação desses tratados, recebeu recentemente dois ofícios do Departamento de Justiça americano com esse entendimento.

Recentemente, o Google sofreu uma derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Corte Especial, formada pelos 15 ministros mais antigos, determinou que a empresa quebre o sigilo de e-mails de usuários que contam com foro privilegiado. Eles são investigados no Distrito Federal por formação de quadrilha, corrupção, fraude a licitação, lavagem de dinheiro e tráfico de influência.

A ministra Laurita Vaz, relatora do inquérito, levantou uma questão de ordem e defendeu a quebra do sigilo. Somente o ministro Ari Pargendler entendeu que é necessário usar o tratado. A empresa foi obrigada a entregar os e-mails em dez dias, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. O Google tentará reabrir a discussão no próprio STJ, onde correm dois processos sobre o assunto, ou no Supremo Tribunal Federal. Na questão de ordem, a empresa não chegou a se defender, pois não constava no processo como parte. Memorial do jurista Luís Roberto Barroso, em defesa do Google, sustenta a “impossibilidade física e jurídica de cumprimento” de ordens determinando a entrega de mensagens do Gmail sem o uso do tratado internacional.

Procurado pelo Valor, o Google afirmou que “reconhece sua responsabilidade de auxiliar as autoridades em seus esforços para combater o crime, mas deve fazê-lo de forma consistente com suas obrigações nos termos do Tratado de Assistência Judiciária Mútua entre o Brasil e os Estados Unidos”.

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Maíra Magro, do Valor Econômico