Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brasil deve adotar posição liberal em direitos autorais

Para se tornar um dos líderes globais em inovação, o Brasil precisa de menos burocracia e de mais investimento em um modelo de educação não formal, voltada para a criatividade e para o empreendedorismo –o tipo que gera start-ups como o Facebook, o Google e o Twitter.

Essa é a visão do japonês Joichiro “Joi” Ito, 46, diretor do influente laboratório digital do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês), que dá palestra hoje no Rio de Janeiro (na Fundação Getúlio Vargas) e amanhã em São Paulo, durante o evento “Challenge of Innovation”.

Reconhecido como um dos principais pensadores sobre inovação, políticas digitais e o papel da internet na transformação da sociedade, Ito é um autodidata que nunca completou uma graduação.

Investidor de primeira hora em start-ups como o Twitter, presidiu o Creative Commons e é membro do conselho da Fundação Mozilla.

Em entrevista à Folha por telefone, Ito disse que o Brasil deveria se valer de uma posição “liberal” em relação aos direitos autorais para criar novos modelos de negócios e conteúdos –como aconteceu com o tecnobrega paraense. “Isso deve ser tratado como uma questão de competitividade do país.”

O sr. defende que a internet reduziu o custo da inovação. Isso também é verdade em países como o Brasil?

Joichiro Ito – Com certeza. É um impacto diferente do que aconteceu nos EUA, mas há uma tremenda oportunidade. A internet está conectando a produção às redes de distribuição, permitindo que as pessoas se conectem sem passar por governos ou grandes companhias. Como o custo da computação está caindo, isso reduz o custo da distribuição, da colaboração e da inovação. Com isso, a inovação sai dos grandes centros de pesquisa rumo às start-ups e empresas do gênero. O Facebook, o Google, o Yahoo!, todos começaram com pouquíssimo dinheiro, sem pedir permissão. Eram trabalhos de um bando de estudantes.

Quais os desafios do Brasil em termos de inovação?

J.I. – O Brasil tem uma mistura interessante. No caso do Creative Commons, por exemplo, foi um país-chave, o terceiro a adotar a licença. Vocês têm algumas estrelas como o Gilberto Gil pressionando o país à frente. Há muitos países que estão no mapa por causa de poucas empresas, como a Finlândia com a Nokia e o Linux. Não é preciso que toda a sociedade mude de uma vez, o que é preciso é que algumas poucas pessoas tenham os meios para começar a mudança. O Brasil tem gente com criatividade, vontade e energia suficiente. As dificuldades são que o sistema educacional precisa se tornar mais flexível e o empreendedorismo precisa ser incentivado. O custo e o tempo para abrir uma empresa no Brasil são muito altos.

Como o sr. vê o Marco Civil da Internet, o projeto brasileiro de regulação da rede?

J.I. – Pelo que eu soube, as empresas de telecomunicação são contra, mas muita gente, incluindo as principais emissoras, estão a favor da neutralidade da rede. Na questão dos direitos autorais, o debate oscila em todos os países, de acordo com o pêndulo político. Acho que o Brasil deveria se aproveitar de uma postura liberal em termos de copyright para inovar e tentar usar isso como uma vantagem competitiva, com modelos de negócios que não seriam possíveis em países desenvolvidos por causa do sistema de copyright.

Como o sr. vê a relação entre educação e desenvolvimento?

J.I. – Não quero diminuir a importância de construir escolas e universidades, para certos tipos de emprego é importante, mas você pode fazer muito sem essas instituições, criando “hackerspaces” e “makerspaces”, criando uma cultura de inovação. A maior parte das pessoas que estão em start-ups de tecnologia não tem um diploma formal.

Como o sr. vê o estágio atual da privacidade e da segurança na internet?

J.I. – A segurança é um problema, mas usá-la como desculpa para reduzir as liberdades é uma má ideia. As tecnologias de segurança vão melhorar eventualmente. Já a privacidade é um problema como a poluição: chegou a um ponto muito ruim, em que não é mais possível desfazer algumas das ações feitas. Vai piorar antes de melhorar e, até que sintamos dor de verdade, não vai mudar. Pessoas vão ter suas identidades roubadas, vão se machucar, vão morrer, mas, uma vez que comecemos a sentir essa dor, a sociedade vai passar a se preocupar com a privacidade, e aí vai haver uma necessidade comercial de lidar com isso.

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Marco Aurélio Canônico, da Folha de S.Paulo