O erro é um fantasma que ronda qualquer atividade. A frase é bonita, mas não resolve nada. O fato é que um erro nunca vem sozinho e não só afeta o seu autor. O pior é justamente isso: a cadeia em que ele está inserido e o estrago que provoca no seu entorno. Em alguns planos da vida social, há uma verdadeira histeria sobre o tema: os erros são monitorados, obcecadamente estudados e, quando acontecem (de forma quase inevitável), seus efeitos formam ondas avassaladoras de responsabilidade. A medicina e as engenharias se destacam nessa direção, mas também cometem lá seus deslizes. O jornalismo – uma atividade quase tão influente na vida contemporânea – ainda deixa muito a desejar.
O exemplo mais recente foi a avalanche de erros cometidos na cobertura das explosões na Maratona de Boston. O blog ChatGirl fez um resumo das derrapadas da mídia norte-americana, chamando a atenção de alguns meios, que se apressaram nas desculpas. O colunista Jack Shafer, que cobre mídia e política para o site da Reuters, dedicou um de seus textos na semana passada sobre as consequências dos erros nas redações e de como a audiência (antes considerada apática e passiva) está contribuindo para reescrever esse rascunho da história que é o jornalismo.
Na semana passada também, o News: Rewired, evento britânico que reuniu profissionais e especialistas, listou cinco padrões que devem elevar o nível ético do jornalismo online. Participaram do painel os representantes do Channel 4, do jornal The Guardian, da revista The Economist e do site The Next Web, e o consenso aponta para mudanças não tão radicais para os jornalistas, mas fundamentais para a manutenção de um nível de qualidade indispensável para os meios.
Para não esquecer
Primeiro, a precisão deve estar acima da velocidade. Embora estejamos vivendo numa época vertiginosamente acelerada, o jornalismo não pode renunciar a um valor de base como a precisão para atender mal e apressadamente o seu público.
Segundo, é cada vez mais importante que os meios sejam transparentes. Em termos práticos, isso significa que os meios precisam atribuir de forma clara as informações que foram primeiramente veiculadas por algum eventual concorrente. Ou ainda dar as referências e fontes consultadas. Tudo de uma maneira que sinalize ao público de onde vêm os dados, como eles foram tratados e como aquilo foi embalado e entregue. É uma questão de honestidade, de franqueza, de abertura.
O terceiro aspecto levantado pelos britânicos diz respeito a agregar valor ao conteúdo noticiado. Na web, não basta apenas reproduzir as informações colhidas aqui e ali, sendo necessário dar seus contextos e oferecer camadas adicionais de aprofundamento. O noticiário não pode ficar num nível superficial de bloguismo ou se limitar a um conjunto de tweets.
O quatro padrão do News: Rewired enaltece uma preocupação de dez em dez editores online: como lidar com os abusos nos fóruns ou tópicos de comentários nos sites? Lidar com os trolls é uma tarefa que consome, cada vez mais, tempo e energia dos meios online. Uma medida imediata tem sido abolir a possibilidade de o usuário postar suas opiniões, o que não é a melhor medida, já que impede a interação com o público e soa como censura no diálogo. De fácil operacionalidade, a medida é muito impopular, pois é amplamente punitiva e desperdiça os bons conteúdos deixados na área interativa. Entre os especialistas britânicos, as opiniões se dividem.
Sean Ingle, da Channel 4, adverte para “não alimentar os trolls”, isto é, diante do abuso de um comentador, não se deve cair na tentação de responder de forma ríspida ou ofensiva, desarmando assim os espíritos provocadores. Martin Bryant, do The Next Web, opina que é preciso estimular os comentadores a usarem seus nomes reais, de forma a reduzir o espaço do anonimato e constranger algum conteúdo mais explosivo. O editor digital da The Economist, Tom Standage, lembra ainda que é preciso intervir nos fóruns, demonstrando aos usuários que os diálogos estão sendo acompanhados e que é preciso manter alguma compostura por parte dos usuários.
O quinto padrão apontado pelos britânicos trata diretamente do tema que nos afeta: os erros jornalísticos. A concordância geral é de que é preciso sim fazer correções quando alguma informação saiu incorreta ou imprecisa, e que em casos mais graves, é necessário ir além: reconhecer o erro e pedir desculpas de forma clara. Nos meios online, uma prática corrente é o apagamento dos tweets que veiculam a informação equivocada, como se fosse possível apagar o rastro do deslize. Os editores britânicos reconhecem que isso acontece, mas que não é a melhor prática. Publicar um novo tweet com uma atualização ou correção não só contribui para corrigir o rumo do noticiário, mas também sinaliza para o público uma dimensão humana que alguns meios de comunicação simplesmente esqueceram.
O erro no jornalismo, relegado a segundo plano, é um assunto de natureza técnica e ética. Não nos esqueçamos também disso.
******
Rogério Christofoletti é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS