Esta primavera [no hemisfério norte] assinala o décimo aniversário de um escândalo jornalístico que todo mundo gostaria de esquecer – e que muita gente esqueceu. No dia 11 de maio de 2003, um domingo, os leitores do New York Times acordaram, sem qualquer suspeita, com uma manchete de primeira página proclamando uma investigação de quatro páginas de um tal de Jason Blair, um repórter de 27 anos cuja série de matérias inventadas e de plágios constituía o que o publisher do jornal, Arthur Sulzberger Jr., chamou de “ponto baixo” na história do maior jornal dos Estados Unidos.
Mesmo naquela época, Blair, um neófito inexpressivo numa redação relativamente recente, era um ator coadjuvante na conflagração que engolia o Times. Mas seus delitos expuseram uma decomposição maior: a mesma cultura administrativa que permitiu que Blair ficasse zanzando feito um louco entre pautas pouco representativas, também deixou, e até incentivou, Judith Miller (entre outros) a sequestrar a credibilidade do Times e, às vezes, sua própria primeira página, para reforçar a falsa evidência do governo Bush para as inexistentes armas de destruição de massa de Saddam Hussein. O erro do Times – e, virtualmente, de todas as principais organizações de mídia, inclusive os noticiários de rádio e televisão –, ao não investigar o caso da guerra do Iraque, é até hoje um dos piores erros sistêmicos da história do jornalismo norte-americano. Esperava-se que o Times, acima de qualquer outro, superasse o contratempo.
Durante o imbróglio de Blair, o ambiente no edifício do jornal, na rua 43, era horrível. Como me disse um editor uma tarde, numa conversa desconexa, “você pode trabalhar por um século para construir uma instituição como esta e pode ver tudo ser destruído num fim de semana”.
No entanto, aconteceu algo notável quando o Times se dirigia para a demolição. Um número de líderes honestos, humildes, duros trabalhadores, e um novo regime de pesos e contrapesos restabeleceram o equilíbrio interno e a reputação externa do jornal. Isso não significa que o Times seja perfeito; nenhuma organização de mídia o foi ou será. (Vale relembrar que outro “ponto baixo” da história do Times foi sua cobertura minimalista do holocausto.) Mas o jornal recuperou seu status de mais essencial das fontes de informação norte-americanas – um dos últimos a manter correspondentes na maioria dos lugares em que ocorrem as notícias, e que ainda investe muitas horas de trabalho, talento investigativo sério e um sem-número de parágrafos para empreender reportagens que abrangem o mundo e quase todos os campos do esforço humano. Se o Times não providenciasse diariamente um conjunto de anotações, a televisão norte-americana não saberia como preencher seu tempo e os políticos não saberiam qual autoridade deveriam citar.
Mas tão logo o jornal consolidou sua volta do desastre Blair-Miller, a história pregou-lhe uma peça – no sentido de humor negro. Havia outra ameaça existencial ao jornal que nada tinha a ver com os aparentes acontecimentos apocalípticos de 2003. O Times não era imune ao mal que assolava todas as outras velhas organizações de mídia durante a última década: a revolução digital e a Grande Recessão.
Última fase
Agora, para o jornalismo, 2003 parece os tempos de antigamente. Enquanto websites com listas de classificados e o resto da internet dizimavam a publicidade e abalavam as imponentes convenções jornalísticas desde meados da década de 90, apenas 16% da população norte-americana tinha acesso à internet pela banda larga. (Em dezembro de 2012, esse número chegava a 65%.) E os golpes gêmeos das redes sociais ainda não tinham chegado: o Facebook (2004) e o Twitter (2006). O prejuízo que atingiu o resultado final do Times é uma novela que ainda está no ar. A última vez que vi o editor que expressara comigo seus sentimentos sobre a confusão causada por Blair foi numa outra despedida, no Times, de pessoas que tinham sido demitidas ou tinham rescindido seus contratos. O balcão do bar não era suficiente para dissipar o alto nível de ansiedade na sala.
Você não pode trabalhar em qualquer organização da velha mídia, jornal impresso ou televisão, sem ter muitos amigos e ex-colegas que estão procurando emprego, muitas vezes fora dos negócios de mídia. E as perspectivas dificilmente estão melhorando. Os últimos dois meses foram um ponto crítico para o jornalismo. O jornal da cidade que primeiro despertou meu amor pelo jornalismo impresso, o agora debilitado Washington Post, depois de se render ao talento, à influência e aos leitores do site Politico e de ter vendido a Newsweek por um dólar, explora agora a venda de seu prédio, local da icônica redação de Watergate, imortalizada no filme Todos os homens do presidente. (As velhas sedes de jornais, assim como as velhas agências de correios, hoje em dia têm mais valor como espaços vazios para imobiliárias.)
Da primeira publicação que reverenciei, Variety, em sua origem uma mistura medíocre de sensacionalismo e gíria, só não morreu seu nome, no mês passado. (Foi sepultada como uma revista de moda.) O primeiro jornal em que trabalhei, o Detroit News, sofreu as indignações da maioria dos diários metropolitanos e, algum tempo atrás, reduziu a entrega a domicílio para três vezes por semana. O jornal em que trabalhei em seguida foi o Richmond Mercury, que já se foi há muito tempo, assim como, no mês passado, o Boston Phoenix, o arquétipo alternativo que tentávamos replicar semanalmente na Virgínia. Depois teve o semanário Time, onde passei três anos felizes no final da década de setenta em sua última fase de vacas gordas, antes que o império de revistas de Henry Luce fosse engolido pela Time Warner. A revista e outras publicações do grupo Time Inc. vêm sendo “separadas” pela empresa-mãe após uma tentativa mal sucedida de um projeto de venda das revistas mais lucrativas – sem a Time.