Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Aos 10 anos, iTunes perde espaço para concorrentes

Há dez anos, a recém-criada iTunes Store presenteava os clientes com uma música chamada “Over My Head (Cable Car)”, de uma obscura banda de rock de Denver chamada The Fray. Esse foi, explica o guitarrista principal Joe King, o grande momento de virada da banda. “Nunca vou esquecer, nosso gerente enviou um e-mail dizendo que a música foi baixada 300 mil vezes”, conta King. “Imediatamente, nossa base de fãs passou de algumas centenas para milhares, por todos os lados. Nossa turnê começou a ficar com as vendas esgotadas”. Nos dias de hoje, apesar de seus 435 milhões de usuários registrados, a iTunes não gera mais esse tipo de sucesso da noite para o dia para músicos desconhecidos.

A Apple abriu a iTunes Store em 28 de abril de 2003, como uma alternativa legítima, apoiada pela indústria fonográfica, à pirataria de músicas pela internet, vendendo a maior parte das músicas por US$ 0,99 cada. Foi o primeiro canal para massificar a venda de músicas digitais. “Os consumidores não querem ser tratados como criminais e os artistas não querem ver seu trabalho valioso roubado”, disse na época Steve Jobs, cofundador da Apple, em comunicado. “A iTunes Music Store oferece uma solução revolucionária para ambos”.

A loja virtual, combinada aos onipresentes reprodutores de músicas iPod e, depois, aos iPhones, rapidamente se tornou “a loja” de música da internet, com quase 69% das vendas de músicas digitais dos Estados Unidos em seu auge, em 2010, segundo estimativas da empresa de pesquisas de mercado NDP Group.

Hoje, a participação da iTunes no mercado de músicas digitais dos EUA, de US$ 2,9 bilhões, caiu para 63%, segundo a NDP, a menor desde pelo menos 2006. Muitos usuários, incluindo os que estão no mercado de música, reclamam que o site parece ultrapassado, como as velhas lojas de discos de bairro. “É uma planilha com músicas”, diz Ben Easton, gerente de relações com artistas da casa noturna Joe's Pub, na cidade de Nova York. A interface, com suas características listas “das dez mais” e janelas que se abrem ficou pesada demais com o tempo e é uma grande desvantagem, diz Ted Cohen, consultor da indústria de música e ex-chefe da área digital na gravadora EMI Music. “Não há emoção”, diz Cohen. “Não há nada na loja iTunes hoje que dê a alguém o ímpeto de comprar algo”.

Passo expressivo

Decorridos dez anos, o arquivo musical da Apple passou de 200 mil para mais de 26 milhões de músicas. Não goza mais, no entanto, de um público cativo.

A loja musical da Amazon.com, mais barata, arrebatou cerca de 22% das vendas de músicas nos EUA nos últimos anos. No que representa uma ameaça ainda maior ao modelo de negócios, nomes como Spotify, Rdio e Rhapsody conquistaram milhões de assinantes para seus serviços de transmissão contínua, conhecidos como “streaming”, o que o iTunes não oferece. Embora US$ 0,99 por música seja barato para os ouvintes que querem novas músicas com regularidade, isso pode sair bem mais caro do que as mensalidades dos serviços de “streaming”. “Não se trata mais de músicas isoladas, e sim de acesso”, diz Cohen. “O conceito de comprar música por US$ 0,99 cada uma está se tornando irrelevante”.

A Apple diluiu o foco na música – e perdeu influência no que se refere a recomendar novos artistas –, já que a loja expandiu-se e passou a incluir programas de TV, filmes e livros, o que tirou espaço de roqueiros desconhecidos, diz Easton, da Joe's Pub. Diferentemente do que acontece com as músicas, a iTunes tem concorrência nos segmentos de filmes e programas de TV: a Amazon e o Google oferecem muitos dos mesmos vídeos que a iTunes, enquanto o Netflix oferece “streaming” ilimitado de programas, em sua maioria mais antigos, por US$ 8 mensais. Isso sinaliza que não haverá uma loja virtual dominante no futuro, diz Mark McGuire, vice-presidente de pesquisa da consultoria Gartner.

A remodelação mais recente da iTunes, em novembro, agregou a iCloud, para permitir que usuários armazenem suas músicas nos servidores da Apple por US$ 25 ao ano, mas isso apenas a equiparou à Amazon, Google e outras empresas. “Sob muitos aspectos, eles são vítimas do próprio sucesso”, diz McGuire. “Cada usuário está esperando por algo extraordinário”.

Para ser justo, uma loja com 26 milhões de músicas e 435 milhões de clientes não pode ser muito aventureira. Em 23 de abril, o diretor de finanças da Apple, Peter Oppenheimer, disse a repórteres em teleconferência sobre os resultados que a receita total da iTunes (incluindo músicas, programas de TV, filmes e livros) chegou a US$ 2,4 bilhões no trimestre encerrado em 31 de março. “Se estivesse sentado [na sede] em Cupertino, não estaria pensando em modismos na Apple”, diz Russ H. Crupnick, vice-presidente e analista da NPD.com. “Também se deseja que [o serviço] seja usado pelas pessoas que não estão na crista da onda.”

Neste ano, a Apple pretende lançar um serviço de “streaming” de músicas, com anúncios, similar ao Pandora, de acordo com fontes a par do produto, que não tinham autorização para falar publicamente sobre o assunto. A esperança, dizem, é que o serviço gratuito de rádio leve os clientes da iTunes a comprar mais músicas. Tom Neumayr, porta-voz da Apple, não quis comentar o assunto.

Um serviço de rádio no estilo do Pandora seria um passo expressivo para fora do modelo tradicional do iTunes de “baixar e ser dono” do arquivo da música, diz McGuire, para quem o mercado de downloads vai começar a declinar, embora lentamente, dentro de cinco anos. “Estamos em uma transição interessante”, diz McGuire. “O 'baixar e ser dono' vai persistir, mas com mais consumidores jovens, o acesso por meio de serviços de 'streaming' faz mais sentido”.

Última música

Quando Stephanie Berland formou-se na universidade e mudou-se para Nova York, em 2012, ela tinha uma coleção de mais de 3,5 mil músicas da iTunes. Ela mal as ouviu desde o ano passado, depois de inscrever-se no Spotify. Por US$ 10 mensais, Stephanie pode escolher 665 músicas para ouvir em seu telefone, seja em casa ou no metrô.

“Equivale a uma semana de músicas e posso ouvi-las todas em meu telefone. E não consome uma quantidade insana de memória”, diz Stephanie. “Se eu comprasse tudo isso na iTunes, custaria um monte de dinheiro”. Ela baixou sua última música MP3 da iTunes em dezembro. “Comprei-a para minha mãe, para seu iPod. É um iPod mini bem velho. Ela não tem ideia do que há por aí.”

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Andy Fixmer, da Bloomberg Businessweek, em Los Angeles