Mais uma vez o MST, como estratégia para sair da obscuridade midiática em que vive, usa a força física, arma primária e pouco eficiente diante da perversidade tenaz do mundo dos negócios, que tem a seu lado uma mídia eficientíssima e uma polícia disposta a agir com determinação e violência. As mulheres da Via Campesina, cerca de 2 mil, invadiram na semana passada o laboratório da Aracruz, localizado em Guaíba, no Rio Grande do Sul, e destruíram cerca de 1 milhão de mudas. Jornais e tevês destacaram o número, que não significa mais do que uma quantia a ser utilizada em cerca de 100 hectares.
A idéia da Aracruz, que já tem 65 mil hectares no Rio Grande do Sul, é plantar, por baixo, mais 100 mil hectares na metade sul do estado, a metade mais explorada, primeiro pelos fazendeiros pecuaristas, depois pela monocultura do arroz. A empresa vem desde 2004 regateando junto ao governo do estado subsídios para investir na metade mais pobre do Rio Grande.
A metade mais rica, a do norte, concentra um grande número de pequenos e médios proprietários de terra; é o lugar da diversidade agrícola, em que se encontra soja, milho, feijão, batata, mandioca, trigo, também arroz, frutas e, claro, com tanta diversidade, tem mais agroindústria e outras indústrias. Turisticamente, com a beleza preservada de suas matas serranas, é também mais valorizada, sendo poucos os turistas que descem até a depressão central ou os pampas, região de natureza delicada que abriga espécies da fauna e da flora que no RS só são encontradas ali.
Luta de 50 anos
Os jornalões de Porto Alegre, Zero Hora e Correio do Povo, num claro conchavo com interesses do mercado, vêm levantando desde 2003 a lebre da metade sul pobre, para a qual têm uma solução: as maravilhas da silvicultura, a monocultura de eucalipto. Ora, a zona das terras improdutivas no Rio Grande do Sul, que poderia servir à reforma agrária, é a da metade sul. Mas quando esses jornais abordam a pobreza da região sugerem colocar ricos lá, subsidiados para subempregar pobres que não têm em sua tradição cultural o manejo de árvores madeireiras. Em nenhum momento é colocada a possibilidade de transformar a região num pólo-modelo para a agricultura familiar, por exemplo. Em termos sociais e ambientais essa seria inclusive a aposta mais segura e auto-sustentável, já que uma família de cinco pessoas é capaz de viver bem com menos de 50 hectares de terra, dentro de outra óptica de mercado.
Em termos estritamente econômicos, de acordo com a economia vigente, investir numa multinacional e apostar na monocultura é a lógica. Meganegócios dão um lucro gigantesco, mas concentrado, o que só gera mais pobreza e desequilíbrios ambientais de grandes proporções. Nada disso é levado ao leitor, ao telespectador gaúcho que, se for mais esperto, tem a sorte de garimpar e encontrar notícias na imprensa nanica gaúcha, que resiste bravamente a pão e água.
Os acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do RS se multiplicam, os estudos sobre agricultura auto-sustentável, orgânica e biodinâmica crescem, a força é viva, às vezes bruta, mas nada que impeça uma multinacional, que se instalou em Guaíba em 2002, de conseguir subsídios, estímulos e favores do governo estadual para transformar os pampas numa promessa de deserto verde, um rombo a ser reparado no futuro, como tantos outros.
Mais forte e mais digno
A mídia local, a grande mídia, principalmente a da RBS, ligada à Rede Globo, não perde tempo na hora de argumentar a favor da geração de empregos. É o argumento mais fajuto que existe, é irmãozinho daquele que aumenta o bolo para depois repartir. A cada 100 hectares de eucalipto são empregadas 2 pessoas, que fazem o mesmo o dia inteiro, por longo período, sem tempo portanto para cuidar da própria horta. Isso é ótimo porque ela precisa gastar todo o seu dinheiro no supermercado, comprando caixinhas tetrapak. A agricultura familiar, pela qual lutam e estudam os trabalhadores sem terra, emprega a família toda, caminha em direção à auto-sustentabilidade, ao anticonsumismo e casa perfeitamente com o que o planeta precisa urgentemente.
É incrível porque o mesmo jornal que dá a notícia sobre o aquecimento global, suas causas e possíveis conseqüências, defende com unhas e dentes os sistemas que multiplicam os problemas ambientais e sociais. Por que a RBS, que gosta tanto de glamourizar os fatos, não entrevista uma loura linda e inteligente que vive em Porto Alegre a fazer advertências sobre os riscos de florestar o pampa? Falo da bióloga Lara Lutzenberger, presidente da Fundação Gaia, filha do falecido líder ecológico José Lutzenberger.
Além de ignorar os ambientalistas, a imprensa nacional cobre vergonhosamente mal a trajetória do MST e o faz em causa própria, apoiada por governos submissos unicamente aos interesses mercadológicos. Chegamos ao cúmulo de precisar assistir ao drama das lágrimas de uma pesquisadora da Aracruz, como se fosse um sentimento mais forte e mais digno do que o daquelas duas mil mulheres que partiram para o revide. Ou será que o governo do RS colocar uma multinacional para explorar uma vasta quantidade de terras num estado que tem milhões de pessoas reivindicando o cultivo há 50 anos não seria uma provocação boa o bastante para uma revolta?
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Jornalista, Osório, RS